De Rolê Pelo Mundo

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De Rolê Pelo Mundo

Jornalista e apresentador do programa de TV Não Conta Lá em Casa, André Fran lança um livro contando suas viagens por países perigosos

Fotos de acervo pessoal

Jornalista por formação, André Fran acabou se juntando a seus amigos de infância para conhecer lugares do mundo onde muito turista jamais sonhou botar o pé. Eles bateram na porta de várias emissoras de TV para ver se alguém comprava a ideia, até que o Multishow disse sim e o projeto virou o Não Conta Lá em Casaprograma que vai para sua sexta temporada. Nesse meio tempo, o André escreveu um livro homônimo com relatos de alguns países por onde o grupo passou, como Mianmar, Irã, Iraque, Etiópia, Afeganistão e Coreia do Norte. Inclusive, já publicamos uma espécie de prévia por aqui. A seguir, você confere o papo que batemos por telefone. E, no fim da entrevista, maneiros que somos, sortearemos três exemplares do livro pra vocês, leitores sedentos por histórias deste mundão.

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VICE: Como os destinos foram escolhidos?
André Fran: A gente queria começar de maneira impactante. Na época, o George W. Bush tinha denominado alguns países como o “Eixo do Mal”. Assim, foi ele quem pautou os destinos de nossa primeira temporada: Mianmar, Coreia do Norte, Irã, Iraque. Não conseguimos ir para o Afeganistão na primeira temporada, mas fomos na segunda. No entanto, no geral, as escolhas eram muito nossas. Sempre tivemos interesse por geopolítica, sempre participamos efetivamente de movimentos. Sempre debatemos sobre as principais coisas que rolam no mundo.

O que o livro conta que o programa não contou?
O livro é um projeto pessoal meu, com minhas visões particulares. Não coloquei todos os destinos do programa e tentei não fazer algo cronológico. Aproveitei para colocar algumas histórias de bastidores, dicas de viagem, enfim, tentei dar uma pluralidade maior. E, pelo que tenho visto pela resposta das pessoas, consegui passar bastante coisa sobre cultura, história e política de uma forma bem leve.

O livro começa em Mianmar, uma das ditaduras mais opressoras do mundo. Como foi a passagem de vocês por lá?
Cada lugar tem sua particularidade. A de Mianmar, nossa primeira viagem, é o medo das pessoas em falar. Isso, para você registrar num programa de TV, é muito complicado. Elas tinham muito medo de falar contra os ditadores, o Thein Sein, contra a junta militar que governa o país. Quando a gente conseguia registrar alguma coisa, temíamos expor essa pessoa a algum risco. Parece que agora as coisas por lá estão se abrindo um pouco mais, mas, na época em que fomos ao país, foi bem complicado.

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Em uma das igrejas monolíticas de Lalibela, na Etiópia.

Na Coreia do Norte, vocês têm como guia uma moça chamada Song Yam. Você descreve a ida a um parque temático e diz o quão encantada ela fica ao ver artistas fazendo acrobacias e como aquilo parece ingênuo se formos comparar com uma garota ocidental. A Coreia do Norte é um país mágico pra quem está lá e não faz ideia de como é o mundo do lado de fora?
Acho que a grande característica da Coreia do Norte é como eles conseguem ser fechados ao mundo exterior. As pessoas não têm informação nenhuma para relativizar o que é o país deles, ou como é o sistema de vida deles visto de fora. Eles acreditam que os líderes são grandes deuses, onipotentes e benevolentes com o povo, que defendem a nação contra o inimigo exterior. Eles realmente acreditam naquilo. É um cerceamento à liberdade absurdo e até cruel. Por outro lado, tem essa coisa da inocência, da proteção, uma coisa meio paternalista de não expor o povo às mazelas do mundo contemporâneo. Nossa guia era jovem, inteligente, culta, mas tinha uma inocência quase infantil, de alguém que não tem noção dos perigos do mundo. É claro que isso não quer dizer que eu defenda o sistema norte-coreano, mas é só pra ver outro lado das questões, algo que tentamos fazer bastante durante nossas viagens.

No capítulo “Gatas Persas”, no Irã, você conta como ficaram amigos de três iranianas num país onde a mulher é totalmente oprimida. Como foi esse rolê?
Foi uma puta sorte. Estávamos saindo de um museu e vimos as meninas, que eram realmente gatinhas. Ficamos naquela, com medo de interagir, mas a iniciativa partiu delas mesmo: “Ah, vamos tirar uma foto de todo mundo. De onde vocês são?”. E aí a gente começou uma amizade, saímos com elas durante vários dias, jantamos, fizemos piquenique. Tinha muito desse lado de opressão, das pessoas olharem feio por andarmos com elas. Lá, você só anda junto quando é membro da família ou casado. E ficava claro que não éramos nem um, nem outro. Mas, conversando com elas, vimos o fato de a mulher se cobrir sob outro ponto de vista.  Não dá para taxar tudo de país muçulmano. Tem país muçulmano, como a Turquia, onde você pode andar de minissaia na rua tranquilamente. E tem país muçulmano, como a Arábia Saudita, onde você tem que andar com burca completa. No Irã, tem essa coisa de cobrir também, mas não tudo. Elas usam lenço no cabelo, batom, óculos da moda. E elas mesmas falavam pra gente, “Eu luto para ter a liberdade de escolha, se quero ou não usar o véu. Se me fosse dada essa liberdade, acho que eu continuaria usando porque é uma coisa que valoriza, que protege a mulher”.

