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Games

A indústria dos games não liga muito para os surdos

Pouca acessibilidade e dificuldades de comunicação são barreiras extras para os deficientes auditivos.
Jogador com 'Librário', game desenvolvido para ensinar Libras. Foto: Divulgação.

"Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil" foi o tema da redação do ENEM deste ano, pegando alunos despreparados de surpresa. A quantidade de respostas sem noção (como o uso de braile e rampas) mostra a ignorância das pessoas quando o assunto é a comunidade de deficiente auditivos, e levantou novamente o debate sobre a inclusão em vários campos da sociedade.

Na área dos games infelizmente não é diferente.

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Leia mais: Como a minha depressão fez com que os games ficassem bem mais difíceis

Vanderley Júnior é um das 9,7 milhões de pessoas que possuem deficiência auditiva no Brasil, como indica um levantamento do IBGE de 2010. Nascido em Brasília, ele trabalha na área financeira e nas horas vagas é conhecido como Vaneov em partidas de Dota 2 e League of Legends.

Surdo desde os onze meses de vida por conta de uma meningite, Vanderley hoje tem 31 anos e é fundador da Deaf e-Sports League, a primeira liga de eSports voltada à comunidade surda. Além de organizar torneios e outros eventos para a comunidade, ele também joga na Rabbits Deaf, composto por deficientes auditivos.

“Eu tenho o sonho de ser jogador profissional, ter um campeonato e ganhar uma premiação como os outros [ouvintes]. Eu trabalho para isso se tornar realidade”, contou Vanderley em entrevista à VICE Brasil.

Foi no ano passado que o pro player decidiu criar uma liga para surdos usando um investimento próprio. A recepção da comunidade foi enorme e até um time peruano participou das competições.

A ideia de criar a liga veio dos frequentes problemas de comunicação que ele tem com jogadores ouvintes. “O jogador surdo precisa digitar em texto e jogar ao mesmo tempo. É bem complicado”, relatou o pro player, que naturalmente se sentia prejudicado nas partidas. “Os jogos precisam melhorar. [Falta] principalmente ter opção em Libras e vídeo-chamada entre jogadores surdos.”

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No mercado brasileiro são poucas as iniciativas dedicadas a criar conteúdo sobre ou voltado à comunidade surda. Na tentativa de mudar a relação da maioria dos games e dos jogadores quanto à educação em Libras (Língua Brasileira de Sinais), a desenvolvedora Flávia Neves criou o game Librário, em que o jogador aprende a língua por meio de um jogo de cartas.

Mestrando Design na Universidade do Estado de Minas Gerais, Flávia começou o projeto decardgame para promover e ensinar Libras tanto para pessoas de diferentes níveis de deficiência auditiva, quanto para as que escutam. “Todos conhecem e se identificam com jogos de cartas, por isso juntamos a linguagem visual, através de desenhos e fotos, com a Libras para ensinar a língua dos surdos brincando”, disse a desenvolvedora.

O projeto contou com o apoio de professores e bolsistas — incluindo a Flávia — além de ajuda de voluntários da área. Librário fez sucesso nas escolas públicas escolhidas para testar o jogo, e cativou alunos e professores pela didática. O game também ganhou o prêmio Tecnologia Social da Fundação do Banco do Brasil de 2015 e descolou um patrocínio para lançar uma versão mobile, disponível para iOS e Android.

Apesar do sucesso, Flávia destaca que produzir games tendo em mente a inserção do deficiente auditivo tem muitos desafios: requer dedicação na hora da pesquisa, ter uma equipe de intérpretes disponíveis (o que nem sempre é fácil encontrar), além dos gastos básicos que requer o desenvolvimento de qualquer jogo.

“O primeiro desafio é a aprendizagem da língua. Precisamos nos aproximar dos surdos e dos intérpretes de Libras para que possamos escolher o melhor sinal para cada palavra. Nossa maior dificuldade no projeto hoje em dia é a sustentabilidade financeira”, explicou Flávia.

A desenvolvedora pretende levar adiante o projeto Librário e atualizar o jogo com outros temas em Libras para facilitar o aprendizado dos surdos e de todos. “A tendência contemporânea é humanizar as tecnologias, fomentar a empatia, a nossa capacidade de entender as dificuldades dos outros. É mais que necessário desenvolver jogos e ferramentas de suporte para [incluir todo] nicho de público.”

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