Future

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Guia Noisey para curtir um Future

Um mergulho no catálogo do rapper de Atlanta, um dos inventores da estética do trap com sentimento.

Muita coisa mudou desde “Racks”. Um ano depois do lançamento da sua primeira grande mixtape 1000, o mundo foi mais formalmente apresentado ao Future através de sua participação no primeiro single de sucesso de YC, e as ações dele imediatamente começaram a decolar. Depois de aprender a fazer música com seu primo da Dungeon Family Rico Wade, vender drogas pra viver, sobreviver a um tiro na mão e participar do grupo de rap Da Connect, o artista antes conhecido como Meathead não estava apenas pronto para fazer seu próprio nome num gênero difícil e numa cidade competitiva, mas para dominar o mundo. No processo da dominação total, ele criou um som e um estilo, combinando estéticas rockstar e intergalática com uma composição híbrida de rap de rua e emo, que mudaria a paisagem musical e abriria caminho para gente como Young Thug, Rich Homie Quan, Desiigner, Gunna, Trippie Redd e vários outros descendentes e imitadores.

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Future ascendeu no circuito de mixtapes criando hinos de balada, contos sobre suas batalhas com seus demônios internos, e músicas que cobrem um pouco das duas coisas. Nove anos de carreira depois, agora ele é um dos artistas mainstream mais lucrativos do mundo, fazendo turnês com ingressos esgotados, com cinco álbuns no topo das paradas e vários discos de platina. Não foi sempre uma jornada fácil para o homem nascido Nayvadius DeMun Wilburn. Depois da era inicial de mixtapes/álbuns de rua da sua carreira, ele começou a se envolver com sons mais voltados para o pop em seus primeiros álbuns de estúdio, Pluto e Honest. Apesar desses discos terem ajudado a impulsionar seu perfil, os produtos que ele lançou não estavam no mesmo padrão a que muitos dos fãs estavam acostumados.

Músicas como “Turn On the Lights” e “Trophy” eram boas, mas também apelavam para o mainstream. Essa era da música dele se desviava do conteúdo que o levou à fama e estava sobrecarregada de participações desnecessárias, uma reclamação comum sobre muitas faixas desses projetos. Ele publicamente se apaixonou (e terminou) com Ciara, com quem teve um filho. O relacionamento deles foi o impulso para o decepcionante (na época) Honest, e, depois que eles terminaram, o caso deles virou assunto de coluna de fofoca e colocou Future sob uma luz negativa para boa parte do público. Em vez de deixar esses fracassos afetarem sua carreira, Future trabalhou essas perdas lançando várias mixtapes com que pouca gente além do Lil Wayne e Gucci Mane podem rivalizar, produzindo uma trilogia impecável de álbuns explorando dor, escuridão e perseverança tiradas de suas experiências na vida real, coisas com que era fácil se identificar, mas também sons muito daora de se ouvir.

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Atualmente, vivemos num período em que Future é um dos artistas mais vividos e mais progressistas do rap. Mas mais impressionante, ele pegou sua marca de honestidade, implacabilidade e excessos, e transformou num modelo para incontáveis rappers que vieram depois. Ele não inventou essa marca, mas levou a tradição dos traps confessionais com autotune mais além que qualquer contemporâneo, até o ponto em que esse estilo é onipresente na paisagem do rap hoje. A origem dele, além de sua aura atormentada e o hábito de manter sua vida pessoal privada, são os principais responsáveis pelo status de quase herói folclórico que ele tem. Ele já foi chamado deBeyoncé para homense isso faz sentido. Ele está num nível criativo que pouca gente alcança, e tem uma energia nele que reflete isso. Mas ele também passou pelos mesmos problemas que todo mundo: a morte de um ente querido, coração partido e dificuldade para se desapegar de coisas que nos fazem felizes, não importa quanto elas te façam mal. Future está acima de nós, mas ao nosso lado ao mesmo tempo.

Um homem com muitos alter egos como ele é difícil de classificar. Tem o Future Hendrix, um astro do rock, tem o Super Future, que lança um sucesso atrás do outro de um jeito quase místico. Também tem o Wizard, Fire Marshal e Caesar Lee. E é difícil determinar qual(is) dele está presente em cada música, mas todos são inconfundivelmente Future.

