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naturismo

"Num ambiente naturista, não há julgamento sobre o corpo. Sentimo-nos livres e confortáveis"

Em Outubro, Portugal recebe o Congresso Mundial Naturista. Conversámos com dois praticantes deste estilo de vida.
Foto cortesia Alma Naturista.

Sim, naturistas. Primeira coisa que pensas: pessoal que anda nu. Explicação mais exacta: o naturismo é, por definição, uma forma de viver em harmonia com a Natureza e de promover o respeito pelos outros e pelo meio ambiente, através da prática da nudez colectiva. Este ano, Portugal recebe pela primeira vez o Congresso Mundial Naturista - que vai já na sua 36ª edição -, que decorre de 11 a 14 de Outubro, na Costa da Caparica.

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O mercado naturista está a expandir-se em países como a Croácia, França e Espanha, que se tornaram destinos de eleição para quem procura viver a Natureza de uma forma mais intensa e sem roupa. Estima-se que, em Portugal, existam 10 mil praticantes de naturismo, com oito praias dedicadas à prática no sul e a Associação Alma Naturista está em negociações para inaugurar a primeira praia nudista a norte.


Vê: "As reivindicações feministas do movimento 'Body Positive'"


Ao nosso País, apesar de ter vários apoiantes da prática – já que 10 mil praticantes não é coisa pouca – ainda falta, pois, aquele "bocadinho assim” para se tornar, de facto, num destino preparado para oferecer aos naturistas aquilo que procuram: comunidades e alojamentos destinados e preparados para acolherem quem tem como lema de vida andar como veio ao Mundo. E é também nesse ponto que se espera que acolher o Congresso da Federação Naturista ajude, já que o evento tem como missão promover o naturismo por todo o Planeta, em nome dos 39 países, das 31 federações nacionais e dos mais de 450 mil naturistas que representa.

Com um tema tão, digamos, despido, não podia deixar passar a oportunidade de o ficar a conhecer mais a fundo e de abordar várias questões, algumas até bastante triviais: quais serão os desafios de lavar a loiça, apanhar laranjas, cozinhar, criar filhos e trocar fofocas com os amigos, tudo isto de rabo ao léu? Quando se é naturista, é-se naturista a tempo inteiro, ou só nas férias e no tempo de lazer? Paula Costa, que trabalha no único parque naturista do País (em Marvão, Quinta do Maral) – que é também um local auto-sustentável – está habituada a receber este tipo de turismo e tira-nos as dúvidas mais curiosas de como é o dia-a-dia de um naturista. Também Rui Elvas, presidente da Associação Alma Naturista, conversou com a VICE sobre o que é, para ele, a essência desta prática e o propósito do Congresso.

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Tudo a nu, aqui abaixo.

Paula Costa, Quinta do Maral

VICE: Olá Paula! O que leva uma pessoa a tornar-se naturista?

Paula Costa: Deverá haver muitas razões… trata-se de uma escolha pessoal e, muitas vezes, em casal. Talvez o motivo principal seja experimentar algo novo, sentir a sensação de liberdade e aceitar o corpo.

Qual é o maior benefício de ser naturista?

Sem dúvida a sensação de liberdade e de respeito pelo nosso corpo e o dos outros. No meio naturista somos todos iguais, não há status sociais, não nos escondemos atrás de máscaras - somos como somos. Há um maior respeito entre as pessoas e mais sensibilidade para com determinadas questões, como o ambiente. Existe espírito de entreajuda. Eu vejo o naturismo como um estilo de vida.

Quando alguém decide tornar-se naturista, como é que é o processo de habituação para passar a fazer a vida nu?

Para muitos andar despido já era um hábito em casa. Só faltava ainda experimentarem em locais públicos, passar pela experiência de estar nu em comunidade. Para esses, é tudo mais simples. Para aqueles que, mesmo em casa, ainda não tinham coragem de se despir, a luta é maior. O principal é aceitar o corpo tal como é, a partir daí… quando experimentamos não queremos outra coisa.

Fotografias do maior centro naturista de França

Acreditas que a prática do naturismo tem uma ligação forte à auto-estima de uma pessoa?

Posso contar como funcionou para mim. Antes de experimentar o naturismo era bastante complexada. Durante a adolescência nunca usei biquíni, apenas fato-de-banho e dos mais tapados possível, até cheguei a usar daqueles de natação com gola alta. Ainda hoje tenho alguns complexos (muito poucos), mas quando estou despida sinto-me bem! E o que leva a esta sensação de conforto e de aceitação é o facto de que, num ambiente naturista, não há julgamento sobre o corpo. Sentimo-nos livres e confortáveis. Não há nada melhor para reforçar a auto-estima.

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Quais são as regras de ouro para a convivência numa comunidade naturista?

O respeito. Respeito por nós próprios e pelos outros. Não são admitidos comportamentos exibicionistas e muito menos sexuais. O naturismo é para ser vivido em família, por isso é necessário distinguir o naturismo de outras coisas.

Aqueles que vivem permanentemente em comunidade, vestem-se, por exemplo, para ir à localidade mais próxima?

Nunca estive em nenhuma comunidade naturista, apenas tenho a experiência da vida no parque de campismo. Mas, claro que nos vestimos para ir à cidade. Não somos diferentes dos outros, a nossa sociedade não é naturista, por isso sempre que não estamos em ambientes naturistas andamos vestidos.

