"Tenho dread e sou obrigado a fumar maconha? Não sabia disso"
Foto: Larissa Zaidan/VICE

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"Tenho dread e sou obrigado a fumar maconha? Não sabia disso"

A vida pós-BBB do Viegas continua a mesma correria. Conversamos com o regueiro sobre carreira, cannabis, BBB, religião e dinheiro.

O Viegas já tem uns 10 anos de carreira na cena musical independente de São Paulo. Mas este ano, depois de participar do BBB18, um novo e gigantesco público foi lá nas redes sociais sacar as músicas e clipes do cantor e compositor. Ele tem um CD lançado e estava prestes a mandar prensar o segundo quando recebeu o convite pra participar do reality show da Globo. Logo ele, que era até crítico desse tipo de programa. Ao deixar a casa, sua cabeça já era outra: descontente, o artista resolveu jogar as gravações fora e começar do zero.

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Nascido e criado em Guaianases, bairro da Zona Leste de São Paulo, Viegas começou ouvindo pop de rádio, mas sempre curtiu muito mais os sons com letras de mensagem social. Foi assim que ele se apegou ao manguebeat, o rap e o rock. Antes da carreira solo, foi MC de vários grupos, entre eles o Dub Del Lest e A Filial. As influências atuais incluem todos os segmentos derivados do reggae – dub, dancehall e ragga –, com um flowzinho de rap na voz.

No hiato entre os preparativos para o lançamento de um single e o próximo álbum, Viegas falou à VICE sobre carreira, influências musicais, BBB, religião, maconha, fama, dinheiro e mais.

VICE: Como a música entrou na sua vida?
Viegas: A música, em si, foi a segunda parte de uma história. Acho que a primeira coisa que veio foi a poesia, porque o que eu me ligava, independentemente do estilo das músicas que ouvia, era a mensagem sendo dita. Eu ouvia muito pagode, rap, reggae, rock, qualquer coisa que rolasse na rádio ou televisão. Percebia que a identificação era maior quando tinha algum tipo de mensagem, questionamento. As primeiras bandas que mais me aproximaram da música e da mensagem, foram Legião, Paralamas, Engenheiros do Hawaii, Titãs… Num segundo momento, na sexta série, os irmãos mais velhos das minhas amizades tinham uma mente mais à frente daquele tempo, pelo menos pra mim, musicalmente. Eles ouviam Chico Science & Nação Zumbi, por exemplo. Aí os caras me emprestavam CDs e tal, fui me familiarizando e comecei a ir em show. Ouvia muito Chico Science & Nação Zumbi, Planet Hemp, O Rappa, Charlie Brown, Raimundos, Otto, toda essa galera aí. Até que fui chegando cada vez mais no reggae, porque todas essas bandas, em algum momento, algum som, flertava com o reggae. Nessa fase, as bandas misturavam muito essa onda com dub. Talvez, esse roots e o dub tenham sido as primeiras coisas que me conectaram com o reggae, até eu chegar no dancehall, no ragga, que hoje é uma das coisas que mais ouço e gosto.

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Daí pra você começar a cantar e fazer o próprio som, como foi?
Um dos principais letristas com quem me identificava era o Marcelo Yuka, até começar a fazer os meus primeiros versos. Certo dia, andando na rua perto de uma escola, no horário da saída, passaram uns cinco moleques, viram que eu tinha uns dreads, ficaram me olhando. Parei no ponto, dali a pouco eles voltaram, me abordaram e me convidaram pra ser vocalista da banda deles. Marcamos um ensaio e entrei na banda que eles já tinham. Tempo depois a banda acabou e eu continuei. Em 2011 lancei meu primeiro single, no ano seguinte fiz um EP. O single eu vendi nas ruas e a grana usei pra fazer o EP. Com a grana das vendas do EP, fiz o álbum em 2015. Os clipes e singles que lancei foi tudo baseado nisso.

Por que o reggae lhe atrai mais que o rap, o samba, o rock?
Acho que o reggae é muito musical, saca? O rap, na essência, tem o lance do verso falado, a técnica dos MCs é muito grande na habilidade das palavras, mas é um pouco mais dura nesse sentido melódico. E o reggae traz pra mim um pouco dessa suavidade, mas, ao mesmo tempo, você tem o dancehall, uns flows mais de ragga, assim, que torna tão agressivo quanto, com atitude, mais molejo.

