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Música

Os Mais Lendários Clubes de Amsterdã

Foi na capital holandesa que algumas das mais importantes casas dedicadas à cena eletrônica surgiram. O editor do THUMP Holanda fala sobre os bastidores dessa história. Sensacional.
Foto: Marco Okhuizen

Na primeira quinzena de outubro, mergulhamos no Amsterdam Dance Event (ADE). Mas pera, vamos dar uma olhada na rica história da vida noturna da cidade. Amsterdã tem cumprido um papel vital no universo da música eletrônica desde os anos 80. Lar de alguns dos melhores DJs, produtores e clubes do mundo, a vida noturna da cidade ganhou fama e notoriedade internacional como uma das cenas clubísticas mais impressionantes da Europa. Nós mapeamos os mais lendários marcos da noite de Amsterdã e pedimos aos residentes que compartilhassem seu folclore pessoal de festas conosco.

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iT (1989-2004) 
Perto da Rembrandtsquare - no mesmo lugar em que o clube AIR está situado hoje em dia, ficava a mais influente gay disco da Europa. O iT foi um dos seminais clubes de house da Holanda e um lugar selvagem e colorido em todos os aspectos. O DJ Jean é residente do espaço desde o primeiro ano de existência do clube até agora. 

DJ Jean: "No início havia dois clubes em Amsterdã onde você podia ouvir house music regularmente: o RoXY e o iT. Nas primeiras vezes em que toquei no iT o lugar estava completamente vazio. Os únicos caras por ali eram o dono Manfred Langer e os amigos dele, que ficava pulando na pista de dança. Mas uma hora a coisa estourou e o iT se tornou o lugar da vez.

A atmosfera no início dos anos 90 era tão aberta… tudo era possível. A presença de todos aqueles travestis e transexuais sempre causou cenas adoráveis. Quando a letra sobre a devassidão do iT se espalhou pela Holanda e as pessoas de fora da cidade começaram a vir, começamos a ver muitos caras flertando com o que eles achavam ser uma gostosona - para então descobrir que ela na verdade era ele, depois de ter passado a noite inteira no amasso.

Como DJ, eu era encarregado não só de colocar a música, mas de controlar a vibe no sentido mais amplo da palavra. Nas noites gays, se o Manfred achasse que a atmosfera estava muito banal, ele chegava e dizia: "Hora de colocar algum gezelligheid [a palavra em holandês para sociabilidade, convivência]. Isso era o meu aviso pra subir lá e encher a máquina de fumaça de poppers. Como você deve estar imaginando, o lugar inteiro enlouquecia. Uma coisa dessas é inimaginável na cena clubística de hoje em dia."

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RoXY (1987-1999)

Photo: Dennis Bouman

"O RoXY era um lugar fenomenal. Não existiu um outro lugar como ele desde então. Era inacreditável o esforço que se aplicava na criação de uma vibe extraordinária. Os melhores DJs poderiam ser ouvidos toda semana, acompanhados pelas maiores performances e trabalhos de arte. O clube era verdadeiramente multidisciplinar, antes do termo começar a ser usado.

Além do mais era o único lugar de Amsterdã em que uma mulher podia andar tranquilamente sem ser assediada. Havia uma política de porta rigorosa, mas dentro o ambiente era especialmente seguro e livre, onde qualquer um poderia se expressar livremente - gays, fashionistas, alternativos. Mesmo pessoas completamente peladas não eram mal vistas.

O DJ que fez o RoXY se destacar pra mim foi o Dimitri. Naquela época ele não era colocado entre os melhores DJs do mundo, e é normal que não fosse. Foi ele também que me deu a oportunidade que marcou o início da minha residência. Os anos que se seguiram foram alguns dos melhores anos da minha vida.

Quando o RoXY pegou fogo em 1999, o espaço já tinha perdido algo de sua magia. O incêndio foi um grande drama na história do house holandês, mas na minha opinião ele foi o final dramático que o seu fundador Peter Gielen (RIP) desejaria."

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Melkweg (1970-…)

Photo: Per

O Melkweg, em Lijnbaansgracht, é uma das mais antigas casas de música de Amsterdã. E foi também a primeira casa de shows a agendar apresentações de house music regularmente. O DJ Per merece o crédito por ter feito isso acontecer. Como residente aos sábados, Per colocou o Melkweg no mapa como um lugar de dance music.

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 DJ Per: "Quando eu comecei a introduzir estilos musicais mais experimentais, como o hip hop, em minhas noites de sábado no Melkweg, os clientes não gostaram. A resistência a esses sons pouco familiares era tão feroz que os frequentadores fizeram uma votação para me demitir. Por sorte, os curadores me mantiveram e o público acabou se acostumando com o meu gosto.

