O Chorume Homofóbico do Ten Walls Só Provou o Quão Hétero É a Dance Music Hoje

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O Chorume Homofóbico do Ten Walls Só Provou o Quão Hétero É a Dance Music Hoje

O gênero que nasceu nos redutos gays tem agora o desafio de manter a comunidade unida contra a homofobia.

Se tiver qualquer coisa de positiva vinda das declarações homofóbicas de Ten Walls — que consistia num post cheio de ódio no Facebook comparando homossexuais a pedófilos —, é que que a catástrofe do DJ provocou um raro momento de completa união na dance music.

Depois do acontecido, o Ten Walls foi retirado dos line-ups dos festivais Creamfields, PITCH e Sónar, e a confusão ainda sobrou para o Fort Romeau que daria suporte para Walls e também teve sua participação cancelada. O último prego no caixão veio da Coda Music Agency, empresa que agenciava o Ten Walls e condenou "todas as formas de discriminação baseada em raça, religião ou orientação sexual", anunciando que tirariam o DJ, de nome Marijis Adomaitis, de sua seleção de clientes.

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O incidente, porém, conseguiu desencadear uma reação genuinamente unificada em todos os cantos do mundo da dance music. Fãs e DJs estavam postando fotos do Ten Wall quebrando os discos do produtor lituano e deletando as músicas dele de seus iTunes. A revolta com o post do DJ rapidamente se tornou um sentimento unificado na comunidade house e techno, que tomou as rédeas da situação, condenando e rejeitando Adomaitis por meio de todas as plataformas, removendo qualquer fiapo de credibilidade que ele tinha dentro do gênero. Foi um claro, ousado e coletivo "NÃO VAMOS ACEITAR ISSO".

Houve também a marginalização sistemática por parte de outros DJs e produtores. Figuras de toda a esfera eletrônica, do Eats Everything a The Black Madonna, atacaram Ten Walls — o desafiando e condenando suas ações, assim como amplamente apoiando a decisão de tirá-lo do lineup dos festivais. É difícil, se não completamente impossível, ver alguma forma de Adomaitis se recuperar dessa situação. Se tivesse acontecido com uma estrela maior, poderiamos imaginar fieis seguidores idiotas o apoiando, mas no caso de Ten Walls, parece que as palavras foram vís demais, e sua influência parece muito pequena para resgatá-lo da completa destruição. Ele se tornou mais conhecido nas últimas vinte e quatro horas do que ao longo da sua carreira de seis anos - tudo pelos motivos errados.

Esconde essa bunda, Ten Walls

É fantástico perceber como foi unânime a resposta dada pela comunidade eletrônica ao post de Ten Walls. Mas será mesmo que precisava de uma explosão homofóbica para percebermos que rumo as coisas têm tomado? Nas duas últimas décadas, a dance music tem apagado sistematicamente suas raízes na cultura queer, substituindo-as por uma besteirada de macho estéril. Faixas colocadas no YouTube vêm com fotos de modelos de biquini. Diplo ainda toca em palcos principais depois de ter tweetado besteiras sobre uma ilustradora, cujo trabalho ele mesmo roubou: "Eu dei o crédito a ela o que vc quer que eu faça? Chupe ela enquanto massageio seus peitos também?". Betoko, que ano passado perdeu sua residência em Ibiza depois de um caso de violência doméstica, voltou à turnê com relativa facilidade. Enfim, já deixamos claro que a treta do EDM não é só com as mulheres.

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No entanto, a internet sempre tende, por meio da luta por políticas sociais progressivas, atacar situações individuais ao invés de atacar o problema em si. Atacamos uma propaganda por ser sexista e continuamos a ignorar o constante fluxo de misoginia através da mídia. Atacamos a gafe racista de um político e ignoramos as políticas sistematicamente preconceituosas. Colocamos uma transexual famosa na capa de uma revista, mas continuamos a subrepresentá-los e neglicenciamos a comunidade como um todo. Não é que não ligamos, mas para a geração de ativistas online parece incrivelmente fácil achar que um problema tem um tweet de profundidade.

@residentadvisor @Creamfields @pitch_fest música para os meus ouvidos! Isso mesmo. TODO MUNDO deveria cancelar esse cretino.

Só porque Ten Walls entrou nessa baila, não quer dizer que o problema foi resolvido. Com respostas apropriadas para essa questão, é só ler as longas matérias publicadas aqui no THUMP e no Resident Advisor para perceber como a dance music se afastou da comunidade LGBT que a pariu. A vida noturna gay parece ser compreendida agora apenas como uma balada divertida ao som de Lady Gaga, ignorando o papel que a própria cultura gay teve em fundar basicamente TUDO o que conhecemos como dance music hoje. A influência e continua presença de artistas eletrônicos LGBT se extende ao passado desaguando em Frankie Knuckles, e até as inovadoras estilizações do Arca. Disco e garage são gêneros surgidos em comunidades gays dos anos 70 de Nova York. A história do house de Chicago começa em uma sauna gay em Manhattan. Essas são apenas algumas das histórias do início de tudo, portanto nenhum consumidor ou criador de música eletrônica deve esquecer essas coisas.

Por isso, o desafio - particularmente para membros heterossexuais da comunidade da dance music - não é apenas tirar Adomaitis de lineups de festivais, mas dar contínuo apoio à comunidade gay dentro da música eletrônica, não apenas quando uma estrela de um hit vomita declarações homofóbicas. Vai haver uma tentação preguiçosa em enxergar o incidente de Ten Walls como uma prova de que a dance music não tem um problema com homofobia. Essa semana vimos o mundo da música eletrônica triunfalmente unido, mas a verdadeira vitória só virá com o apoio positivo contínuo.

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Tradução: Pedro Moreira