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Música

A Grimes É a Joni Mitchell da nossa Geração

As canadenses têm mais em comum do que você pode imaginar.

Joni Mitchell era a última pessoa em quem esperava pensar enquanto ouvia o novo disco de Grimes, Art Angels, que vazou logo antes da data de lançamento programado para o dia 6 de novembro. Mas estamos em 2015, e eu deveria esperar o inesperado. "California", a segunda faixa do novo disco, tem o mesmo nome que uma das canções mais famosas de Mitchell, mas, estranhamente, ao meu ouvido, as canções possuem o mesmo espírito. But my heart cried out for you, California/ California I'm coming home (Mas meu coração gritou por você, Califórnia / Califórnia estou indo para casa), cantou Mitchell em 1971, presumivelmente sobre um tempo curto mas insuportável que passou longe da costa oeste; California/ you only like me when you think I'm looking sad (Califórnia / você só gosta de mim quando você acha que estou triste), canta Boucher em 2015, possivelmente para outra pessoa, possivelmente para o lugar.

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Mitchell é folk clássico, Grimes faz pop pós-moderno. Ainda assim as as duas "California" passam uma espécie de melancolia insinuante. É parte alegria, parte solidão, parte algo mais difícil de descrever — um sentimento que eu costumo encontrar em boa arte sobre a costa da Califórnia, de Stevie Nicks a Joan Didion. A visão de Mitchell em "California" é uma de libertação, o fim geográfico do "ir para o oeste" mentalmente que a permitiu conhecer seu tipo de gente e fazer as melhores músicas de sua carreira, uma fase que veio junto com as complicadas emoções de se morar tão longe do seu lugar de origem. Seu disco de 1971, Blue, no qual está a canção "California", é a trilha sonora de ser jovem, criativo e sozinho, e todas as coisas maravilhosas e assustadoras que vem com isso. As letras de Grimes apontam para algumas experiências difíceis que ela tem tido — I didn't think you'd end up treating me so bad (eu não achei que você ia acabar me tratando tão mal) — mas cantado em cima de um determinado bater de palmas, acordes maiores, e uma guitarra country, ela ainda parece estar empolgada de estar lá.

Como Mitchell, que era de Alberta, Boucher — uma nativa de Vancouver — se mudou para a Califórnia para um novo começo. Boucher saiu de uma adolescência na cena punk de Montreal; Visions, o disco que a colocou no mapa em 2012, foi impressionante na época de seu lançamento por ser tanto um disco DIY (ela gravou tudo em casa, no GarageBand) quanto por ser um som pop. Mas quando o álbum inesperadamente estourou e a transformou em uma estrela, as coisas começaram a ficar bem mais complicadas. Em uma entrevista para The FADER, esse ano, Boucher diz que sofreu com a agenda insana e as pressões de ser uma celebridade, especialmente online, ambiente no qual ela costumeiramente virou alvo para as ansiedades públicas sobre feminismo, arte e comércio. "Teve uma hora que eu lembro de levantar a mão e pegar o meu cabelo e arrancá-lo", disse ela para a revista sobre o período de dois anos de turnê intensa que veio depois do lançamento de Visions. "Eu estava, além da exaustão, e eu estava realmente instável". Boucher se auto isolou em uma região montanhosa da Columbia Britânica chamada Squamish. E foi só quando se mudou para Los Angeles, segundo a entrevista para the FADER, que ela começou a "lentamente se reintegrar à sociedade". Art Angels parece a Grimes saudando um novo mundo com um alegre 'olá'.

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O álbum é complexo mas alegre, e a sua "California" como a de Joni, foi feita para se escutar com as janelas abertas. Se Art Angel é o álbum de Boucher sobre se mudar para a Califórnia, sua grandeza reside no fato de ele ser sobre tantas outras coisas também, incluindo a sua música mais pop e variada, pegando referências tanto da música industrial e chintzy muzak quanto de músicas tema da Disney e o próprio country. Ele corta como um carro nas estradas de Los Angeles, passando por tantos bairros musicais e encontrando a rota mais fácil através deles. Mas Art Angels também é uma viagem ao redor do mundo, um álbum que passa por sons de Taiwan ao Tenesse tão rápido quanto um sintonizador de rádio — de maneira tão improvável quanto um carro voador.

