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Música

Ostras, Baltimore Club e Diversidade: um Papo com James Nasty

Homem forte do baltimore club, Nasty agora faz parte do time da Enchufada e soltou um som que fala da nossa brasileiríssima perereca. Claro que trocamos um ideião com ele.

"Sempre senti orgulho de mim mesmo por ser capaz de discotecar para qualquer público e estar de braços abertos à diversidade". A fala é de James Nasty, o DJ e produtor saído da cena eletrônica de Baltimore, em Maryland, nos Estados Unidos. O cara que foi fisgado pelo dancehall curte todo tipo de som, em especial o latino, e foi justamente esse lance de estar de ouvidos abertos para o que é diverso que o levou a integrar o time da label portuguesa Enchufada, por onde soltou "Good Perereca" dentro da série Upper Cuts.

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Claro que piramos ao saber que o cara de Baltimore está ligado no nosso funk e batemos um papo com o Nasty pra saber como ele encontrou esse sample. Na conversa, acabamos descobrimos uma coisa ou outra sobre ostras, seu cabelo e o envolvimento com a diversidade na cena eletrônica. Vai vendo.

THUMP: Como você teve contato com a Enchufada?
James Nasty: Meu empresário na época já tinha colocado alguns outros clientes em contato com a label portuguesa para fazer uns lançamentos. Eu tinha algumas gravações na vibe deles e os enviei como demos. Depois de algumas pequenas mudanças, tínhamos um hit.

Sobre a música "Good Perereca", como você conseguiu as referências e samples para ela?
Eu tenho um amigo DJ de Austin, no Texas, que ama música de baile funk. Nós costumávamos trocar músicas sempre. Eu mandava uns lançamentos de baltimore club e ele me mandava uns funks que tinha acabado de descobrir. Lembro de vasculhar a pasta um dia e ouvir essa música. Às vezes você ouve algo e isso causa uma impressão imediata em você, e essa música fez isso comigo. Acabei procurando no Google o que perereca significava e fiquei tipo "claro, esse material é perfeito para cortar um trecho e adicionar numa música do James Nasty!".

Você gosta de música/artistas brasileiros e latinos? Quais?
Nada barra aquelas músicas clássicas e imortais que o Antônio Carlos Jobim e Sérgio Mendes criaram. Também tem várias gravações de house music remixando ou sampleando o trabalho deles que sempre serviram de inspiração.

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Sempre fui um grande fã de música brasileira, latina e todo tipo de música tropical. Tudo começou com um amor por dancehall desde bem novo e foi crescendo a partir daí. Amo descobrir novos sons vindos de lugares diferentes. Principalmente reggaeton, salsa, soca e funk carioca.

Quando foi seu primeiro contato com esse tipo de música?
Eu comecei a discotecar de verdade em 2008. Passei muito tempo saindo à noite, indo pra balada e fazendo networking. Várias festas de dance underground tinham uma curadoria que girava em torno de baltimore club, baile funk, hip hop e esses sons de post-punk com uma pegada disco. Vários grandes DJs surgiram da cena por trás desses gêneros. Tinha também uma comunidade que hoje em dia é lendária, o Hollerboard, onde os DJs trocavam ideia, compartilhavam todas essas músicas e falavam merda.

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James Nasty Boiler Room Baltimore DJ Set por brtvofficial

Quando você começou a fazer sua própria música?
Quando tinha 16 anos saí da orquestra do ensino médio da minha escola na qual tocava saxofone alto e comprei uma guitarra elétrica. Aprendi rápido a tocar sozinho e comecei a escrever músicas, naquela época no porão dos meus pais. Na faculdade, toquei em algumas bandas, fiz alguns cursos de engenharia de som e comecei a me arriscar em softwares como Reason e FruityLoops. Venho produzindo rap e músicas dançantes desde então.

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Que tipos de set você gosta de fazer? DJ set, ao vivo, etc?
Definitivamente DJ set. Eu escrevo várias músicas especificamente para fazerem parte do meu set. E então preencho o espaço vazio com outras músicas que amo.

Por quê?
Em parte, comecei a discotecar porque estar em bandas ou em um estúdio sendo engenheiro de som ou produzindo não era suficiente para mim. Às vezes parecia que eu tinha uma ética de trabalho duro ou objetivos maiores do que os das pessoas com as quais eu estava trabalhando na época. Finalmente eu tinha conhecido um rapper talentoso e motivado que tinha uma vibe parecida com a minha. Infelizmente, ele levou um tiro no dia que supostamente teríamos uma última sessão antes de enviarmos o disco para ser mixado e masterizado. Eu basicamente fui embora do estúdio em que estava trabalhando logo depois disso e comecei a samplear umas paradas e produzir baltimore club sozinho em casa.

