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Música

O Tycho Dirige Música, Design e Automóvel

Conversamos com o multi-tarefa Scott Hansen, que apresenta com ares de diretor de arte suas paisagens sonoras ao vivo no Brasil.

Não faz muito tempo, consegui juntar alguns trocos para gastar na Califórnia. O estado do sonho dourado americano anda penando com a árida realidade da seca que chega a seu quarto ano em 2015. Tarifas elevadas, propagandas para redução de consumo de água e até racionamento não são novidade por lá — nem por aqui —, mas as paisagens fantásticas da costa oeste… Ah, essas continuam fantásticas. O Tycho que o diga, como fez na conversa que tivemos, prestes a começar sua primeira turnê sulamericana.

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Antes de Santiago e Buenos Aires ele vem a São Paulo no dia 28 — semanas depois de uma treta. "Os notebooks dos shows foram roubados em São Francisco, onde eles estavam guardados, entre os dois finais de semana do Coachella", me disse Scott Hansen, a mente por trás do Tycho. Não fossem os arquivos que ele tinha, a segunda apresentação do festival estaria comprometida. "Eu tinha uns backups, então eu coloquei tudo num computador novo, mas rolaram vários problemas", contou ele.

Ao vivo, Scott não se restringe ao notebook. Acompanhado de Rory O'Connor, Joe Davancens e Zac Brown, o multi-instrumentista usa teclados analógicos, sintetizadores antigos, compressores e sequenciadores — todos saíram ilesos do roubo. A dança das cadeiras que ele desempenha com os parceiros de palco acaba na hora de compor. "Eu escrevo tudo e gravo uma coisa por vez: o baixo, a guitarra. Eu não gravo um monte de coisas de uma vez só", explicou.

Tamanho zelo leva a crer que o Tycho não é apenas uma banda, mas um alter-ego do próprio Scott. Ele também cuida de toda a parte visual do que põe na rua. "A coisa toda é um projeto audiovisual holístico. Eu quero ter o controle de cada aspecto, do jeito que é apresentado à maneira que eles estão na performance", me explicou. Não à toa, sua persona nas artes visuais, o ISO50, também tem lá a sua fama.

Essa relação com a linguagem visual vem da infância, segundo ele. Diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, Scott vivia desenhando e pintando para manter a calma. Quando mais velho, descolou um emprego em design na época da bolha das empresas online. A música veio a seguir. "Quando eu estava na faculdade eu passei a escutar música eletrônica e foi a primeira vez que pensei 'acho que isso eu posso fazer'", contou. "Eu nunca estudei design ou música".

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Com o tempo, Scott largou o design para se dedicar à música. Sons como "Apogee" ou "Awake", título do mais recente álbum, passeiam pelas estradas costeiras da Califórnia, seus parques cobertos de neve em plena primavera ou desertos com cataventos de energia eólica fincados na areia. Foi assim, usando o bluetooth do carro durante algum rolê, que Scott deu essa entrevista.

THUMP: O que você está fazendo agora? Você está dirigindo?
Tyco: Sim. Eu estou indo buscar meu novo equipamento porque a gente foi roubado entre os finais de semana do Coachella.

Você foi roubado entre os dois finais de semana do festival?!
Sim. Os notebooks dos shows foram roubados em São Francisco, onde eles estavam guardados entre os dois finais de semana do Coachella. Então eu tive que conseguir outro computador e refazer algumas coisas. Eu tinha uns backups, mas acabou que isso virou uma boa oportunidade de repensar o set, reconstruir tudo do zero. Estou fazendo isso.

E agora você está atrás de um novo computador e novos aparelhos?
É, a gente está com tudo pronto. Hoje é o último dia que trabalho nisso, estou fechando algumas coisas e amanhã a gente começa a tocar.

Eu vi o seu show no Coachella. Foi a primeira vez que vi uma apresentação sua, então nem percebi nenhum problema. O que você fez para que tudo corresse bem?
Esse foi o lance do segundo final de semana. Peguei os backups e coloquei todos eles num computador novo, mas rolaram vários problemas. Foi um show muito complicado. Eram problemas técnicos que eu conseguia ouvir. Foi bem frustrante, mas a gente conseguiu passar por essa e parece que ninguém percebeu.

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A propósito, qual equipamento você tem usado ultimamente?
Eu uso o Reaper (um software de áudio), vários sintetizadores analógicos, equipamentos como pré-amplificadores, compressores, amplificadores, guitarras, baixos, esse tipo de coisa.

Quando você compõe você usa tudo isso ou vai mais para um teclado ou algo assim?
Eu escrevo tudo e gravo uma coisa por vez: o baixo, a guitarra. Eu não gravo um monte de coisas de uma vez só. É tudo bem básico.]

Além de compor dessa maneira você também faz as capas dos seus discos, certo? Você gosta mesmo de tomar conta de tudo.
Sim. E os vídeos também. A coisa toda é um projeto audiovisual holístico. Eu quero ter o controle de cada aspecto, do jeito que é apresentado à maneira que eles estão na performance. Eu tenho uma visão específica pra tudo, então tenho de fazer cada uma dessas coisas para tê-las reunidas da maneira correta.

Pra falar a verdade, a primeira coisa que conheci do seu trabalho foi seu blog, o ISO50. Você gosta bastante de design, né? Você ainda trabalha com isso?
Não. Eu nunca estudei design ou música. Eu desisti da faculdade para trabalhar com design gráfico porque eu arranjei um emprego. Eu fazia ciência da computação, mas o que eu queria fazer era algo mais visual. Consegui um emprego com design gráfico na época do estouro das empresas de internet em São Francisco. Eu fazia design de interface e, como sempre desenhei quando criança, fui migrando para o Photoshop. Esse período durou uns 12 anos. Eu tinha me mudado para São Francisco em 95, mas fui trabalhar com design gráfico apenas em 99. Parei de trabalhar com isso por volta de 2012 para me dedicar à música. Ainda faço o design do material do Tycho e de vez em quando eu faço algo para outros artistas. Eu fiz a capa do último álbum do Pretty Lights e fiz alguns pôsteres para o festival Lightning in a Bottle no qual vamos tocar. Nos últimos quatro anos, fiz dois projetos.