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Mesmo tempo participado de centenas de músicas e colaborado em projetos com alguns dos artistas mais populares do mundo, são nos trabalhos solo que suas qualidades mais impressionantes brilham. Com o lançamento do último projeto de estúdio dele, The WIZRD, agora é uma boa hora para olhar para a carreira de uma década dele e lembrar quão longe ele foi, e ter uma ideia do tipo de crescimento e evolução que você pode esperar enquanto a carreira dele continua avançando para, der, o futuro. (Desculpa.)

Future Rei da Balada

Faz sentido começar por onde Future começou.

Dizem no rap que as stripper são as melhores agentes de Artista & Repertório. Em Atlanta especialmente, e na boate Magic City especificamente, como destacado nesse documentário da GQ, você precisa ter o aval das mulheres que são a razão para o pessoal frequentar os clubes se quer fazer sucesso. E o Future sabe exatamente como ganhar a aprovação delas.

Com certeza você já ouviu os maiores hits dele. “Wala (Magic)”, que menciona o marco lendário de Atlanta do qual falei acima, a enérgica “Fuck Up Some Commas” e “Mask Off”, ou a música preferida de todo mundo envolvendo uma flauta, só pra nomear algumas. Mas indo mais fundo no catálogo dele, você encontra músicas que ainda ficariam no topo das paradas se fossem lançadas hoje. “Gone to the Moon”, do álbum de 2011 Streetz Callin, é a música perfeita pra cantar junto gritando durante a saideira no bar. “Jordan/Diddy”, do disco Astronaut Status de 2012, vai te fazer sentir como se você também fosse o Michael Jordan da cidade. Parte de curtir o Future é voltar para essas músicas anos depois e perceber: “Caralho, esse som ainda é muito foda”.

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Mesmo que a qualidade da produção e das letras tenha crescido desde o começo da carreira dele, Future ainda consegue se manter fiel ao que tornava suas músicas de festa divertidas como da primeira vez que você ouviu. Ele ainda te faz querer subir na mesa, usar substâncias questionáveis e fazer chover 10 mangos em notas de um fingindo que são $10 mil. Como Drake demonstrou com “Back to Back” durante sua treta com Meek, o melhor jeito de colocar o público do seu lado é dar a ele um som que faça as pessoas pularem, e tem pouca gente na indústria que faz isso tão bem quanto o Future.

Playlist: “Maison Margiela” / “Fly Shit Only” / “Mask Off” / “RITE” / “Karate Chop” / “Rockstar ft Nicki Minaj” / “All I Want Is Some Money” / “Racks” / “Tony Montana” / “Freak Hoe” / “Wala (Magic)” / “Coupe” / “How It Was” / “Real Sisters” / “Jordan/Diddy” / “Gone To The Moon”

Future Romântico

Todo mundo conhece a história do Future e da Ciara. Não dá pra esquecer a participação dele em “Body Party” e o remix, as duas tão legais quanto o clipe. E não é segredo que o relacionamento deles é responsável pelas músicas de amor em Honest. Ela até aparece no clipe do single do mesmo nome. Enquanto a principal discussão aqui é como o fim do relacionamento deles foi o impulso para o revival dele, essas músicas também mostram que por baixo do exterior durão do Future tem um romântico. Enquanto a música dele geralmente te incita a comportamentos mais selvagens e emocionalmente imaturos, o Future também consegue te fazer ligar para aquela pessoa em quem você não consegue parar de pensar e falar sobre seus sentimentos.

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O homem que aparece nessas músicas se entregando completamente à vontade daquela que ele deseja é, de muitas maneiras, uma contradição para a persona pública do Future. Conhecido por pular de uma mulher para outra, é surpreendente ouvir ele passar músicas inteiras (“Use Me” e “Good Look”, por exemplo) se dedicando àquela que ele realmente amou. Mas como Future disse a Zane Lowe em 2017 antes do lançamento de FUTURE e HNDRXX, quando perguntaram por que ele estava lançando dois discos tão dramaticamente diferentes — um tour de force trap e o outro um experimento avançado de R&B — ele respondeu: “Alguns dias você se sente diferente”.

Por mais divertido que seja sair toda noite, usar um monte de drogas e transar com pessoas que você conheceu meia hora atrás, o que todo mundo quer no final das contas é alguém especial para quem voltar, alguém que torne tudo melhor só por estar ali. Future entende isso. Um homem com tantos alter egos quanto ele sabe que os humanos contêm multitudes, e essa seção da discografia dele é outra prova disso.