No final dos anos 80 eu comecei a tocar principalmente new beat e acid house. O único outro lugar onde se podia ouvir essas coisas era o RoXY, que tinha uma política de porta rigorosa. O Melkweg, como era uma casa de shows subsidiada, não tinha qualquer um da restrita elite da cidade que gostasse de house music e que não acabasse frequentando a minha noite.

Como vocês podem imaginar, a coisa fugiu completamente do controle quando a house explodiu em 88/89. Aí, ao invés de as pessoas votarem para me tirar de lá, de repente havia quatrocentos houseiros malucos gritando "Per, Per, Per!" antes mesmo que a banda da noite tivesse finalizado o seu show. O Melkweg também foi a primeira casa de Amsterdã onde todo mundo, incluindo os clubbers da classe trabalhadora, podia ouvir estilos de house mais pesados. Foi na verdade o primeiro lugar onde a palavra gabber (gíria de Amsterdã para homie) se tornou associada ao hardcore."

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Paradiso (1968-…)

Photo: Ali Mousavi

O Paradiso, perto da Leidsesquare, normalmente é chamada de O Templo do Pop. Todas as grandes bandas tocaram nessa igreja modificada ao longo dos últimos quarenta anos. O Gert Van Veen, do Quazar, foi o primeiro a organizar uma noite regular de house lá, depois da lendária primeira apresentação em 1991.

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"Eton Crop, Surkus e Quazar estavam fazendo uma turnê pela holanda chamada Atmosphere. Nós queríamos tocar na Paradiso, onde os curadores eram um pouco intolerantes com a house music no início. "Não é o nosso público", eles nos diziam. Mas depois que os convencemos, e a noite se tornou um grande sucesso, eles mudaram de ideia.

Foi tanta gente que a Paradiso ficou completamente lotada e as pessoas enlouqueceram. Eu nunca vou esquecer a magia daquela noite. Quando as luzes foram ligadas às cinco da manhã e todo mundo saiu pelas ruas, um cara parou o carro na frente da casa com o som no talo. Centenas de pessoas continuaram dançando lá mesmo na Leidseplein, atraindo até a atenção do famoso cantor boêmio holandês Ramses Shaffy (um famoso cantor holandês de chanson). Obviamente bebadaço, ele festejou com a gente por mais duas horas.

Aquela noite foi muito importante para mim. Graças à Atmosphere nós acabamos organizando as festas Welcome to the Future no Paradiso, apresentando artistas como Underworld para o público holandês."

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Elementenstraat (1991-1992, REABERTA EM 2014)

Em algum lugar próximo ao porto - ela acabou de reabrir como Warehouse - fica uma das seminais casas de hardcore da Holanda. O galpão Elementenstraat, da Multigroove, não era um clube oficial, mas se mostraria essencial ao desenvolvimento dos estilos de dance mais pesados no país. A polícia fechou o local brutalmente depois de um ano e meio, na noite em que o residente Dano acabou não comparecendo pois estava doente.

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 Dano: Era ótimo tocar para a Multigroove. Eles sempre apareciam com os lugares ilegais mais loucos. Simplesmente encontravam galpões desertos e os invadiam. Foi exatamente o que aconteceu com o hangar Focus da Elementstraat, que se tornaria palco durante um ano e meio de algumas das festas mais loucas que eu já vi.

O lugar era incrível, porque havia espaço para experimentar. Você podia colocar uma música lenta que se tornava extremamente rápida no meio e o público acompanhava. O Elementenstraat foi o primeiro lugar em que alguns de nós começamos a tocar house music em terceira marcha, pavimentando o caminho para o que mais tarde se tornaria o hardcore e o terror.

É claro que tinha muita venda de droga lá, então a polícia pensou que fosse algum tipo de organização criminosa. Eles vinham conduzindo uma grande operação secreta de codinome 'ponytail' (rabo de cavalo, porque a maioria dos caras da Multigroove tinha cabelo comprido). Na noite em que eu não fui porque estava doente, e pedi ao Flamman e ao Abraxas [Fierce Ruling Diva] pra tocar no meu lugar, o galpão foi invadido por cerca de duzentos agentes da força especial. Até os DJs foram presos com sacos na cabeça… só porque estavam se divertindo."

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Mazzo (1983-2004)

Photo: Huybert van der Stadt

Até o seu fechamento em 2004, o Mazzo, em Rozengracht, manteve o recorde de clube mais antigo de Amsterdã. Começando como o tipo de lugar onde você poderia ver membros do Depeche Mode, The Cure e U2, durante os anos 90, o Mazzo se tornou raw e techno. Bart Skils se lembra do clube - e de seus frequentadores - como algo extraordinário.

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Bart Skils: O Mazzo foi um grande clube por muitos anos. Desde o começo, quando você podia ver grupos como Public Enemy tocarem, o lugar era conhecido como o clube underground mais importante de Amsterdã. Quando eu comecei a ir lá nos anos 90, o espaço era o lugar da cidade para se ouvir techno. Mais tarde, organizei a minha própria noite às quintas, que se chamava Voltt.

