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Tecnologia

Brisando com o Oculus Rift: A Realidade Virtual Será uma Nova Droga?

É uma viagem, nos vários sentidos da palavra.
Crédito das imagens: Robert Hackett

Eu coloco o universo no meu rosto.

Estou voando, saindo de uma câmara de vácuo e ouço uma música eletrônica saindo do som da minha nave espacial. A luz das estrelas ilumina os arredores, salpicado de nebulosas rosas e poeira estelar. Descubro que os movimentos do meu pescoço controlam a direção da nave. Ao meu redor, apenas o cosmos.

Não sei quantos drinks já bebi, mas estou bem tonto. Não deveria estar pilotando bêbado, penso. Não importa. Tenho que me focar. Seguro meu copo como se estivesse brandindo uma arma; enquanto isso, desvio de asteróides e destruo naves inimigas. Meus adversários explodem de forma satisfatória e irreal, ao melhor estilo Star Wars.
A verdade é que eu nunca saí da Terra. Minha cabeça, balançando de um lado para o outro, está coberta por um headset de realidade virtual, o famigerado Oculus Rift.

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Ocasionalmente enfio minha cabeça entre minhas pernas para executar um flip e outras manobras de fuga. Minhas orelhas estão cobertas por fones de ouvido que bloqueiam qualquer som externo, me protegendo do zumbido dos banhistas andando pelo calçadão e dos sons de interesse dos meus amigos bebendo cerveja do meu lado.

É uma viagem, nos vários sentidos da palavra.

Meu cérebro – graças ao meu lóbulo occipital facilmente manipulável – me faz crer que não estou sentado em um sofá, mas sim viajando por um universo digital. Meu corpo pode estar preso à casa do meu amigo na costa sul de Long Island, mas minha consciência está flutuando pelo espaço sideral como uma projeção astral, ou como naquela cena maluca – você sabe qual – de  2001: Uma Odisséia no Espaço.

"A tecnologia virtual é a estrada que nos leva para lugares além do nosso plano físico", me disse Jim Blascovich, professor de psicologia e codiretor do Centro de Pesquisa de Ambientes Virtuais & Comportamento (ReCVEB, em inglês) da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara.

Blascovich, coautor do livro Infinite Reality, obra sobre a evolução de tecnologias virtuais e digitais, vê essas tecnologias como uma extensão de ritos antigos – incluindo o uso de drogas psicoativas.

"Tudo começou com as primeiras narrativas, milhares de anos atrás", disse. O homem é uma criatura escapista – isso está em sua biologia. Nossas mentes divagam durante um terço de nosso período de consciência; nós sonhamos, em média, entre quatro e seis vezes durante uma noite de sono comum. Nossos ancestrais decoravam suas cavernas com murais; eles desenvolveram a linguagem e passaram a contar histórias; eles criaram a arte, o teatro, a poesia, a literatura, a prensa, a fotografia, o rádio, o cinema, os videogames e a internet.

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"Mentes divagam o tempo todo. Nós sonhamos, e usamos drogas para viajar e drogas para nos trazer de volta", disse Blascovich. Tecnologias baratas como o headset Oculus Rift e o Google Cardboard são apenas o próximo passo na nossa tentativa de imersão.

O fato de o maior proponente das drogas alucinógenas nos anos 60 ter virado um defensor da cibernética três décadas depois não é uma coincidência.

Muitos já compararam a realidade virtual às substências alucinógenas. O fato de o maior proponente das drogas alucinógenas nos anos 60 ter virado um defensor da cibernética três décadas depois não é uma coincidência.

O ex-psicólogo de Harvard e defensor inveterado do LSD, Timothy Leary, anunciou o potencial das tecnologias emergentes em seu último livro, Chaos & Cyber Culture. “O computador é o LSD dos anos 90", ele afirmou.

Perguntei ao pesquisador de realidade virtual Albert "Skip" Rizzo (diretor de um programa de Realidade Virtual Médica que trata paciente com transtornos de estresse pós-traumático na Universidade do Sul da Califórnia) se a tecnologia de realidade virtual pode simular experiências alucinógenas.

A resposta dele foi bem cética. "Não sei se essa tecnologia pode ser comparada a uma experiência alucinógena", afirmou. Ainda não, pelo menos. "Podemos criar ambientes virtuais com ilusões de ótica e bagunçar as habilidades de percepção das pessoas, fazendo com que isso pareça uma experiência alucinógena; mas não sei se alguém já tentou fazer isso."

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Ele acrescentou que "Isso pode te deixar enjoado ou provocar um cybervômito antes de você conseguir aproveitar a experiência".

Ainda assim, tanto as drogas psicotrópicas quanto a realidade virtual têm a capacidade de mexer com nossas mentes, emoções e percepções. Perguntei para Rizzo se a realidade vritual terá um fim similar ao do movimento psicodélico do final dos anos 60, quando o Congresso americano criminalizou o LSD. Já existem, afinal, clínicas de reabilitação para viciados em jogos e internet. Será que essas tecnologias psicoativas serão vistas como substâncias viciantes no futuro?

"Seria difícil tentar erradicar a realidade virtual, visto que teríamos que banir filmes, livros e a Disneyland", disse Rizzo. A tecnologia poderia, no entanto, ser regularizada.
"Podemos observar um movimento de grupos que querem controlar, monitorar e censurar essas tecnologias", ele disse, traçando uma comparação com a indústria cinematográfica. "É possível que as experiências virtuais passem por uma classificação indicativa similar, de forma que menores de idade não possam entrar em certas experiências."

Filmes. Reza a lenda que durante uma das primeiras exibições da história do cinema – um vídeo de um minuto de um trem chegando em uma estação – parte do público fugiu da sala de exibição em pânico. Será que as futuras gerações irão rir de nossa credulidade?

Um dos meus amigos me cutuca, e eu levo um susto.

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O dia passa, e continuo a beber e a experimentar outros simuladores, unindo a intoxicação clássica do álcool à nova intoxicação tecnológica. Jogo pong usando meu rosto como controle; pulo de paraquedas; ando em uma montanha-russa que passa por dentro de um castelo medieval; voo acima de arranha-céus; flutuo por uma casa mal-assombrada, perseguido por um demônio barulhento e investigo uma casa de campo na Toscana.

Essa última simulação se embaça quando sacudo minha cabeça, e o enjoo é instantâneo. A sensação é similar aos efeitos colaterais do consumo de litros de vodka. Meu estômago se revira. Fico muito enjoado, e as garrafas de bebida que eu enxuguei só pioram as coisas.

Caí, involuntariamente, no chamado "vale do desconforto". Como explicou a Wired, "quando você vira a cabeça e a imagem, que está a centímetros dos seus olhos, não acompanha o movimento, o seu sistema visual entra em conflito com seu sistema vestibular, e você passa mal".

Eu arranco o Oculus Rift do meu rosto, redescubro a realidade e me jogo em um sofá. Enjoado e com algo parecido com uma ressaca, eu lembro de algo dito por Chris Dixon – um dos principais investidores da empresa de capital de risco Andreessen-Horowitz, que tem ações do Oculus Rift e do recente comprador da empresa de realidade virtual, o Facebook – para o The New York Times: "o maior concorrente da realidade virtual pode ser uma garrafa de vinho."

Por favor, viaje virtualmente, mas com moderação.

Tradução: Ananda Pieratti