Foto: Larissa Zaidan/VICE

O lado religioso do rastafári, você abraça?
Percebo que, na história do reggae, na Jamaica, o rastafarianismo, e tudo mais, tem uma parte que vai muito pro lado religioso, ideológico. Alguns não definem como religião, mas uma ideologia de vida e tal… Esse lance espiritual da coisa eu respeito, com algumas coisas me identifico, outras, nem tanto, então as pessoas até me perguntam se sou rasta, e digo que não. Gosto de muitas coisas da cultura, tem coisas que admiro no budismo, catolicismo, umbanda, candomblé, de cada uma dessas tiro algo positivo. Não tem porque eu achar que sou católico e não está no candomblé o mesmo Deus no qual acredito. Ele está lá também, de repente falando de outra forma, mas dizendo a mesma coisa. A paz e o respeito estão em todas as religiões que citei e em outras que nem conheço. Os Dez Mandamentos e a Bíblia nada mais são do que um manual de como viver bem. “Não matarás”, pô, velho, isso aí não é só na Bíblia, é na quebrada, na periferia. Quem mata está pronto pra morrer, né. Que mais? O cara vai ofender o pai e a mãe? É o que cada um tem que fazer pra viver em harmonia, está te dando uma dica de como ter uma vida mais simples. Se o cara vai seguir ou não, já é outra ideia.

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"Em nenhum momento pensei em ir lá [no BBB] pra cantar minhas músicas e ficar famoso. Lá, minha prioridade era falar sobre as coisas nas quais acredito."

Participar do BBB18 ajudou o seu trabalho musical?
O BBB trouxe um público muito mais virtualmente, porque as redes sociais têm um alcance muito grande. Eu nunca assisti outra edição fora esta que participei, e também não me inscrevi pra estar lá, foram os olheiros. E eu tinha um certo preconceito em relação a esse formato de programa. É muito louco porque tem uma galera que acha que fui pra divulgar minha música, e não. Fui pela minha música, mas num outro intuito, pra disputar R$ 1.5 milhão e, se ganhasse, usar o prêmio pra investir na carreira. Porque as pessoas com quem convivo e pra quem faço música, na maioria das vezes, nem são elas a audiência do Big Brother. Não faria sentido ir pra lá divulgar a minha música, porque as pessoas que curtem meu som não estão nesse lugar. Elas estão trabalhando ou indo pra algum rolê no horário que passa. Essa era a minha visão. Era a maior chance que eu tive na minha vida de ganhar mais de um milhão em três meses. Dessa grana, eu poderia ter pessoas trabalhando comigo, pagar um clipe, planejar minha carreira. Em nenhum momento pensei em ir lá pra cantar minhas músicas e ficar famoso. Lá, minha prioridade era falar sobre as coisas nas quais acredito.

Foto: Larissa Zaidan/VICE

Como foi ver tudo o que a galera comentava nas redes depois que você deixou a casa?
Quando saí, sem o prêmio, fiquei impressionado, porque na vida real eu era mais um artista independente com a consciência de que views não são sinônimo de qualidade. Tem artista que tem zilhões de views no YouTube e eu simplesmente olho e falo: “Não gosto disso.” Às vezes, é até muito visto justamente porque é muito zoado. Quantos vídeos a gente vê de tão tosco que são? Um dos clipes meus, tinha uns 10 mil views. Quando saí, ele estava no 1 milhão. O primeiro impacto foi: “Poxa, que legal!” Quando vi os comentários, fiquei muito feliz, pois até onde consegui ler, não vi nenhum negativo. Fiquei muito feliz, sabendo da crueldade que existe nas redes sociais, nessa terra de ninguém, perceber o quanto tive um feedback positivo da minha música.

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Ataques de haters, teve muitos?
Alguns ataques com relação à minha pessoa são principalmente por causa de jogo. Rola um movimento de quando você fala que vai votar em fulano. Aí as pessoas que torcem pra esse cara, começam a vir atrás de você de um jeito que pega no seu pé e vira uma campanha política. Até provar, já foi domingo a eleição. Percebi muito isso. As mensagens de ódio eram porque eu tinha votado na Gleici…

Você nem assistia BBB antes de receber o convite pra participar, né?
Pra várias pessoas eu falo o quanto tinha preconceito contra o programa e o quanto foi uma experiência foda na minha vida. Foi muito especial o que aprendi e tenho dúvida de te falar se tudo que me enriqueceu poderia ter acontecido em outro lugar. As interpretações, vivências e oportunidades que tive lá só me enriqueceram. Não tenho nada negativo pra falar daquele lugar e da vivência que tive. Ali em vários momentos tive que sair da casa mentalmente pra lembrar de quem eu era e o que estava fazendo ali, pra poder me manter no jogo e de uma maneira que achava que deveria estar. Porque se eu vou brigar com uma pessoa mó escrota que está ali no mesmo ambiente, eu vou deixar meu objetivo de lado. E lá na casa tem isso, porque você está convivendo com mais 19 pessoas. Às vezes essas outras pessoas não conhecem a si mesmas tão bem e se perdem no meio desse caminho. Só que se você se perder junto com ela, vai complicar.

