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Tecnologia

Eu me Infiltrei Numa Gangue de Hackers de Bicicletas Mutantes

Abro a boca para dizer meu nome e os dois rapidamente me cortam. “Não!”, exclamam. “Não revele seu nome verdadeiro.”
Todas as fotos foram tiradas por Tyler Wells Lynch

São duas da manhã de um domingo, em Boston, e estou assistindo a uma gangue de hackers de bicicletas escalar uma serra de fita de 7 metros e meio, uma ferramenta que costumava ser usada para cortar madeira para embarcações a vela. Estamos numa parte deserta do estaleiro naval de Charlestown, onde a ponte Toblin paira enorme sobre nós.

Passei as últimas quatro horas andando de bike com uma gangue chamada SCUL. Toda noite de sábado entre abril e o Dia das Bruxas, esse bando colorido de criadores, artistas e loucos por bicicleta em geral embarca numa jornada noturna pela cidade, entre as diversas praças e vielas da Grande Boston.

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Parte expedição urbana, parte circo itinerante, a SCUL é como Merry Pranksters ficaria sobre uma bicicleta – exceto pela psicodelia e uso de drogas (embora haja um pouco disso, claro). Eles disparam pelas ruas da cidade, embolando o trânsito e cumprimentando os pedestres com high five, semeando pela noite um buquê cósmico de música funk – todos a bordo de criações mecânicas pomposas e cheias de luzes.

Na maioria das vezes, as pessoas adoram o estranho desfile de crianças adultas. Mas hoje à noite, apesar da batida estável de acid rock, do ciclismo e das bebidas pesadas, estou penando para manter o ritmo. E daqui a uma hora, estarei de pé em um estacionamento vazio enquanto uma falange de 20 membros da SCUL me chamará de larva.

SCUL era uma abreviação da lingua inglesa para Legião Urbana de Bikes Subersivas (Subversive Choppers Urban Legion), mas agora não significa nada. A sede fica em uma galeria de 3.700 metros quadrados em Somerville, MA, chamada Asilo do Artesão. Aqui você encontra de tudo, de equipamentos de solda a impressoras 3D, cursos de esmaltação e um veículo robótico de seis pernas e mais de três metros. Para artistas e engenheiros, o lugar é um templo religioso, uma autêntica cornucópia de bens industriais.

Foi lá também que eu topei encontrar o fundador da SCUL e o "comandante da frota", um homem chamado Skunk (Gambá). Após contatá-lo via email, fui instruído a deixar minha "embarcação civil" em casa e aparecer no "forte" às "2030 horas", no mais tardar.

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"Além disso", Skunk escreveu, "você precisa pensar em um codinome. Não usamos nomes civis nas missões." Skunk tem 44 anos.

Quando chego lá, dois jovens de vinte e poucos anos sobem em bicicletas BMX. Logo me dou conta de que são da SCUL, e então começa um dos encontros mais estranhos que já tive: a garota bonita, petiscando um ramo de salsa, me observando com uma curiosidade acuada. O homem que está com ela, um cara barbado em torno da mesma idade, está mexendo numa espécie de barco viking – uma bicicleta com o quadro cortado sobre um eixo dobradiço, que liga o garfo dianteiro aos guidões e se conecta ao banco e a roda de trás.

Abro a boca para dizer meu nome e os dois rapidamente me cortam. "Não!", exclamam. "Não revele seu nome verdadeiro."

Então respondo por Boyle, um sobrenome distante da minha família que sempre me agradou. A garota da salsinha atende por Zenith. O barbudo é o Mongoose.

Entramos no galpão, onde conheço um homem chamado Stogie. Stogie faz as vezes e me apresenta a uma biciletinha enferrujada, apelidada de Guerra. Depois de um tour pelo estúdio de 70 metros quadrados da SCUL, repleto de bicicletas, de vários tipos de montagem, ele me leva ao quadro de trabalho e diz que sou uma larva.