Discotecar é essencialmente estar em uma banda de um homem só. No entanto, gosto de ter a oportunidade de colaborar ao vivo tanto em uma performance com um MC como dividindo um set com outro DJ. Gosto da possibilidade de estar em sintonia com outra pessoa no palco. Este é o ex-nerd de bandas que existe em mim. E o mais importante: isso traz à tona o melhor lado de todos que estão no palco, e assim o público assiste a um ótimo show.

Quem é o seu maior ídolo? Ou maior influência?
Tenho uma lista bem diversificada de influências. Seria impossível escolher um só. Um que me vem à mente agora é o Charles Feelgood. Ele sempre foi uma grande influência enquanto DJ. Cada DJ tem seu próprio estilo e vibe. Isso cria uma experiência quando você os vê e os ouve tocar. Tem algo de diferente nos sets do Charles que sempre fazem você se sentir bem. A primeira vez que o vi ao vivo, ele tocou "Don't Call Me Baby", da dupla Madison Avenue, e foi foda demais. Acho que foi nesse momento que realmente percebi que queria explorar as possibilidades de ser DJ. Antes disso eu era super contra discotecagem. Meu pai era DJ nos anos 70 e 80 antes de eu nascer. Nunca quis ser como ele. Ver o Charles me fez perceber que discotecar poderia ser um caminho para me tornar um performer mais diversificado e ter mais impacto em uma festa/público graças a isso do que se apenas fosse guitarrista em uma banda. Tinha também um quê de empoderamento nele, uma pessoa negra arrasando na cena rave predominantemente branca. Sempre senti orgulho de mim por ser capaz de discotecar para qualquer público e estar de braços abertos à diversidade. Era revigorante ver isso. Havia tantos outros lugares que eu trabalhava ou frequentava que pareciam segregados.

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O que você costuma ouvir?
Eu escuto uma variedade muito grande de música. Atualmente estou ouvindo muito o novo disco do D'Angelo. Toda hora eu noto algo novo nos arranjos e na instrumentação de algumas músicas. Também descobri uma estação de rádio de jazz de Nova Orleans, chamada WWOZ, que tem um app de streaming que deixo tocando basicamente o dia todo na minha casa. Então o que eu ouço depende do meu humor. Por mais que eu odeie o Spotify por conta do crescimento da música por streaming ter essencialmente eliminado os royalties mecânicos para os músicos, às vezes curto a conveniência de ter acesso imediato a tanta música para acompanhar qualquer humor que eu estiver no momento.

Pode nos dizer um dos momentos favoritos da sua carreira até agora?
Tenho dois. Nós tínhamos um festival comunitário grátis aqui em Baltimore chamado "Pow Wow". Eu tive a chance de tocar um set em parceria com um amigo e um dos meus produtores favoritos, o Soohan, no último Pow Wow. Soohan e eu sempre fomos muito compatíveis musicalmente - o que teve raiz em nosso amor mútuo por músicas centradas em um baixo pesado e com uma pegada tropical - e eu não conseguiria pensar em ninguém melhor para tocar comigo faixa a faixa no meio do dia em frente a mil crianças dançando no meio da sujeira.

O segundo é que fui um convidado de última hora da edição baltimore club do Boiler Room. Foi uma experiência muito significativa estar ali e ser uma das seis pessoas escolhidas para representar nossa música para uma audiência tão grande. Especialmente ao lado de pessoas que fizeram tanto pela música que eu tanto admiro. Se caras como Scottie B, Rod Lee e o DJ Technics não tivessem feito o que fizeram, eu nem sei o que estaria fazendo da minha vida. Provavelmente já teria morrido de tanto dançar.

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Pode nos contar um pouco sobre como é a cena de música eletrônica em Baltimore? Quais são os gêneros que as pessoas mais gostam? Tem alguma tendência nova surgindo por lá agora?
A música baltimore club é o som da nossa cidade. É interessante observar a cena sobreviver e evoluir desde que K-Swift (um dos maiores DJs que tínhamos) se foi. Há uma nova geração de produtores que fazem músicas especialmente para competições de dança, chamadas de "Shake Off". Estamos em uma luta sobre como Shake Off deveria ser classificada. Claramente é uma evolução da música baltimore club, mas quando você compara com as faixas mais antigas do gênero, elas não realmente soam da mesma forma. Então, dependendo de quem você perguntar, ela pode ou não ser considerada baltimore club de verdade. Ainda temos um grupo de produtores de músicas dançantes talentoso por aqui, composto por caras jovens e mais velhos, tocando faixas de gangsters originais como DJ Technichs, DJ Booman, Debonair Samir, Say Wut e Rod Lee até a próxima geração de caras como DJ Dizzy, Benny Stixx, Matic, Mighty Mark, TT the Artist, Rip Knoxx e eu.