E enquanto Boucher parece obcecada com o peso da magia e da matemática necessárias para fazer as melhores canções pop, Art Angels soa como alguém compartilhando os ingredientes crus e os dados dessas magias e fórmulas, apontando para as melhores partes de tudo que ela já se importou. Seguindo o sucesso de Visions — um disco apaixonado pelas emoções do pop mas bem mais escuro e distante de entregá-las do que Art Angels —, ela assinou com a companhia de gerenciamento do Jay Z, a Roc Nation. Ela se apresentou em festas da Versace e entrou em turnê com Lana Del Rey. Ela compôs uma canção, "Go", para Rihanna que acabou não sendo usada pela artista, até a própria Grimes resolver lançá-la. Ela é um ícone da música DIY, mas se ela mesma quer ser uma estrela pop, isto ainda é incerto. "Eu não queria ser uma estrela pop, eu queria ser como Phil Spector," disse ela na entrevista supracitada. "Eu queria ser a pessoa por trás da cena que ninguém precisava ver, que podia ser louca e ser um gênio e ter uma intérprete cumprindo seus desejos criativos. Mas isso não foi possível, então eu tive que fazer eu mesma".

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Art Angels fica levemente confortável em sua poltrona pop, mas Boucher é cuidadosa em se manter um pouco isolada das convenções e obviedades. Tem seu reverb de assinatura na voz, que mantém o público levemente distante de suas palavras, e está a quilômetros de distância da clareza da voz no pop mainstream.

Pense como uma grande caldeirada de pop — um pouco de Taylor Swift aqui, um pouco de trilha sonora de Kill Bill lá, um pouco de Kyary Pamyu Pamyu pra fechar. O primeiro single, "Flesh without blood", soa algo como a banda de pop punk Paramour e Swift tocando um em cima do outro. Assim que "California" termina, estamos nos oceanos com "Scream", que apresenta a rapper de Taiwan Aristophanes rimando em mandarim e soando como música industrial junto com filmes de faroeste. O que mais nós ouvimos em Art Angels? O romance da trilha sonora de Romeo e Julieta, o eterno Ray of Light de Madonna, Trent Reznor, Evanescence, Dolly Parton. Grimes abusa de seus gostos, e seu Tumblr é um livro aberto de inspirações (os clips de Kali Ichi! Joanna Newsom! Gatos!) e seu próprio live tweet ao escutar o novo disco de Lana Del Rey foi melhor que praticamente todas as resenhas. Art Angels, mais do que qualquer outra coisa que ela lançou até agora, parece se deliciar nessa constelação de referências incongruentes.

O que ainda não foi dito — e o que talvez não precise ser dito em 2015 — é que, como Mitchell, a Boucher fez tudo isso sozinha. Ela aprendeu como funciona um monte de instrumentos análogicos, os contruiu por conta própria, e afiou sua técnica de produção para fazer alguns dos sons mais reconhecíveis no disco. Ela é uma empresa de uma mulher só — tão hábil por trás das cenas quanto em produzir visuais estilosos para seus vídeos e apresentações. Por incrível que pareça, nosso ouvido pop foi formado por menos pessoas que imaginamos, um cara, Max Martin, trabalhando com os Backstreet Boys e Britney Spears, estabeleceu tanto do que ainda ouvimos no rádio 20 anos depois, é um pouco cômico.

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Apensar das distorções que Grimes nos apresenta do que reconhecemos como "pop" não ser tão perfeita ou palatável —"Realiti", um single que ela lançou cerca de um ano antes de Visions, é tão perto de soar um hit de rádio e também tão distante — ainda é completamente dela, não é orquestrado por produtores que sabem por experiência o que vende melhor para os formatos de rádio corporativa. "Eu não consigo usar um engenheiro de fora", ela disse para a revista New Yorker recentemente. "Porque se eu uso um engenheiro, então as pessoas vão ficar tipo 'Ah! Aquele cara fez tudo' é na maioria uma perspectiva masculina — você sempre ouve vozes masculinas passando por interpretes mulheres". Esse é um problema tão velho quanto a música pop: Mitchell, que também produzia toda a sua música, também experimentou sua dose de chauvinismo. "Todas as minhas batalhas são contra egos masculinos", disse a lenda à New York alguns meses atrás. "Eu estou apenas procurando igualdade, não dominação. Mas eu quero conseguir controlar a minha visão".

Talvez, então, o que Boucher divide com Joni Mithcel seja mais do que o som, mas a independência. Como uma artista do Roc Nation em ascenção, ela poderia provavelmente trabalhar com Max Martin se ela quisesse. Mas por que ela o faria? Sua música, como a de Mitchell, soa com a alegria de fazer sua própria coisa. Talvez esse seja o Blue de Boucher, o álbum de Mitchell que simples e generosamente destilou o que tem de tão magistral nela enquanto pensadora e artista. This music makes me cry / It sounds just like my soul (essa música me faz chorar / ela soa como a minha alma), Grimes canta na nova "California". Will you take me as I am? (você me aceita como eu sou?) Mitchell pergunta na antiga. A pergunta para a mais velha, no que concerne os fãs de Mitchell, sempre foi sim, o que deveria ser um conforto para Grimes. A pergunta que não conseguimos responder é, como vai soar o Court and Spark de Boucher, mas a boa nova é que vai soar absolutamente como Grimes.

Tradução: Pedro Moreira

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