No Inverno é mais complicado…

Como para todas as outras pessoas. Sempre que está frio, seja Inverno ou não, usamos roupa. Costumamos dizer a brincar que 'somos naturistas, mas não somos parvos'. Tal como na questão de ir visitar alguém, por exemplo passar o Natal ou seja o que for. Não vamos a casa de alguém e tiramos logo a roupa, assim como, normalmente, vestimo-nos se sabemos que vem alguém visitar-nos.

Dentro de uma comunidade naturista, como é visto se um homem tiver uma erecção? Por exemplo a típica matinal. Como algo completamente natural, ou como algo a que as pessoas se têm que ir habituando a ver?

Bem, a erecção matinal acontecerá, geralmente, quando ainda estão na cama, em privado (risos). Mas, normalmente em ambientes naturistas é muito raro os homens terem erecções. Desde que frequento espaços naturistas, só vi acontecer uma vez e era evidente que a própria pessoa estava desconfortável com a situação. Queria experimentar a piscina naturista, mas sempre que entrava no espaço tinha uma erecção. Era algo que não conseguia controlar e que o estava a perturbar. Tanto, que acabou por desistir e retirou-se.

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Mas essa é uma questão que muitos homens enfrentam quando querem começar no naturismo. O que normalmente lhes é dito é para, caso aconteça, agirem com naturalidade - esconderem com a toalha por exemplo. Como já referi, o ambiente naturista é muito pouco sexual, por isso é raro despertar uma erecção.

Acreditas portanto que andar sempre nu no meio de gente nua não desperta o lado sexual e pode até acabar por ter um efeito oposto?

Exactamente. Não acho que andar nu desperte o lado sexual. Muito pelo contrário. Um corpo seminu ou com roupas torna-se mais atractivo e desperta a curiosidade. Quando estamos nus não há mais nada para mostrar. Não quer dizer que os naturistas não tenham uma vida sexual e que não se sintam atraídos sexualmente - mas, cada coisa tem o seu local para acontecer.

Como reagem as pessoas não-naturistas ao vosso estilo de vida?

O mais comum é as pessoas aceitarem mas dizerem que não seriam capazes de o fazer. Poucos foram os casos em que alguém se tenha mostrado ofendido ou chocado com o facto de eu dizer que sou naturista. Claro que há sempre risos um pouco marotos ou envergonhados, mas a conversa flui e é sempre uma oportunidade para explicar o que é o naturismo e desmistificar o tema.

As comunidades naturistas – ou os alojamentos naturistas – são alvos de pervertidos ou mirones?

É mais frequente haver mirones em espaços públicos, como nas praias. Em alojamentos naturistas, e calculo que nas comunidades naturistas também, o ambiente costuma ser mais homogéneo e apenas frequentado por naturistas. Claro que acontece que, por vezes, aparecem pessoas que desconhecem que estão a entrar num espaço naturista… mas até há algumas que aproveitam a situação e acabam por experimentar, enquanto outras se limitam a sair. Também há aqueles que aparecem à procura de ambientes mais sexuais, mas ao perceberem que não estão no sítio certo vão embora - ou, se tiverem comportamentos exibicionistas, são convidados a sair.

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Tendo em conta a tua experiência, achas que uma relação amorosa entre uma pessoa naturista e uma não naturista seria algo complicado de gerir?

Conheço vários casais nessa situação. Numa relação que tenha por base o respeito, não tem que ser complicado. Há casais que frequentam espaços naturistas e em que apenas um se despe e há outros em que o parceiro/a não se sente confortável em espaços naturistas e, nesse caso, optam por ir sozinhos e, depois, em conjunto desfrutarem de algo que ambos gostem.

Rui Elvas, Alma Naturista

Foto cortesia Rui Elvas

VICE: Olá Rui, o que achas que leva uma pessoa a tornar-se naturista?

Rui Elvas: Por um lado, a curiosidade, por outro, a vontade de experimentar uma forma diferente de viver. Uma total harmonia com o seu corpo, sem tabus nem preconceitos.

O nudismo tem, para ti, alguma conotação política?

Para mim, tudo é positivo no naturismo, desde a forma natural com que se vive, até à aceitação das nossas características pessoais.

Há algum momento em que andar nu se possa tornar incómodo? Por exemplo, estar susceptível a infecções, é um tipo de problema com que se deparem?
Bem pelo contrário. Um naturista tem menos tendência a ter infecções fúngicas, porque não há um ambiente húmido, como quando se usa fato de banho ou biquíni.

Uma questão mais prosaica: como lidam com o facto de, ao se sentarem em algum sítio dentro de um alojamento naturista, saberem que já ali estiveram milhares de rabos nus sentados?
A toalha é o melhor amigo de qualquer naturista e faz parte da etiqueta de qualquer sítio que se frequente (risos).

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Qual é o objectivo e a missão do Congresso Mundial Naturista que Portugal vai receber em Outubro?
É um local onde são discutidos temas sobre o naturismo a nível mundial e que, este ano, irá decorrer em Portugal. Devemos aproveitar para promover os nossos espaços naturistas, desde as praias aos alojamentos.

Portugal tem o que é preciso para se tornar num destino de eleição para naturistas?
Ainda não. Temos pouca oferta de alojamento naturista (Quinta Maral e Monte Barão) e as praias oficiais não têm estruturas de apoio, o que faz toda a diferença quando se escolhe um destino.

É complicado resolver as questões legais - visto que, por exemplo, andar nu na via pública não é legal - quando se tenta implementar mais alojamentos e praias naturistas?

A nudez não é ilegal, o que é punido por lei é a exposição a menores e o exibicionismo público. Não há dificuldades na legalização de espaço, o que existe é um fraco investimento nesta área e isso penaliza o crescimento de mercado e da oferta.


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