Playlist: “Good Morning” / “Turn On the Lights” / “Rider” / “Good Look” / “Rich Sex” / “Use Me” / “I Be U” / “Throw Away” / “Selfish ft Rihanna” / “I’ll Be Yours” / “Neva End” / “No Matter What” / “Lie to Me”/ “My Ho 2” / “Feeling I Get” / “Like Ohh”

Future Motivacional

Alguns anos atrás, eu não estava tendo muita sorte no mercado de empregos e estava trabalhando num café enquanto tentava descobrir qual seria meu próximo passo. Ser barista significa que grande parte do trabalho é lidar com pessoas que ainda não tomaram seu café, e te juro que eu estava me sentindo mais deprê do que posso descrever. Num dia especialmente bosta, depois que levei bronca por discutir com um cliente que ficou puto porque achava que a banana que veio no pedido dele não estava madura o suficiente, fui para minha pausa para o cigarro ouvindo F.B.G.: The Movie, a compilação de Gangsta Grillz x Freebandz. Na metade do projeto ouvi “Chosen One” do Future e Rocko, e uma ficha caiu. Qual exatamente, ainda não tenho certeza, mas naquele momento eu soube que tinha que mudar alguma coisa. Então, quando saí do trabalho eu fui pra casa, comecei a enviar inscrições para escolas de graduação. Sério. Aquele aspecto indutor de ação da música do Future é parte da razão para eu estar numa situação muito melhor hoje.

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A amplitude do Future para criar músicas para dançar e/ou chorar muitas vezes ofusca um dos outros pontos fortes dele: fazer música para te motivar. O trap sempre serviu pra isso até certa extensão, e Future é um especialista em continuar a tradição. É só ouvir “T-Shirt”, “Colossal” ou “Wolf”, com suas histórias de ascender ao topo apesar de todas as probabilidades contrárias enfrentadas pelo nosso herói. Faz sentido que seja tão natural para ele contar esse tipo de história. O homem chegou ao topo do mercado saturado de Atlanta quando algumas das maiores estrelas em ascensão, além de lendas das antigas, estavam começando a encontrar apelo no mainstream.

Convencido de que muitos colegas estavam tentando surfar a onda dele sem demonstrar o devido respeito, ele continuou evoluindo e melhorando em cada mixtape, provando que usar a fórmula de Future e ser o Future eram duas coisas muito diferentes. Uma rivalidade inicial com Drake poderia ter fechado várias portas, mas ele conseguiu transformar o possível nêmesis num parceiro de negócio de sucesso. Uma batalha legal com o ex-chefe de gravadora e mentor Rocko poderia ter sido um bloqueio na estrada, mas isso não desanimou Future, e depois de tudo ele lançou dois dos melhores projetos de 2017.

Porra, o DJ de turnê e produtor dele, DJ Esco, foi preso numa cadeia estrangeira em 2014, e a polícia confiscou os hard drives com as músicas em que ele e Future estavam trabalhando. Em vez de desistir e deixar a situação estragar o impulso, eles fizeram 56 Nights, uma mixtape temática da época em que ele ficou preso, e sem dúvida um dos melhores projetos de Future. Não importa qual seja a adversidade, ele já conseguiu lidar com barreiras que teriam significado fim de carreira para muitos colegas. Para o Future, não há desafio grande demais, não há montanha alta demais.

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As faixas motivacionais dele vêm em diferentes formatos. Tem músicas como “Championship Music” de True Story e “Inside the Mattress” de Purple Reign, onde Future usa batidas lentas e implementa diferentes flows em suas explicações do porquê ele vai escolher parar de perseguir o que ele merece. Do outro lado do espectro, você tem faixas mais intensas como “T-Shirt” e “Rent Money”, com baterias mais pesadas e atmosferas intensas, que soam como se Future tivesse certeza de seu sucesso. Uma coisa que todas essas faixas têm em comum, independente dos BPMs ou do tema, é que perder é para perdedores, e nem o Future nem você precisam ser um a menos que queiram. Quer você trabalhe num escritório, numa esquina, num estádio ou sei lá onde, o Future tem uma música para te motivar a ser o melhor no que você faz.

Aliás, consegui entrar num programa de graduação e concluir um mestrado. Fui ouvindo “Blood, Sweat, Tears” no caminho para a cerimônia de formatura.

