Totoro Typhoon: Ficando por Dentro das Festas Secretas de Hong Kong — Parte 1
Photo via Facebook.

FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Totoro Typhoon: Ficando por Dentro das Festas Secretas de Hong Kong — Parte 1

Numa das cidades mais densamente povadas do mundo, festas na rua e abertas ao público rolam na mais declarada clandestinidade.

Nas três primeiras semanas que comecei a estudar em Hong Kong, passei mais tempo na balada do que na sala de aula. A cerveja era barata, a escola era fácil e fazer amizade com doidões mais ainda. Infelizmente e inevitavelmente, a emoção da vida noturna se transformou numa rotina entediante acompanhada de uma puta ressaca durante as aulas de marketing além de contas surpresa da rede de clubes de strip Wan Chai. Os clubes luxuosos situados nas pegajosas e sombrias ruas de Lan Kwai Fong se tornam tão sedutores quanto os bares lotados que os rodeiam. Procurando desesperadamente uma fuga dos malandrões cobradores de rolha nos bares e remixes do Akon, comecei a fuçar uns blogs, fóruns e o conteúdo nem minimamente útil do Reddit. Eventualmente, dei de cara com uma publicação que me fez ficar por dentro da cena pop-up party de Hong Kong.

Publicidade

O conceito pop-up — seja ele varejista, de pequenos restaurantes, cinemas, ou até mesmo museus — não é algo novo. Nos últimos anos, a estratégia pop-up começou a mostrar a que veio por meio de eventos de música eletrônica underground em Hong Kong. É claro que grandes cidades ocidentais como Nova York, Chicago e Detroit tiveram uma grande e influente história de raves em depósitos e atividades similares. Poucas semanas depois do meu mergulho em fóruns de festa e movido pelo desejo de ver a cena underground de Hong Kong com meus próprios olhos, fui engolido pelo universo esquisito e louco da Paranoid Park.

Paranoid Park é um evento noturno criado por uma pequena organização de Hong Kong chamada Totoro Typhoon. Uma busca rápida no Google não revela muita coisa. Eles não têm um site ou uma conta no Twitter e sua página do Facebook — com menos de 500 likes — os descreve simplesmente como "distribuidores criativos". Cada um de seus eventos pop-up são realizados num lugar secreto que só é revelado no próprio dia do evento, às vezes apenas algumas horas antes de ele começar. A galera do Totoro Typhoon começou a fazer esses eventos públicos no verão passado e foram atraindo cada vez mais pessoas. O último pop-up que rolou foi tão grande que a polícia de Hong Kong interviu e acabou com o rolê.

Foi assim que a noite se desenrolou.

Foto via Facebook.

As instruções de chegada ao local secreto foram reveladas na página do Facebook do evento na mesma tarde. Elas incluíam um link quebrado para o Google Maps e algumas fotos como essa acima. Em outras palavras, eu não tinha a mais puta ideia de para onde eu deveria ir. Depois de pegar o metrô até a estação Northern Kowloon e lidar com dois taxistas putos da vida, o grupo com quem eu estava encontrou alguns expatriados que estavam tentando chegar no mesmo rolê. Depois de alguns minutos dedicados à resolução de problemas, finalmente chegamos ao início da trilha que nos levaria até o destino final. Completamente desprovida de iluminação, apenas um corrimão enferrujado e uns bastões fluorescentes espalhados nos orientaram enquanto começávamos a subir centenas de escadas de cimento.

Publicidade

Foto do autor.

Enquanto escalávamos essa bendita montanha sufocada pela fauna, chegamos a um segundo portão que havia sido aberto. Um cadeado destrancado estava jogado em cima das grades. Comecei a me questionar o quão ilegal essa operação toda era e se a minha vida (e o meu visto, diga-se de passagem) estava em risco. Uma baforada de maconha adentrou minhas narinas enquanto prosseguíamos na nossa escalada e a promissora vibração do bass à distância se fez cada vez mais presente naquele ar úmido. Nossas cervejas Tsingtao estavam quentes pra cacete quando finalmente chegamos ao topo.

Fotos do author.

De repente, nos vimos num planalto que claramente era um parque público durante o dia, mas a paisagem tinha sido completamente transformada. Projetores e luzes negras sobrepostos nas árvores e a galera vestida com estampas brilhantes criavam uma atmosfera pesada. A maioria das pessoas se amontoava em torno de uma cabine de DJ super frágil e um equipamento de som sustentado por um gerador. Outras pessoas preferiram se espalhar pelo ambiente, se sentando no chão em meio a lanternas de papel brilhantes enquanto rachavam garrafas de saquê vagabundo. Os representantes com a cara pintada da Dynasti, uma marca de roupas local, apenas exacerbavam a atmosfera excêntrica vestidos com trajes ultra-contemporâneos que pareciam indumentárias de rituais bizarros.

Fotos do author.

Miss Yellow, uma DJ baseada em Hong Kong, era o centro das atenções durante toda a noite, nos presenteando com linhas de baixo instáveis e uma tech house enérgica. Ela facilmente levou todos a um estado de sonho confuso repleto de percussão. Logo depois da meia noite, não muito tempo depois da música ter estabelecido um rugido constante, ela foi subitamente cortada. Um dos organizadores chamou a atenção de todos e gritou que havia tido queixas de barulho e por isso eles fechariam em meia hora.

Publicidade

Fotos do autor.