Também temos uma cena underground de house music próspera, e uma cena enorme de música noise experimental; o hip hop de Baltimore também está em um ótimo momento agora.

Falando sobre você, o que você gosta de fazer quando não está fazendo música?
Gosto de cozinhar. Leio bastante. Gosto de ler sobre remédios naturais, espiritualidade, sexualidade e psicologia. Curto ir para a rua quando o tempo está bom. Sou um cara bastante sociável. Eu gosto de estar com pessoas e experimentar coisas novas e diferentes. Sou definitivamente um explorador. Não só no sentido de me meter no meio do mato, mas no de me aventurar em um lugar que nunca estive antes. Não vejo a hora de fazer mais turnês esse ano e poder conhecer novos lugares e estar em contato com novas culturas. Brasil sempre esteve no topo da lista de lugares que quero visitar.

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Quem é o herói da sua infância?
Michael Jordan e Michael Jackson.

Qual é o seu maior sonho?
Listei quatro grandes sonhos em ordem decrescente:

1) Fazer com que o público dos meus shows espalhe o amor e influencie outras pessoas a fazerem o mesmo. Ser capaz de reunir pessoas de vários lugares diferentes sob o mesmo groove. Contribuir para o fim do racismo, ódio e discriminação através da música. Ver as pessoas mais saudáveis, bem alimentadas e sustentáveis. Estamos poluindo demais nossos corpos e nosso planeta.

2) Uma turnê mundial altamente divulgada. Quero levar essa música incrível que fazemos em Baltimore para o mundo todo. Não apenas a minha, quero levar também a de artistas talentosos que merecem a oportunidade de serem vistos e ouvidos em todos os cantos do mundo.

3) Uma casa na água com bastante terra onde eu possa cultivar, ter uma fazenda de ostras e um barco.

4) Fazer uma música de baltimore club dançante em parceria com o Lil' Jon. Nós sampleamos muito ele aqui em Baltimore, mas quero trabalhar com ele em algo original.

E qual sua comida favorita?
Ostras. Amo experimentar várias ostras de diferentes águas e regiões. Tenho uma lista no meu celular onde dou notas para elas. Também é possível fazer vários molhos diferentes para saboreá-las. E as possibilidades aumentam se você considerar que pode comê-las cruas, grelhadas, cozidas ou até mesmo fritas.

Se você pudesse ser uma celebridade ou uma figura histórica, quem você gostaria de ser e por quê?
Eu gostaria de ser o Bob Marley. Ele era simplesmente essa enorme figura icônica e inspiradora que ainda é tão celebrada hoje em dia; era um profeta. A mensagem dele era tão incrivelmente positiva. Não temos muito isso na música lançada hoje em dia. Ser capaz de ter seguidores como ele e passar uma mensagem que deixa as pessoas para cima ao mesmo tempo em que as diverte é o que é, em primeiro lugar, ser músico para mim.

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Pode me dizer cinco fatos curiosos sobre você?
- Eu não corto o cabelo desde o meu primeiro show como DJ, mas não acho que quero ter dreads, então só tenho esse monte de cabelo na minha cabeça. Preciso arrumar alguém para dar um jeito nisso.

- Venho trabalhando em uma ópera rock/soul há muito tempo que pretendo finalizar um dia. Toco todos os instrumentos presentes nela sozinho. É completamente diferente de qualquer coisa que as pessoas já me viram lançar.

- Não curto cachorros. Acho que eles têm que ficar na rua e não em casa.

- Minha dieta é algo entre vegana, vegetariana e pescetariana durante a maior parte do tempo, mas quatro vezes ao ano eu tenho o que chamo de "semana da carne", onde me permito comer toda carne bovina e frango que quiser. Porco eu nunca como.

- Sou o pai fundador de uma fraternidade de faculdade já extinta. Apenas alguns de nós éramos organizados e se importavam com a longevidade da organização. O resto só estava lá pelas festas.

Tradução da entrevista: Stefania Cannone

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