Playlist: “No Compadre” / “Stick Talk” / “When I Think About It” / “Colossal” / “Jersey” / “Rent Money” / “Inside The Mattress” / “Championship Music” / “Lil Haiti Baby” / ”T-Shirt” / “Wolf” / “Chek” / “Break The Rules” / “Forever Eva” / “Chosen One” / “Blood, Sweat, Tears”

Future Introspectivo

Esse é o Future que muitos fãs vão apontar para te dar uma ideia do que torna o som dele tão especial. Apesar das muitas baladas de amor e hinos de festa revigorantes que ele fez, são as canções onde ele olha para dentro e lida com seus demônios que o destacam entre outros rappers. Pense assim: o cara tem um álbum chamado Honest, e desde seu lançamento ele continua fazendo projetos ainda mais honestos que aquele.

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Future não é a primeira pessoa a pegar confissões cruas e emocionais de dor, e justapor contra contos hedonistas de baladas e uso de drogas em batidas trap. Artistas como Z-Ro, Pimp C e Boosie Badazz são apenas alguns que podem ser contados como ancestrais do Future nesse sentido. Mas o que diferencia Future não é apenas o grande número de músicas que ele fez nessa veia, é o jeito como ele consistentemente criou sons apropriados para uma variedade de ambientes, contendo uma vastidão sonora neles. É uma coisa extraordinária de testemunhar. Você pode se divertir com as músicas dele, pode sentar em silêncio pensando na vida, e tudo no meio disso. E não importa quantas vezes você ouve essas músicas, elas ainda conseguem te emocionar. Você não estaria errado em considerar essas músicas cheias de reflexão e remorso como um subgênero na discografia dele.

Um dos melhores exemplos disso é “Deeper Than the Ocean” de 2012, que mostra o Future lamentando os problemas de sua fama recém-descoberta, e tentando equilibrar ser fiel a sua antiga vida enquanto se aclimata a novas circunstâncias:

Takin' three drugs at one time, duckin' one time
Can you niggas stop hating on Future for one time?
I commit a million crimes
That ain't enough for you
I'm a sell a million rhymes
All that shit I been through

Em músicas com “Hate the Real Me” de Beast Mode 2, você ouve Future lidando com o vício em drogas que ele tinha acabado de celebrar nas faixas anteriores. (“Pouring up in public, damn, I hate the real me / My mama stressing out, she say these drugs got me”.) E depois tem “Codeine Crazy”, uma música que tem milhares de palavras de ensaios e tuítes escritas sobre ela, e continua mantendo sua posição de importância na discografia dele quatro anos depois do lançamento. Como o ex-jornalista da Noisey Kyle Kramer apontou sobre “Codeine Craze” em 2015: “Nunca ouvi Future, um cara que um ano antes lançou um hit chamado 'Honest', parecer tão honesto e vulnerável.”

O que é tão tocante nas expressões de Future de dor e remorso é quão aberto ele está disposto a ser quando as compartilha. A imagética de um homem numa batalha eterna com sua alma, combinado com o uso dele de autotune e das cadências e flows certos para transmitir suas emoções, levaram a algumas das canções mais contemplativas e que te assombram do século. Essas músicas são cativantes porque Future não tem medo do tipo de autoanálise que tanta gente morre de medo de fazer na própria cabeça, quanto mais para um público de milhões de pessoas.

Numa entrevista recente para o The Fader, Future disse que ele quer fazer mudanças construtivas na sua vida e que começou a se comportar mais como um modelo para os outros:

Quero falar para homens que cansaram de passar por certas coisas, mas também sentem que não vão se tornar a pessoa que eles são. E eles ouviam Future, e se tornavam uma pessoa melhor. Isso não fez eles sentirem que as coisas erradas que eles estavam fazendo eram boas. Como se eu tornasse todos os erros incríveis. Como se eu tornasse todos os seus erros bons. Não quero mais fazer seus erros serem bons. Quero iluminar o que é certo. Só quero ser aquela voz que alcança as pessoas e ser visto como alguém mais positivo, alguém que é um inovador ou que empodera mulheres. Quero empoderar os homens com o mesmo poder, mas do jeito certo.

Mudança é sempre algo assustador. Tem sempre uma chance de que ele cometa os mesmos erros de sua última transição em 2014. Mas esse não é o mesmo Future que lançou Honest. Essa é uma pessoa mais sábia e experiente, com um entendimento melhor de sua arte e do mundo.

Playlist: “Slave Master” / “Deeper Than The Ocean” / “News or Somethn” / “56 Nights” / “Hate The Real Me” / “Codeine Crazy” / “Red Light” / “Kno The Meaning” / “Perkys Calling” / Sorry” / “Feds Did A Sweep” / “Hardly” / “Purple Reign” / “If You Knew What It Took” / “4 My People” / “Might As Well”

Matéria originalmente publicada pelo Noisey US.

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