Está um frio de rachar no Alentejo. São 9h00 de uma recente manhã de Inverno e o movimento é grande na ART - Associação de Respostas Terapêuticas, em Castro Verde. Andaimes ladeiam as paredes de um dos edifícios centrais da Quinta Sócrates - Horta da Nora, latas de tintas e materiais de pintura espalham-se por vários recantos e há mais de 40 voluntários do projecto COLORFUL COMMUNITIES, da PPG Dyrup, oriundos de vários pontos do país a prepararem-se para meter mãos-à-obra e dar nova vida às instalações desta organização sem fins lucrativos, que fornece intervenção terapêutica multidisciplinar a adolescentes com múltiplos factores de risco, dependências e comportamentos considerados anti-sociais, "para que possam ser reintegrados na sociedade com uma vida activa e positiva". Todos os anos passam por aqui entre 40 a 50 adolescentes de vários pontos do país.
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Para os que aqui estão agora, todos eles menores, o dia é diferente, mas as rotinas básicas mantêm-se. Há aulas a decorrer e tarefas a cumprir. Uns limpam o exterior das casas obviamente alentejanas que compõem a Quinta, outros ajudam na cozinha, onde se prepara o almoço para os voluntários. Num bocadinho de tempo livre, João (nome fictício) decidiu homenagear a iniciativa e as pessoas nela envolvida com um rap. Escreveu as rimas num papel e pediu o beat a um dos colegas. Agora, falta a aprovação da directora do ART, Carla Silva. "Doutora, juro que não tem asneiras". E não tem. "Boas tardes, pra toda a gente, senhoras e senhores / Um grande abraço quente pelos arranjos e as cores". João encontra no rap a forma de expressar o sentimento do colectivo. São miúdos a tentar crescer de outra forma que não aquela a que por momentos pareciam destinados. Ainda há tempo.
Para quem vê de fora, estes "arranjos", como lhes chama João, podem parecer uma coisa simples, ou, na perspectiva dos mais cépticos, uma simples forma de uma empresa passar uma mensagem de solidariedade social. Mas, na prática, são muito mais do que isso e vão muito além da revitalização dos espaços interiores e exteriores da ART, incluindo jardins, do donativo financeiro, dos 600 litros de tinta, da nova tabela de basquetebol, da televisão ou do quadro interactivo também doados. São, na sua essência, uma forma de deixar uma marca numa casa que, apesar de temporária, é o mais próximo de um lar que muitos destes adolescentes alguma vez tiveram. E essa marca importa muito. Agora e no futuro. Para o João e os seus colegas e para os próximos que em Castro Verde venham a ter a sua janela de esperança aberta de par em par.
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A artista urbana Maria Imaginário tem plena noção disso mesmo. À VICE, de manhã cedo, enquanto escolhia as tintas e calculava as dificuldades que a humidade iria colocar à secagem do trabalho, Maria Imaginário haveria de confessar que, apesar de naquele momento ainda não ter a certeza do que iria fazer, de uma coisa não tinha dúvida: "Tem de ser algo com muita cor e que transmita uma sensação de conforto e esperança".A artista integra a iniciativa COLORFUL COMMUNITIES - que desde 2015 já concluiu mais de 200 projectos que beneficiaram cerca de 5,2 milhões de pessoas em 29 países -, com uma missão muito particular: transformar a parede envelhecida de uma sala de convívio num mural com valor artístico e que lembre aos adolescentes do ART que não têm de crescer antes do tempo. "Enquanto artista, para mim faz todo o sentido participar nesta acção, não só em termos profissionais, como artista, mas para o meu próprio crescimento pessoal. Não é todos os dias que se pode participar em algo desta dimensão", salienta.
E, no final do dia, para além dos litros de tinta, do trabalho duro, do subir e descer de andaimes, da ansiedade de que tudo fique pronto a tempo, a parede de Maria Imaginário é o reflexo óbvio de que a aparente simplicidade de um gesto solidário pode ser muito mais do que isso. Como diz o rap do João: "Por isso dedico esta música a vocês grandes pintores / vocês são boas pessoas e obrigado por ajudarem / voces podiam ter escolhido férias para descansar / em vez disso tiveram um coração grande para as nossas instalações pintar / não temos razões para nos queixar"
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Abaixo podes ver mais imagens da intervenção COLORFUL COMMUNITIES na ART - Associação de Respostas Terapêuticas, em Castro Verde. Aqui podes ver um resumo em vídeo da acção e para saberes mais sobre o voluntariado visita este site.
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