A SCUL existe desde o meio dos anos 90. Grupos do tipo traçam os EUA e estão por aí há quase tanto tempo quanto as próprias bicicletas. Além de modificar bikes, a SCUL é famosa por participar de corridas de demolição, passeios de bicicleta interestaduais, de mais de 150 quilômetros, e até mesmo torneios medievais.

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E isso é só a SCUL. Também há a Rat Patrol, de Chicago, com unidades na cidade de Washington, Nashville e no Reino Unido; a Black Label, de Minneapolis, com unidades em Nova York, Austin e Estocolmo; a Dead Baby, de Seattle; e a C.H.U.N.K. 666, de Portland.

A maioria dos grupos tem algum tema. A SCUL gosta de ficção científica e viagens espaciais. A gangue se descreve como "um bando de pilotos anti-elite testando embarcações experimentais, explorando o sistema estelar da Grande Boston".

A Rat Patrol é uma espécie de facção anticorporações, anarquista, enquanto a Black Label tem uma missão mais direta: "Beber, andar em bicicletas altas e sangrar". Este grupo também leva créditos por ter espalhado a cultura das bikes. Mas para o Skunk, a inspiração veio da C.H.U.N.K. 666, de Portland.

"Foi no começo da era da internet, quando as JPEGs demoravam para carregar", conta Skunk, que também é escultor de metal. "Baixei uma imagem de um cara numa bicicleta de guidões bem altos, com uma capa de super-herói, e à medida que eu rolava a tela, a bicicleta continuava. Imediatamente, quis construir uma para mim."

A SCUL era mais barra pesada naquela época. Os membros se encontravam em porões e armazéns escondidos. Vestiam coletes de couro e ouviam hard rock no talo. As pessoas se sentiam intimidadas, e os pedestres muitas vezes os observavam com medo.

Desde que aprendi a andar de bicicleta, as rajadas de vento em meus ouvidos soam como a propulsão de um foguete

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Agora, a SCUL se descreve como um "batalhão organizado de funk", e essa é a descrição mais precisa que poderiam fazer. Eles ouvem funk e rock clássico no último volume, sessões musicais que só alguém desalmado não curtiria. As pessoas adoram – todos sacam suas câmeras para capturar o circo itinerante.

Não é raro ver outros ciclistas se juntarem à gangue espontaneamente. A SCUL chama essas caronas de "Klingons". No passeio de hoje, um Klingon me contou que nos seguiu depois de escutar o comboio tocar "White Rabbit", do Jefferson Airplane. "Decidi seguir o coelho branco", disse.

De volta ao Asilo, Skunk chegou e está mexendo em sua embarcação, a "Cloudbuster" (nome de uma invenção do psiquiatra Wilhelm Reich, uma suposta máquina que provocava chuvas) – uma bicicleta alta, equipada com espelhos, cordas de iluminação LED, ao menos três sinos, um globo espelhado de discoteca e um sistema de som estéreo 2.1, alimentado por uma bateria de chumbo-ácido.

Um relógio marca a contagem regressiva para o lançamento. Quando o timer chega ao zero, um alarme ecoa pelo galpão e uma voz feminina, robótica, repercute nos alto-falantes: "Missão ativada. Todas as embarcações: dirijam-se para a rampa de lançamento."

Dou uma risada, então olho ao meu redor e noto que ninguém mais está rindo. Estão todos muito ocupados, conduzindo as embarcações à rampa, que fica no último andar de um estacionamento, no fim de uma rua. No percurso, pergunto ao Stogie o que significa o posto de "larva".

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"Na verdade, Boyle, você é uma larva bebê", ele diz. "Larvas bebês são pilotos que nunca estiveram numa missão. Antes de você ser aceito na gangue – e passar pelo trote – você é uma larva bebê. No próximo passeio, você será uma larva."

O Stogie faz parte da SCUL desde o início, somando centenas de missões. Já a Zenith e o Mongoose ainda estão em apenas um digito. Daqui a algumas horas, no entanto, Mongoose será nomeado "cavaleiro", alçando a posição de piloto e adesão oficial.

