Os moleques chavosos do wheeling bike

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Os moleques chavosos do wheeling bike

Criada na periferia de São Paulo, modalidade se expande para todo Brasil e tem praticantes até no Sri Lanka. Afinal, qual é a desses moleques que andam empinando suas bicicletas?

Todo domingo a molecada se junta em bandos para a universal zoeira: pode ser batendo uma bola, andando de skate, correndo, nadando, surfando, jogando um game, qualquer outra coisa. É nesse dia de tirar onda que, perto da estação de trem do Grajaú, no extremo sul da cidade de São Paulo, dezenas — às vezes centenas — de moleques se reúnem para celebrar e dar umas manobras malucas com suas bicicletas baixas sem marchas, de pneus largos, aros de parede dupla, pedais de nylon, ferraduras nos freios dianteiros e um estilo que muitas vezes combina a manopla com o tênis, camisa, boné, entre outros pormenores.

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Foto: Felipe Larozza/ VICE

Esse encontro — que muita gente vê e não entende — é o wheeling bike, modalidade recém-criada, adaptada e praticada na periferia de São Paulo e que já chegou, com força, a outros estados e até a improváveis destinos como Sri Lanka e Marrocos. Se o recalque bateu lá no teto e você tá naquele papo de "isso aí é mais velho do que andar pra frente", calma. A arte milenar de chamar a bicicleta no grau realmente ultrapassa gerações, mas o wheeling, acredite, é outra coisa. "A raiz do wheeling bike é o grau, mas o que caracteriza ele de verdade é o RL. O grau com qualquer bicicleta você faz, o RL não", explica Hudson Xavier, de 22 anos, um dos principais atletas da modalidade, criador do Portal Wheeling e youtuber.

A diferença entre Grau e RL é bem simples. Grau é a arte milenar de empinar a bicicleta e andar só com a roda de trás. RL é o contrário e, aos olhos leigos, bem mais arriscado. É a arte de andar só com o pneu da frente da bike. É aquela linha tênue e constante entre a manobra e um tremendo capote com a cara no asfalto. A partir do conceito, a molecada inova como pode. Inverte as pernas, os braços, fica em pé, de costas, um zilhão de possibilidades. "No Grajaú formou o pico porque é uma rua boa e arborizada e asfalto liso, que é o ideal pra execução das manobras", explica Jorge Henrique Soares, de 25 anos. "Geralmente tem de 30 a 40 pessoas, mas nosso recorde foi com 150, 160 bikes. Nesse dia foi gente de outros estados", finaliza. Hoje muitas quebradas de São Paulo se unem para praticar o wheeling: Barueri, Guaianazes, Franco da Rocha, Osasco, Interlagos. O livre acesso das bicicletas nos vagões de trem e metrô aos domingos, dizem os praticantes, facilitou a conversa.

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Hudson, no primeiro plano, observa o RL do parceiro Foto: Felipe Larozza/ VICE

A inspiração veio das motos. Equipes como a Força e Ação e a Alto Giro, aquelas que vira e mexe aparecem em programas dominicais da maravilhosa TV aberta brasileira, deram o insight. "Eles viviam se apresentando aqui no autódromo, em Interlagos. A molecada começou a ver que não era só grau porque eles já mandavam RLs. Foi onde surgiu a ideia de variar as manobras, aí eles foram tentando e foi evoluindo", explica Edmilson Xavier que, apesar de não praticar a modalidade, é um dos principais organizadores dos eventos da modalidade e pai do Hudson. A história do wheeling bike está tão ligada à cidade de São Paulo e com a internet que é impossível contá-la sem recorrer a este vídeo com mais de um milhão e meio de visualizações:

Como dá pra sacar, essas imagens foram feitas na marquise do Ibirapuera, ponto de encontro da molecada há mais de uma década. Os RLs reversos, RLs da morte e hang fives eram praticados lá, mas com a reforma, iniciada em 2010 e entregue só dois anos depois, eles ficaram órfãos de um point. "A gente treinava lá todos os domingos porque ali é quase o centro pra todo mundo. O pessoal costumava ir de trem", explica Hudson. "Depois da reforma proibiram a gente de andar. Foi quando o esporte deu uma caída drástica. Ficou um pra lá, outro pra cá. Várias pessoas pararam de andar." Quem não parou, evoluiu. Quem desencanou viu a modalidade se profissionalizar e se aproximar cada vez mais de se tornar um esporte de verdade. A internet, ela de novo, possibilitou saltos ainda maiores nos últimos anos. O Portal Wheeling, idealizado por Hud e seu pai, vende peças, acessórios, roupas e bonés. O canal no Youtube, por sua vez, tem mais de 160 mil inscritos e já ultrapassou 11 milhões de visualizações em 75 vídeos.