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A maior treta que você teve foi com o Wagner. O que pegou ali pra você?
Eu sigo ele no Insta e tal, acompanho de longe… Pra ser sincero com você, tenho minhas interpretações sobre isso, prefiro guardar pra mim. Ele é um cara, desde que entrei na casa, com quem mais me identifiquei até aquele momento. Tínhamos muitas conexões de som, ideia, lugares, uma infinidade de coisas. Infelizmente rolou essa desavença, acabamos nos afastando. Fiquei até com certo medo depois desse atrito, de que isso tivesse marcado a minha participação, mas a maioria das pessoas que vêm falar comigo é pra me elogiar na prova do carro, pela ideia que dei do William Waack e o meu discurso final. São os três pontos que a galera mais fala. Não tenho nenhum tipo de arrependimento, pra mim foi tudo massa o que rolou. De lá pra cá, só tive experiências boas.

Seria este o BBB desconstruidão?

Conte sobre o projeto social que você tem no seu bairro.
Lá perto de onde moro, na Cohab Juscelino, demos início a um projeto que se chama Arte na Quadra. É o espaço de um estacionamento de 40x90 m2, o que pra gente era um espaço grande que estava sendo utilizado pra carros enferrujados, roubados, que ficavam lá, a galera usando drogas lá, e um monte de coisa no chão, cápsula de cocaína, camisinha… Pensamos em revitalizar aquele espaço em prol da arte, da cultura. Capinamos, varremos, o pai do meu amigo Fernando é serralheiro, ajudou a gente a fazer umas coisas, fechar a quadra… Desde prefeitura até a galera do crime da quebrada tivemos que falar, você não pode atrapalhar nenhum dos lados na parada. Rolou tudo isso, e graças a Deus já tem aí uns quatro anos esse projeto. Só que a periodicidade dele é complicada porque a gente não tem um patrocínio, nunca foi contemplado por um edital.

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É, a gente precisa de dinheiro até pra atuar no bem comum…
Na infância a gente aprende que o dinheiro é sujo, na Bíblia a gente aprende que é mais fácil um camelo no buraco da agulha do que um rico no reino dos céus, que dinheiro não traz felicidade. Só que alguém, em algum momento, lá atrás, jogou essa conversa aí, a galera acreditou, e a gente vive esse mantra. Tem que ter vários de nós com esse entendimento e dizer: “Não. Dinheiro é ferramenta.” Mas se eu morresse hoje, ia morrer felizão, porque trabalho com o que amo, escolho onde vou estar, com quem vou estar. Agora, dinheiro, quanto mais melhor. Se eu tivesse grana pra fazer o Arte na Quadra acontecer todos os meses, não precisava pedir patrocínio. As pessoas associam ganhar dinheiro com ostentação e desperdício, o que nem sempre é verdade.

Você tem um som chamado “4h20”, mas nem fuma um. O que pensa sobre consumo e legalização?
Eu já namorei com uma pessoa que gostava muuuuito, não conheci ninguém que fumasse mais que ela. A maior parte das pessoas que eu ando fuma, não tenho nenhum tipo de preconceito quanto a isso, mas nunca provei. Nunca tive vontade, sinto que se eu tivesse usado, até hoje, teria sido mais pela galera. E, como eu canto, pra mim, o lance da fumaça prejudica. Mas sou contra a proibição da maconha num mundo onde o cigarro é legalizado, um negócio que tem várias substâncias tóxicas. Eu nunca vi uma notícia no jornal falando que um pai de família chegou bem louco de ganja em casa e bateu na mulher e nos filhos. Acho uma sociedade hipócrita até umas horas. Em vários lugares estranham que eu não fume e use dreads. Porra, eu tenho dread e sou obrigado a fumar? Não sabia disso. Não pode lutar contra o preconceito com preconceito.

Vai rolar um single logo mais, certo? Você anda planejando lançar outro álbum?
Esse é o primeiro som que vou lançar depois da casa. Eu já tinha praticamente um EP pronto que deixei pra lançar quando saísse. Mas quando saí, a cabeça… Às vezes você ouve uma frase que muda sua vida, imagina uma vivência de três meses numa situação totalmente atípica. Minha cabeça mudou em vários aspectos, tinha coisas que achava bacana e que, hoje, não necessariamente acho. A sonoridade da coisa e tudo mais. A prévia disso vem agora no final de agosto. Tenho muitas coisas pré-produzidas, tudo está meio que sofrendo essas adaptações.

Foto: Larissa Zaidan/VICE

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