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Quando você era criança você foi diagnosticado com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, certo? Você sentia que atividades visuais ou musicais te ajudavam?
Sim, é verdade. Eu era obcecado em ouvir música, mas eu não fazia música. Meu negócio era desenhar, papel e caneta e ilustrações. Na verdade, acho que o diagnóstico foi errado, a maioria das crianças são hiperativas de algum jeito! Eu não acho que isso significa necessariamente ter algum distúrbio. Eu não gostava da escola.

Era uma doença da moda…
Totalmente!

Bem, você começou a trabalhar com música quando tinha quase 30 anos. Como foi a transição do design para a música?
Eu sempre me interessei em fazer música. Eu só não sabia onde começar. Quando eu estava na faculdade, passei a escutar música eletrônica e foi a primeira vez que pensei 'acho que isso eu posso fazer'. Eu curtia muito computadores, essas coisas. Pensei que eu poderia botar pra funcionar uma máquina que pudesse tocar algo como drum and bass. Eu fui me aprofundando naquilo, aí consegui uma bateria eletrônica e um sequenciador, comecei a fazer algo a partir daquilo. Vagarosamente, passei a aprender instrumentos tradicionais como bateria, guitarra, baixo e piano, mas o início foi com equipamentos eletrônicos.

Então você aprendeu a tocar depois dos 25 anos. Isso é inspirador.
É! Isso era um pouco estranho. Eu comecei a tocar tão tarde que me sentia um estrangeiro, sentia que eu não seria capaz de fazer aquilo, sentia que as pessoas iam rir da minha música. Eu sempre pensei que você deveria tocar um instrumento sua vida inteira ou você não poderia tocar nada. Não me considero um tecladista ou guitarrista muito habilidoso, mas acho que se você tem uma ideia, mesmo que não seja tão boa, você consegue uma maneira de fazê-la acontecer.

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Como você acha que isso afeta seu som? Hoje em dia tem uma molecada muito talentosa fazendo música diretamente dos seus quartos, mas talvez você tenha mais experiência ou referências que eles.
Hoje em dia vejo dois lados. Existe a vantagem de ter todas essas possibilidades e esse poder por um valor relativamente baixo, uma vez que basta ter um computador para se ter algo equivalente a um estúdio completo. Isso é ótimo! Mas, ao mesmo tempo, comecei a tocar com equipamentos reais, aprendi daquele jeito. Talvez essa molecada de hoje em dia esteja sobrecarregada com tudo o que há disponível. Quando eu comecei era o seguinte: tem a bateria eletrônica e o sequenciador, então você tem que fazer o máximo que puder a partir disso. Com o tempo, você dominava a máquina e passava a outra. Hoje em dia tem tudo de uma vez. Imagino que isso sobrecarregue esses jovens.

A sua música também tem essa ideia de preenchimento, mas por outro motivo. É como se ela servisse como trilha de algumas paisagens. Você acha que seu som tem esse poder?
Acredito que minha música seja visualmente evocativa em vários níveis porque as músicas evocam um espaço físico, mas isso não acontece em oposição a uma evocação emocional. Um monte de músicas tem um lado emocional que surgem porque há um espaço criado a partir delas, algo que vem primeiro. Acredito que a música instrumental em geral tem essa qualidade. A habilidade de ser amórfica de uma maneira pela qual as pessoas possam tomá-la e fazer dela o que quiser.

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Você vive em São Francisco desde que começou a fazer música. Você acredita que sua música está conectada à paisagem californiana de alguma maneira?
Eu sou do norte da Califórnia, onde não há desertos como no sul, mas acho que as paisagens estão na música. Especialmente em "Awake". Eu fui muito inspirado pelo deserto e pelo oceano.

Você acredita que sua composição é diretamente afetada pelos lugares que visita? Você está vindo pro Brasil, quem sabe você se sente influenciado pelo que vê aqui.
Claro! Sempre que eu vou a algum lugar que é visualmente inspirador, alguma coisa mexe comigo. Alguma coisa na estrada. Infelizmente, nessas viagens a trabalho a gente não tem tempo para passear, ver algumas coisas. Eu estive em Varsóvia, na Polônia, recentemente. Chegamos a tarde, fomos pra casa de show, arrumamos tudo, tocamos e voltamos pro hotel. Não posso te dizer nada sobre lá. Enfim, espero que eu tenha mais tempo no Brasil. Eu sempre quis ir ao Brasil durante minha vida toda.

O que a gente pode esperar do seu show por aqui?
Eu reconstrui o show inteiro, até a parte visual. Acho que vai ser algo especial porque nunca estivemos na América do Sul antes. Com certeza haverá algumas surpresas no show. No geral, a gente faz tudo do zero mesmo. A gente passa bastante tempo pensando no andamento do show, a gente trabalhou muito disso.

Você está preparando algum disco novo, algum novo lançamento?
Sim. Eu sempre estou trabalhando em cima da minha música. Eu estive meio ocupado nos últimos meses por causa das turnês, mas vamos dar uma parada em breve. Acho que em setembro a gente vai começar a pensar em outro álbum. Deve sair no verão do ano que vem.

Tycho no Brasil 28/5 - São Paulo, no Beco - Abertura da banda PARATI