Em algum ponto - acho que foi em 2002 - o Mazzo decidiu parar com o techno porque eles acharam que a black music atrairia um público melhor. Aquilo foi o começo do fim da casa, na minha opinião. De uma semana para a outra, a mudança foi feita, mas não antes de nós fazermos uma última e lendária festa.

Pela manhã, um frequentador cansado e agitado veio tentar parar o som. Ele tirou a agulha do disco grosseiramente. O que ele não sabia é que o meu mixer tinha uma função sample, então quando a música simplesmente continuou tocando ele ficou louco e começou a bater nas pessoas. O Mazzo era assim, bizarro. Os frequentadores eram encrenca. E eles eram tão assustadores que nem o pessoal da gerência ousava mexer com eles."

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Gashouder (1993-…)

Photo: Dennis Bouman
O Gashouder foi de grande importância para a cena de festas de Amsterdã. Construído como uma reserva de gás no século XIX, os contornos dessa imensa estrutura circular têm o techno escrito por toda ela. Ele ganhou fama como lugar de festas no fim dos anos 90, quando os primeiros eventos Awakenings foram feitos lá. Desde então o lugar tem visto muitas festas memoráveis de techno, e o Eric de Man lembra-se particularmente de uma delas.

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 Eric de Man: "O Gashouder carrega um grande sentimento rave. De alguma forma você sempre acaba se perdendo lá dentro, mesmo sendo uma estrutura perfeitamente circular. No fim dos anos 90, a casa tinha certos pontos onde as ondas sonoras ricocheteavam nas paredes e criavam uma cacofonia caótica de beats e sons de drum. Quando a máquina de fumaça começava a disparar, "psssshhhht!", e você achava que tinha se perdido dos seus amigos, de repente percebia que eles estavam bem na sua frente.

O Gashouder é uma das casas de techno mais importantes do mundo. Se você estiver fazendo qualquer coisa nesse estilo de música, tocar lá é o auge. Eu me lembro da noite que eu tive que fechar logo depois do Jeff Mills. Ele tinha pedido um conjunto de monitores que normalmente serviriam para sonorizar um clube inteiro, o som era tão alto que assustava. Mas o público era muito enérgico - a maioria dos ravers eram nessa época.

É engraçado. A foto que sobrou dessas apresentações particularmente, mostra cinco mil pessoas pirando e um cara na primeira fila com uma camiseta de neon verde olhando pro relógio, provavelmente dizendo a si mesmo: 'Meu Deus, até quando isso vai durar?!'".

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11 (2004-2008)

Photo: Merlijn Hoek 

Quando o 11 abriu as portas, a noite de Amsterdã estava precisando muito de algo novo. O restaurante Barra Clube no 11º andar do velho prédio dos correios da cidade veio bem a calhar como abrigo para uma nova geração de músicos e clubbers. É o lugar onde minimalismo holandês floresceria, e também o berço dos sons electro tocados por Joost van Bellen.

 Joost van Bellen: "O 11 foi o primeiro clube de Amsterdã estabelecido em um prédio industrial do pós-guerra com pouquíssimos recursos. Antes disso, os clubes tinham sempre que ser bonitos. Mas no 11 a maior parte da decoração foi deixada do jeito que estava, dando ao lugar um espírito industrial berlinesco. A maioria das pessoas na época achavam que a vida noturna tinha acabado depois que o RoXY, o iT e Mazzo fecharam, mas o 11 provou que elas estavam erradas.

O que eu mais me lembro da nossa noite mensal Rauw é a sinergia da música, os grandes telões, a visão da cidade e o burburinho do público. O ambiente tosco do 11 era perfeito para bandas como o Whitey, que misturava rock'n'roll com eletrônica. Mas o momento mais incrível foi quando os DJs Are Not Rockstars estavam tocando e uma imensa tempestade causou uma queda de energia no clube. A única coisa que ainda funcionava era o sistema de som, então os DJs continuaram tocando e tocando. Os relâmpagos proporcionaram o maior show de luzes que você pode imaginar.

Sim, eram um tempo e lugar incríveis, mas os tempos mudaram. A administração Bush e a guerra do Iraque trouxeram uma certa inquietude. A crise de hoje em dia clama por mais amabilidade - não por stagedivings, mas por abraços grupais e pirâmides humanas!"

Paradiso, Melkweg, Gashouder e Elementenstraat ainda estão abertos, inclusive para o ADE. Na próxima vez que visitá-los, tire um momento para pensar sobre a história da rave presente nesses lugares, sobre todas as gerações de festeiros que festejaram lá antes de você.

Aron Friedman é o editor do THUMP na Holanda, e ele também gira discos. Siga ele no Facebook.