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Outro fator importante para o esporte foi uma matéria, exibida em dezembro de 2012, no Zona de Impacto, do Sportv. A reportagem, realizada no Rio de Janeiro, foi a primeira investida dos paulistas em outras praças e, de certa forma, foi o primeiro encontro interestadual do wheeling bike. Foram para Simões Filho, na Bahia, e reuniões começaram a pipocar em todo país. Sumaré, Pirajuí, Limeira, no interior de São Paulo, Belo Horizonte eDivinópolis, em Minas Gerais, Blumenau, em Santa Catarina, e muitas outras cidades começaram a receber dezenas de moleques e suas bikes esquisitas.

Detalhe do freio de ferradura. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Esquisitas, sim. Para a prática da modalidade, as bicicletas precisam de algumas adaptações. A primeira é a ferradura de alumínio no freio dianteiro. "Pra gente é necessário ter um freio que não tenha uma drenagem muito drástica, bruta. A bike precisa andar", conta Hudson. Outras mudanças são: aro de parede dupla, que suportam mais impacto; a retirada das marchas, para baratear a manutenção e deixar a traseira mais leve; pedal de nylon, que é mais resistente e trepida menos. Apenas duas peças são feitas exclusivamente para a modadlidade: o garfo que vem com furo para o freio de ferradura e o quadro que permite que a bike fique mais compacta, com o banco mais baixo e mais alta do chão.

A brincadeira pra manter essa bike no estilo vai custar entre 1200 e 1500 reais, mas claro que sempre dá pra dar aquela economizada no começo e, segundo os caras, começar os treinos com qualquer mountain bike.

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Só no Cliff Changer. Foto: Felipe Larozza/VICE

Na contramão das características dos praticantes do wheeling, André Fajersztajn , o Toddy, de 23 anos, sai todo domingo da Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo, pega metrô e trem e desembarca no Grajaú para seu choque de realidade semanal. "Eu que venho da Zona Oeste, de um bairro rico, não tenho nada disso. Uma das coisas mais importantes do wheeling pra mim é o contato com outros meios sociais. Onde eu conheceria uma molecada que mora na periferia de Suzano, outro que mora em Francisco Mourato, no Grajaú?", explica o músico e futuro bacharel em clarinete na Universidade de São Paulo. "Eu era escoteiro num grupo juvenil judaico. Era muito louco, no sábado eu convivia com a molecada ricaça de Higienópolis e no domingo eu colava no Cocaia. É doideira." A inspiração pro Toddy praticar a modalidade foi o talento precoce Hudson. "Eles me mostraram um vídeo de um molequinho minúsculo mandando um RL monstro. O moleque minúsculo era o Hud. Ele tinha uns 9, 10 anos. Aí eu falei: 'se esse moleque consegue fazer isso eu também consigo' e viciei no bagulho, comecei a andar todo dia", contou.

Na rua arborizada e cheia de casarões em Interlagos, zona sul de São Paulo, a molecada — é bem curiosa a ausência de mulheres no esporte — se diverte, troca ideia e passa pra lá e pra cá contrariando a vontade dos motoristas, um dos inimigos do wheeling. "Já aconteceu do cara descer do carro pra partir pra agressão. Uma vez um cara engatou a ré e tentou agredir o pessoal. Como ele não acertou na primeira vez, parou o carro e tentou de novo. Ele fez isso três vezes, até que um moleque desceu da bike e foi trocar ideia", conta Hud.

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A polícia, que passou vagarosamente pela rua durante a reportagem, também costuma cagar o rolê, principalmente em outros lugares do país. "Tem repressão policial, principalmente nas cidades do Nordeste", diz Edmilson.

Mas a bem da verdade é que eles não parecem se importar com isso. Daora mesmo é tirar aquela onda com os brothers no domingão, dar umas risadas, levar uns capotes e praticar aquela zoeiragem. Quem dera todo dia fosse um domingo de sol.

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Sente a vibe do rolê:

O bonde do hang ten. Foto: Felipe Larozza/VICE

O aro que combina com o pino, que combina com a manopla, que combina com o boné. Foto: Felipe Larozza/VICE

A polícia passou, mas não arrumou nada. Foto: Felipe Larozza/VICE

Chamou no Grau. Foto: Felipe Larozza/VICE

Deu ruim pro mano aí. Foto: Felipe Larozza/VICE

A linha tênue entre o sucesso e a cara ralada no asfalto. Foto: Felipe Larozza/VICE

Detalhes da bike e um RL maroto de fundo. Foto: Felipe Larozza/VICE