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Música

O Papel do DJ nos Festivais de Música Eletrônica

Bons seletores? Produtores de um hit? Concertização da dance music? Levantamos essas e outras questões diretamente com os personagens principais dessa história.
Harrison Boyce/Facebook

Não é segredo que os festivais têm um papel crucial na atual cultura da dance music. Esses eventos gigantescos não servem apenas como um portal de entrada para novos fãs do gênero; são também uma plataforma poderosa para a divulgação de novas ideias e sons, além de uma mostra do caminho que a cultura dance está tomando. Além disso, são uma forma segura de produzir receita tanto para a galera independente quanto para as grandes corporações.

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Ainda assim, à medida que os festivais vão crescendo em dimensão e importância, sua atração principal - os DJs famosos - estão se deparando com uma crise existencial. Mais especificamente sobre o que caralhos eles deveriam fazer quando estão no palco. Em entrevistas recentes para o New York Times, MTV e outros canais, diversos DJs conceituados parecem ter opiniões divergentes, ou pelo menos visões extremamente diferentes, sobre qual deveria ser o seu papel em um festival de dance.

Bastidores do Axwell and Ingrosso no Ultra Miami 2015 (Foto via Harrison Boyce/Facebook)

Em uma reportagem do New York Times, os ex-integrantes do grupo Swedish House, Mafia Axwell e Sebastian Ingrosso, revelaram um tesouro de fatos curiosos sobre sua carreira pós SHM como a dupla Axwell /\ Ingrosso. (Meu favorito: que o Axwell curte murmurar "vira vira viraaa" para ele mesmo antes de subir no palco). Enquanto a mídia da cena dance se aperfeiçoava no comentário do Axwell que "dance music underground [é] amadora", o real foco da entrevista foi o show ao vivo da dupla sueca.

"A coisa mais importante não é o que tocamos, e sim nossa personalidade e a forma como interagimos com a plateia", disse Ingrosso. De uma só vez, ele resumiu a mentalidade de DJs como o Avicii e o Steve Aoki, que foram criticados por tocarem de forma previsível ou usarem sets possivelmente pré-gravados, a fim de coordená-los com a implantação de pirotecnia (ou bolos).

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O melhor fotógrafo do EDM

Como Axwell /\ Ingrosso explicam, seus cobiçados 90 minutos num palco principal rodeados por um borrão de fogos de artifício, lasers e luzes de LED são como uma "volta olímpica" depois de anos de muito trabalho barulhento no estúdio. Sendo assim, e se a continuação do esforço dos caras for entregar nas mãos de Deus e girar alguns botões? "Eles não sabem o que fazemos antes dos shows", Axwell disse; "Um cara com uma guitarra provavelmente sabe tocar guitarra, mas será que ele sabe como produzir uma música inteira?"

Este é, talvez, o anúncio oficial da reformulação do papel do DJ de "habilidoso seletor de faixas" para "queridinho que só toca grandes hits", minimizando a importância da improvisação e o fator surpresa nos sets, favorecendo a familiaridade da plateia com as músicas e do espetáculo.

John Digweed (Foto via Mick Collins/Facebook)

É fácil imaginar DJs sazonais como o Paul Van Dyk e o John Digweed ficando putos com estes comentários. Semana passada, os dois se manifestaram contra a corrente atual de DJs conceituados que tocam os mesmos hits cansativos sem parar nos festivais.

"Se você é o melhor do DJ do mundo, está numa posição onde pode tocar coisas que o público não conhece e surpreendê-los", Digweed disse à MTV. "Mas se escolhe tocar músicas que o público conhece só para obter uma reação, então você é só preguiçoso".

Ele confessou orgulhosamente que seu set no Ultra, onde tocou no palco do Carl Cox, foi baseado em faixas baixadas naquela mesma tarde. Tocar uma música que ninguém conhece e ver a plateia indo a loucura é "mais gratificante", ele acrescentou.