A música foi retomada, mas cortada novamente 15 minutos depois, quando a polícia apareceu. A essa altura, havia centenas de pessoas no lugar. Os policiais começaram a fazer a varredura e às 1:30 da manhã já não havia quase ninguém na festa. Todo mundo ficou bem puto. "O som era uma bosta e o lugar foi fechado assim que eu cheguei. O conceito da festa parecia massa, mas acabou sendo decepcionante", lamenta um dos participantes.

Foto do autor.

No dia seguinte, aquilo tinha virado manchete. A mídia de Hong Kong rapidamente começou a repudiar o evento, alegando que a festa era rebelde e imprudente. Duzentas pessoas compareceram e fizeram um estardalhaço maior do que o esperado pelos vizinhos. Ninguém foi preso, mas as informações pessoais dos organizadores foram tiradas do ar.

É lamentável, porém não exatamente surpreendente. O Totoro Typhoon ainda é relativamente novo na cena pop-up de festas, e essa foi sua primeira tentativa em fazer uma festa que durasse a noite toda.

Foto via Facebook.

"Foi a primeira vez que toquei numa festa pop-up", diz Miss Yellow alguns dias após o evento. "Gosto muito do conceito — desde o local até o público. É algo novo e diferente. Quero tocar novamente no futuro, se tiver oportunidade, porque lá posso tocar as paradas de que realmente gosto".

Numa cidade cuja população é de mais de sete milhões de pessoas, encontrar um lugar isolado não é algo fácil. "É desafiador para os organizadores", ela prossegue. "Eles precisam achar um lugar em que os vizinhos não irão reclamar". Ela suspeita que foram as pessoas que moram nos andares mais altos dos prédios em volta que ligaram para a polícia durante a Paranoid Park. "Os organizadores não esperavam por isso, até porque o parque é bem longe dos prédios… As pessoas precisam subir uma montanha para chegar até lá. Depois, eles também descobriram que na verdade o parque pertence ao governo e nós não podíamos entrar lá. Bem-vindo a Hong Kong".

Publicidade

Ainda assim, Miss Yellow está otimista quanto as próximas pop-ups. "[Elas] estão tendo um impacto positivo na cena", diz. "Algumas festas pop-up estão crescendo cada vez mais todo ano. Várias apresentações underground de diversos gêneros… Todos eles vêm para Hong Kong. Até festas em depósito estão rolando cada vez mais, e eu acho que é um sinal".

Foto via Totoro Typhoon.

O Totoro Typhoon é liderado por dois parceiros, os quais desejam permanecer anônimos neste artigo. O criador do grupo, na verdade, é um parisiense que trabalha como diretor em uma produtora de vídeo em Hong Kong. Nessas circunstâncias, o chamaremos de Francis*.

As pop-ups são apenas um projeto paralelo divertido para o Francis e ele alega que em sua grande maioria não são lucrativas. "O som se espalhou muito rapidamente", fala ele sobre a intervenção policial naquela noite. "Achei que [a festa] fosse ser de boa, mas não foi nem um pouco", ri. "Quando se trata de um evento gratuito, é difícil controlar a quantidade de pessoas. Nós criamos outro grupo também. Dessa vez é privado. Escolhemos os convidados. Então é uma festa mais techno, mas com apenas umas 100 pessoas na área coberta".

O Francis começou a desenvolver seu gosto por música eletrônica em festas que rolavam em fábricas gigantescas em Paris. Depois ele se mudou para Sidney, na Austrália, e dividiu apartamento com dois colegas que estavam explorando o universo da discotecagem. Com a ajuda dos colegas, Francis diz ter frequentado umas das melhores festas de sua vida. "Eles reabriram os meus ouvidos", diz. "Cheguei em Hong Kong há pouco mais de um ano. Estava fazendo várias dessas festas em fábricas em Paris e nos arredores, e depois vim para cá. Depois de alguns meses, desisti e disse 'ok, não há festas boas por aqui, então vou fazer a minha própria'.

Publicidade

Segundo o Francis, as festas pop-up eram algo realmente importante em Hong Kong há mais ou menos 20 anos. As autoridades vem reprimindo desde então, quase acabando com o mercado como um todo. Por anos, era certo que os policiais apareceriam em uma tentativa de manter as coisas limpas e controladas. Agora, Hong Kong está vivendo um revival das pop-ups.

Desde o ano passado, tem sido muito fácil comprar drogas em Lan Kwai Fong, o que gera uma reputação atípica para a região. Além disso, drogas são o demônio em Hong Kong e, recentemente, o problema foi erradicado totalmente. Francis acha que o controle das drogas teve um efeito na dimensão da cena de eletrônica na cidade. "Eu não acho que a música eletrônica é capaz de sobreviver sem ao menos um pouquinho de drogas, o que é triste", diz ele ao THUMP. "Hong Kong não é muito dinâmica em termos de produção. Estamos abrindo seus ouvidos, mas isso está levando tempo".

A Paranoid Park me fascinou, mas eu sabia que tinha explorado apenas a superfície. Não levou muito tempo até eu ir atrás de outra organização que é uma espécie de lenda em Hong Kong. É amplamente conhecida como a crème de la crème das pop-ups em Hong Kong — não à toa. Deixou todas as outras no chinelo.

Em breve tem mais…

Parker Buckley está no SoundCloud.

Tradução: Stefania Cannone