Música

Experimentei formas ridículas de entrar em festivais sem pagar e todas funcionaram

Três dias, três festivais. Tudo grátis.
Simon Doherty
London, GB
JE
fotos por Josh Eustace
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
formas de entrar de borla num festival
Fotos: Josh Eustace

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Durante os últimos anos, consegui engendrar diferentes maneiras de entrar em eventos e discotecas com recurso a alguns truques bastante simples: trepar a telhados, comprometer-me a trabalhar no bar e logo depois fingir estar doente, fazer-me passar por um artista chamado "DJ Dirt-E" (algures em Leeds há um segurança orgulhoso de ter tirado uma fotografia comigo, peço-lhe desde já desculpas).

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Não são assim grandes feitos, nem muito complicados mas, em minha defesa, direi que todas as vezes que levei a cabo este tipo de truques foi porque não tinha dinheiro ou forma de entrar: actualmente, estou sem um tostão, portanto decidi ver até onde conseguiria chegar com estas minhas pequenas fraudes. Para isso, criei alguns personagens de festival para tentar a minha sorte e entrar nos eventos.


Vê: "'Como transformei o meu barraco no restaurante #1 de Londres', o documentário"


SEGURANÇA

festival blag security guard

A viagem começa numa sexta-feira, no festival Hackney, em Victoria Park, Londres, onde me apresentei disfarçado de segurança. Graças à hierarquia do festival, não há muitas pessoas com autoridade para me questionarem; enquanto "segurança", o teu nível de autoridade está abaixo dos DJs, dos promotores e da polícia, mas ainda está acima de quem não usa colete reflector.

festival security blag

No total, tudo o que levava custou 14 euros: seis pelo colete, mais seis para imprimir a palavra "segurança" e alguns números ao calhas nas costas e dois euros para a bracelete, na qual coloquei um cartão antigo de um escritório onde trabalhei, embrulhado num saco plástico azul.

Antes de chegar ao recinto, alguém me perguntou onde era a entrada do staff. Dei-lhe a direcção correcta e lembrei-o de qu tinha de ter o cartão à vista. Depois, simplesmente, fui até essa mesma entrada. Um policia desejou-me boa tarde, um segurança pediu desculpa por chocar comigo e, sem mais nada, consegui entrar: passei à frente de toda a gente. Demasiado fácil.

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festival security blag

Enquanto deambulava por ali, o fotógrafo, Josh Eustace, tentou a sua sorte em três entradas diferentes, alegando que trabalhava para o festival. Um beco sem saída. Provavelmente, porque não tinha nada vestido que indicasse que deveria estar ali, portanto voltei atrás para o acompanhar. Fomos à entrada dos artistas e passámos pelo detector de metais, mas pararam o Josh.

“ÉS IMPRENSA?”, perguntou um homem baixinho e forte de vinte e tal anos.

“Sim”, respondi eu. “Está connosco".

“Ah, mas ele precisa de um passe".

“Vou levá-lo para que lhe dêem a acreditação”.

“Isso está do lado de fora”.

festival security blag

Sendo assim, fomos até à entrada principal e tentámos a mesma história, mas desta vez funcionou em grande. Numa reviravolta incrível dos acontecimentos, um dos guardas da G4S perguntou-me se podia revistar a mala do Josh. Respondi afirmativamente, mostrei-lhe o saco e, depois, fomos ver o concerto dos Elder Island.

HOMEM DO LIXO

FESTIVAL BLAG LITTER PICKER

Motivados pelo sucesso do dia anterior, no sábado, fomos a um festival de dança em Finsbury Park. Peguei no meu colete reflector, mas desta vez escrevi "lixo" e mais números aleatórios estampados nas costas e levei um "colector de lixo desdobrável" comprado na Argos por cerca de 11 euros. Enquanto rondava o perímetro, apanhei uns quantos resíduos que pus num saco de plástico.

Detectei uma oportunidade: estava um vigilante na entrada das traseiras e não havia segurança à vista. Dirigi-me até lá e, sem ninguém me dizer nada, comecei a caminhar até ao palco. "Eh, amigo", ouvi quase de imediato. Ignorei e concentrei-me no lixo. "Eeeh, amigo!". Nesse momento virei-me e vi um segurança bastante alto com um colete branco a correr na minha direcção.

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FESTIVAL BLAG LITTER PICKER

"Onde está a tua acreditação?". Os seus olhos desconfiados semicerraram-se. O gajo tinha claramente reparado que algo não batia certo. "Sou da recolha de lixo, da equipa do Chris", disse eu. Ele suavizou a expressão, mas disse-me que não podia estar ali e que tinha que entrar pela entrada principal. Enquanto ele me acompanhava para fora do recinto, parei para apanhar mais um pouco de lixo, para dar um toque dramático. Chamem-me "metódico", chamem-me "comprometido com o meu trabalho", sou ambos.