Antes de partir, Skunk repassa o plano da missão. O tema de hoje é "psicodélico". Escutaremos um mix especial de funk e acid rock enquanto "ficamos altinhos", que é apenas um trocadilho para a escalada de estátuas, árvores e trepa-trepas. Ele cumprimenta todos com um high five e então partimos – um comboio vibrante de mascarados esquisitos, mandando ver no funk rock noite adentro.

É tentador observar a SCUL e descrever o grupo como um círculo babaca de hipsters – com os títulos irônicos e as formalidades de um culto. Mas nada estaria mais longe da verdade. O membro médio é mais um nerd do que um hispter, mais construtor do que destruidor – um estruturalista, não um niilista.

"Não estamos tentando provar algo", diz Skunk. "Queremos apenas coexistir."

De várias maneiras, a SCUL existe como uma alternativa à rotina típica de um sábado à noite. Até a polícia prefere as travessuras de uma gangue de ciclistas à meia-noite à tretas pesadas em bares, razão pela qual a SCUL mantém uma relação tão boa com as autoridades.

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"Se você quiser sair sábado à noite, saia e divirta-se", diz Skunk. "Não gire em torno

de bebidas e drogas. Faça algo divertido e criativo."

Há uma estranha ordem que circunda a SCUL, uma espécie de tratado silencioso. Todo mundo aceita a estrutura que Skunk criou, e as responsabilidades variam organicamente, dependendo dos interesses do grupo.

O navegador, por exemplo, precisa estar na frente sempre, enquanto o artilheiro de cauda cuida da traseira, de olho no tráfego, gritando comandos como "entrante", que significa que um carro se aproxima. Em cada passeio, a SCUL designa um membro para reportar a missão (responsável pela documentação da missão no site da SCUL), um reciclador, um encarregado do kit de primeiros socorros, outro da caixa de ferramentas, e… o Ministro dos Zoobs? Alguns cargos são menos claros que outros, mas, em geral, a estrutura convém ao tema cosmológico do grupo.

"Sempre amei ficção científica", diz Skunk. "Desde que aprendi a andar de bicicleta, as rajadas de vento em meus ouvidos soam como a propulsão de um foguete, como se eu estivesse voando em meio a uma batalha espacial urbana. Buracos no asfalto viram colisões arrasadores, rotatórias viram buracos negros. É mais divertido assim."

Qualquer um que já foi criança pode se identificar com isso. Quando eu era pequeno, costumava imaginar minha cama flutuando em órbita ao redor da Terra. Era tão fácil fechar os olhos e enxergar a escuridão ao me redor como o vácuo estelar do espaço. À medida que fiquei mais velho, e a imaginação se dissipou, minha cama ficou mais estática, confinada. E a escuridão das minhas pálpebras não virou nada além de uma forma amorfa.

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Quando ficamos mais velhos, encontramos maneiras de lidar com pedacinhos desses poderes criativos, perdidos há muito tempo, e creio que esse é o verdadeiro significado da SCUL – uma promessa semanal de retorno à infância, um desejo nostálgico de caos adolescente, remendado com um fio saudável de ordem cósmica.

No fim, rumamos em direção a um estacionamento vazio em Cambridge, onde formamos uma fila para uma chamada e a conclusão da missão. Como parte do processo para larvas bebês, me mandam ficar de pé em frente à gangue para ser ridicularizado. Durante cerca de um minuto, membros da SCUL proferem uma bateria de críticas leves, como "a camisa dele é branca demais" e "o cabelo é muito vermelho". Alguém disse: "Não confio na mídia". Depois do trote, me dizem que não sou mais uma larva bebê. Agora, sou oficialmente uma larva.

No caminho de volta para casa, passamos por um pessoal jogando badminton, e um casal bêbado se aproxima da gangue como uma criança em um show de fogos de artifício. Extremamente bêbada, a garota persegue uma das bicicletas da cauda da SCUL e quase a derruba.

"Meu Deus, eu quero essa bicicleta!", ela grunhe enquanto seus amigos tentam segurá-la e o restante da SCUL faz manobras para evitar uma colisão. "É tão linda!"

Tradução: Stephanie Fernandes