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Você visitou campos de refugiados. Como essas pessoas vivem? O que você viu?
Os campos que conheci em Mianmar e na Etiópia eram bem parecidos. São favelas mesmo. Barracos improvisados, uma coisa bem rudimentar. Não tem asfalto, saneamento, com a diferença de que sempre são fechados. As pessoas não podem sair daquela região. O que mais me chocou foi ver como as pessoas ali dentro pareciam felizes, satisfeitas. Algumas, claro, querendo ter uma vida melhor. Como elas valorizavam, mesmo naquela situação de vida, o fato de poderem estar em liberdade. Na Etiópia, um cara falava que a liberdade dele, de morar ali, de viver ali, não tinha preço. E ele vivia com a mulher e os três filhos num barraco, numa tenda improvisada no chão de terra. É pra gente pensar no valor da liberdade.

Dentro de um dos mais importantes palácios de Saddam Hussein, saqueado após a invasão dos EUA.

De 0 a 10, quão maluco é querer fazer turismo no Iraque?
É 10. É completamente insano. Na época em que fomos, mais ainda. Mas a gente tenta minimizar os riscos das nossas viagens. Pesquisamos, buscamos contatos. A ideia não é ir pra lugares perigosos, é mostrar a realidade de lugares que as pessoas desconhecem. No Iraque, acreditamos numa versão oficial do governo norte-americano, que dizia que depois da invasão, o Iraque voltava a ser um país estável. Quando chegamos lá, vimos que não era nada disso. Faltava luz, faltava alimento, não tinha onde ficar em segurança. Tentamos sair o quanto antes, e precisamos esperar quatro dias por um voo. Risco total. Passamos por lugares que tinha rolado atentado um dia antes. No hotel em que ficamos, uma semana depois teve um atentado em que morreram 60 pessoas. Consideramos um grande erro ter ido pro Iraque naquele momento.

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Você, inclusive, escreveu sobre a estadia no Iraque pra VICE.
Isso. Escrevi especificamente sobre o dia em que fomos ao palácio do Saddam Hussein.

O que aconteceu de mais maluco durante essas viagens?
Acho que o Japão foi uma lição de vida. Fomos bem depois do terremoto e do tsunami em Fukushima e, pela primeira vez, pudemos atuar diretamente na situação. Participamos de uma missão de ajuda humanitária até as zonas mais afetadas pelo tsunami. Vimos toda aquela situação, aquele caos, aquele momento de emergência total. E, ao mesmo tempo, vimos como aquela cultura que já tinha nos impressionado pelo respeito, pela disciplina, nos impressionava pela noção dos valores pessoais e de sociedade – tão importantes numa hora como essa.

Vamos sortear três exemplares do livro Não Conta Lá em Casa - Uma Viagem Pelos Destinos Mais Polêmicos do Mundo, do André Fran. Para participar, basta seguir a VICE (@VICEBRASIL) no Twitter e dar RT nessa mensagem.

Não Conta Lá em Casa - Uma Viagem Pelos Destinos Mais Polêmicos do Mundo (Editora Record)
Lançamento:  25/07
Horário: 18h30
Local: Livraria da Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista 2073 - Bela Vista. São Paulo/SP)

Siga a Débora Lopes (@deboralopes) e o André Fran (@franontheroad) no Twitter.

Palácio afegão devastado por bombas, tiros e ainda com algumas minas não-detonadas.

Em um tanque abandonado em meio a um campo de flores no Afeganistão.

Tuvalu, o paraíso em extinção pelo aquecimento global.

Pausa para a cerveja da equipe em uma praia de Tuvalu.

Barco abandonado pela tsunami no teto de uma casa, em Aceh, Indonésia.

Navio parado a 20 quilômetros da costa após o tsunami na Indonesia de 2004.

Outro ângulo do barco abandonado pela tsunami no teto da casa.

Em 2011 fomos as áreas mais devastadas pelo tsunami no Japão como parte de uma expedição de ajuda humanitária.

Passamos pela radioativa Fukushima até chegar aos pontos mais destruídos pelo tsunami e terremoto no Japão.