Do outro lado do espaço do festival, comecei a andar de maneira mais apropriada. Em vez de parecer que estava a passear, andava de olhos pregados no chão à procura de lixo e não com aquele andar super confiante que tinha adoptado para o papel de "segurança". Infelizmente, o festival tinha acabado de começar e não havia muito lixo para apanhar.

FESTIVAL BLAG LITTER PICKER

Podes atirar um bocado de lixo para o chão para justificar o meu trabalho?", brinquei com os seguranças enquanto atravessava a multidão. Riram-se, eu ri-me: estávamos todos a divertir-nos.

CATERING

FESTIVAL BLAG CATERING STAFF

Há muito tempo que queria experimentar este truque. Pedi emprestado a um amigo o avental e as calças de chef, peguei num pano de cozinha e fui ao mesmo festival de dança. Sempre imaginei levar uma caixa de garrafas de água na cabeça (o segredo está nos acessórios, nos pequenos detalhes), mas o disfarce de homem do lixo tinha-me custado mais de 20 euros, o que me lixou o orçamento. Em vez disso, optei por levar vários copos que encontrei no chão.

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Fui até à entrada do staff. "Tens a pulseira?", perguntou-me um exausto segurança, sentado numa cadeira de campismo e que parecia não ter a menor preocupação sobre se a tinha ou não. "Claro", respondi, mostrando-lhe uma pulseira velha do Boomtown de 2016, a achar que me ia apanhar.

FESTIVAL BLAG CATERING STAFF

Mas não, aconteceu o contrário. "Obrigado", respondeu ele, deixando-me passar sem nenhum problema.

MONTADOR

FESTIVAL BLAG RIGGER

No domingo, escolhemos um festival de house no Peckham Rye Park. Desta vez, ia fazer-me passar por alguém da equipa de montagem de eventos. Pedir o equipamento emprestado - um blusão reflector, um capacete, vários ganchos e uma luva (só consegui uma) - foi fácil, mesmo sendo feriado em Londres.

Rondei o perímetro do evento enquanto Josh andava pelo parque com uma das máquinas fotográficas mais suspeitas que eu alguma vez vi. Tirou a fotografia aleatória típica para que não se notasse muito que estava a focar-se em mim e, para o caso de ser necessário, tinha preparada uma história sobre um projecto de moda em contexto de festival em que estava a trabalhar.

FESTIVAL BLAG RIGGER

Era um evento pequeno, por isso o acesso era limitado. Decidi passar pela entrada principal, embora fosse muito provável que um montador não entrasse por ali. Depois de passar à frente de todos sem complicações, fui directamente para o local onde multidão estava reunida a dançar em frente ao palco principal. Enquanto dançava, ia dando umas olhadelas à infraestrutura, da mesma maneira que um artista admira o seu trabalho finalizado.

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DJ

FESTIVAL BLAG DJ

Mais tarde, naquele mesmo dia, no mesmo festival, meti-me no meio dos arbustos que rodeavam o recinto para trocar de roupa e tentar entrar outra vez, mas como DJ. Uma mulher que trabalhava no evento como relações públicas confundiu-me com o DJ Jasper James, embora não me pareça nada com ele, portanto pensei que a coisa não ia ser muito complicada. Ainda assim, era um desafio passar pela entrada de acesso dos artistas usando um nome fictício: DJ Dirt-E. Não tinha um e-mail nem ninguém a quem pudesse ligar para confirmar a minha história. E não só isso, como ninguém nunca tinha ouvido falar do DJ Dirt-E, excepto um segurança de Leeds.

Desta vez, a indumentária não custou nada: limitei-me a vestir as minhas roupas normais e pedi emprestada uma maleta de discos a um amigo, juntamente com meus headphones destruídos na mão (lembra-te, está tudo nos acessórios). Aproximei-me do primeiro acesso, pronto para lhes dizer com total convicção que era o DJ Dirt-E e que ia tocar às 19h00. Mas, não me perguntaram nada, ninguém me perguntou quem eu era. Uma mulher disse-me que já não lhes sobravam pulseiras, por isso teria que estar no backstage durante 20 minutos.

FESTIVAL BLAG DJ

Depois revistaram-me. Algo que não me tinha ocorrido porque, quando abri a mochila, em vez de discos, encontraram coletes reflectores, um rádio e uma luva.

"Trabalhas aqui?", perguntou-me o vigilante.

"Vim agora de um trabalho como montador"..

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"Ok, mas não ponhas o colete reflector aqui".

"Não, nunca me ocorreria fazer tal coisa".

Passado um bocadinho já estava a dançar numa tenda, a tentar não irritar muitas pessoas com a minha mochila enorme. No bar, um tipo viu os meus headphones e perguntou-me a que horas é que eu tocava. "Às 19h00 no palco principal", respondi sem hesitar. "Boa, lá estarei", respondeu ele.

Três dias, três festivais, cinco técnicas e todas elas funcionaram. Que todos os seguranças mantenham as suas cabeças erguidas e peço desde já desculpas aos golpistas por ter revelado todos os segredos do ofício.


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