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Seguindo mais ou menos essa linha, Van Dyk disse à MTV: "Acho que é nossa responsabilidade enquanto DJ fuçar as milhares de faixas que são lançadas toda semana e escolher as que de fato transmitem algo."

O DJ que é uma inspiração para todos nós

Ambos, Digweed e Van Dyk, são meia geração mais velhos que o Axwell e o Ingrosso, tendo começado a bombar na década de 90 e atingido o ápice mainstream de suas carreiras durante a primeira corrente eletrônica do início dos anos 2000, uma década antes da febre do EDM ter invadido a América e respingado nos outros continentes. Nos últimos cinco anos, Van Dyk esteve fora do circuito de festivais durante boa parte do tempo, enquanto o Digweed esteve presente de forma limitada e apenas em palcos secundários. Em outras palavras: os dois efetivamente ficaram de fora das regalias do festival de eletrônica que está sendo comandado pelo Axwell /\ Ingrosso.

Os comentários do Digweed e do Van Dyk são, portanto, emblemáticos de uma escola de discotecagem das antigas - uma que tem a dinâmica da pista de dança como prioridade máxima. A explosão da dance music no mainstream mudou a natureza de suas performances. Os festivais de hoje em dia incorporam despreocupadamente características de shows de pop e rock. Enquanto o Digweed e o Van Dyk tocavam sets que se estendiam por horas, os sets do Axwell /\ Ingrosso geralmente duram uma hora e meia. O acadêmico da dance music e crítico cultural Luis-Manuel Garcia chamou esse processo de "concertização" da música eletrônica.

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Paul Van Dyk no Ultra Miami de 2013 (Foto via Facebook)

"A nova geração de músicos do EDM, em sua maioria, abandonou as práticas performáticas da cabine do DJ para adotar uma digna de shows de pop e rock: sets curtos e intensamente musicais no mesmo ritmo de um show de rock, uma 'persona' com um palco gigantesco e um investimento aparentemente interminável em efeitos visuais para acompanhar o excesso sensorial de um som 'que derrete o cérebro'", Garcia escreveu em uma reportagem para a Resident Advisor. Ele poderia facilmente estar se referindo ao palco principal do Axwell /\ Ingrosso no Ultra.

Seth Troxler - que abrange os dois mundos ao defender a dance music underground ao mesmo tempo que faz parte do lineup do Ultra – se posiciona violentamente contra a corrente atual de DJs famosos e suas artimanhas como rock stars. "Vi o Steve Aoki tocar nestes festivais; ele não parava de desligar a música e correr pelo palco, dizendo 'Este é meu novo single! Será lançado semana que vem!' e tocar a próxima música", diz o DJ de Detroit. "Você não é um DJ de verdade. Você é um filho da puta sem talento que ganha bem pra caralho e fica jogando bolo na plateia", reitera Troxler. (Aoki recentemente deixou esta prática de lado).

Seth Troxler ataca novamente

"Tem música, mas não se trata apenas disso", Troxler conclui. "Se trata de experimentação e o contexto no qual você sente a música."

Ele está certo. Independentemente do palco, grande parte do espírito da dance music está na experimentação e na espontaneidade. Recentemente, o Skrillex e Four Tet tocaram um set juntos em um pub londrino xexelento, no qual encantaram a plateia e o coro de DJs que estava presente (Ben UFO, Pearson Sound, Floating Points, Caribou e Pangaea) ao misturarem hits do EDM com clássicos do grime. De certa forma, a arte da experimentação foi usada para fechar a lacuna entre o underground e o mainstream.

Numa época em que o "underground" é facilmente encontrado online e os festivais mainstream possuem um palco nomeado ou programado com elementos do underground, talvez essas barreiras não existam da forma que imaginamos. Afinal, o Skrillex e o Four Tet usaram a mesma música para encerrar o seu show que o Times bem observou que o Axwell /\ Ingrosso também tocou o mesmo som no seu set - um clássico soft rock de 1982 do Toto, "Africa".

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Tradução: Stefania Cannone