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Música

David Chase, Criador de Família Soprano, Revisita a Música da Série

Prepare-se para fritar o cérebro e entender como esse cara colocou Andrea Bocceli e Slipknot na trilha sonora de uma das maiores produções da TV americana de todos os tempos.

Logo antes do momento que precederia seus créditos finais e imortalizaria seu lugar na história da televisão, o episódio final de 2007 da série Família Soprano introduz uma última personagem crucial: uma jukebox. Sua extensão lateral à mesa, posicionada entre os assentos em que o chefão e patriarca da máfia de Nova Jersey, Tony Soprano (interpretado pelo grande e falecido James Gandolfini), está sentado para uma refeição no diner Holstein's, a jukebox emite "Don't Stop Believin", do Journey, música selecionada por Tony. Enchendo o seu cantinho de Americana com aquela amostra do rock de arena dos anos 80, a jukebox convoca a chegada da esposa de Tony, e também do filho e da filha, para a saída noturna em família – isto é, até que o criador de Família Soprano, David Chase, abruptamente desligue a música, e também o vídeo da cena, para terminar o programa com silêncio e escuridão absolutos. Embora muitos tenham associado Chase a esse (não-)final de série revolucionário, notoriamente ambíguo, um símbolo ainda maior de sua influência pode ser encontrado na jukebox daquela última cena: uma máquina onipresente que dá a Família Soprano o último sopro de vida sonora, uma série cujas seis temporadas estão repletas de inventividade musical.

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A persona rock'n'roll há muito cultivada por Chase, diz o co-roteirista e co-produtor de Família Soprano Matthew Weiner, é a última entidade a rabiscar seu nome no tecido da série. "É igualzinho quebrar a sua guitarra. [David] estava batendo e destruindo a própria guitarra, e dizendo: ‘Tony Soprano foi-se embora’", afirmou Weiner ao EmmyTVLegends.org. Se Chase é a jukebox de seu final de série, então a mensagem dessa última e rebelde música é: Assim como eu lhe trouxe para esse mundo, posso tirá-lo dele. Assim como criei esse mundo, posso também destrui-lo.

Sempre um espírito rebelde, Chase normalmente nega os pedidos de fãs e críticos para decifrar o “significado” ou a intenção de Família Soprano e de sua miríade de camadas estéticas e temáticas. Não obstante, oito anos após o fim da série, o Noisey chegou no Chase para refletir, ao estilo fluxo de consciência, sobre várias faixas da aclamada e eclética trilha sonora da série, cuja compilação foi supervisionada por ele. Uma obra de perícia híbrida, a trilha sonora de Chase para Família Soprano se aproveita de e mistura uma multiplicidade de artistas, gêneros e vibes auditivas para pintar a paisagem de seus reinos retratados da máfia ítalo-americana, da vida das famílias nos subúrbios, e da psicoterapia moderna. Embora Chase não tenha deixado de resistir à interpretação de vários momentos de Família Soprano durante nossa conversa, sua revisitação de alguns cortes nobres da trilha sonora da série revelou mais sobre seu processo criativo e sensibilidade do que qualquer leitura literal da letra de uma música ou das tomadas de uma cena. Chase nos diz que ama "entrar e sair de níveis" – e é bem isso o que ele faz, enquanto ziguezagueia entre seus vários níveis de autoria musical para navegar pelos temas retratados em Soprano – classe, corrupção, crime, gênero, raça, religião, filmes de faroeste e de máfia, doença psicológica, e o que significa ser "o cara", e o anti-herói, no século XXI.

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Noisey: Uma característica essencial que faz de Família Soprano um programa "de Jersey" é sua base no mundo do rock. O consigliere de Tony Soprano, Silvio Dante, tem contatos com a cena de clubes de rock de Nova Jersey. Silvio, no passado, quis ser cantor, o que não deu certo, e então ele virou mafioso.
David Chase: A série acabou pendendo para isso, porque foi informada pelo fato de que Silvio é [o guitarrista da E Street Band] Stevie Van Zandt, que começou sua carreira na vida real exatamente desse jeito.

Stevie Van Zandt disse certa vez que, de início, você insistiu que a trilha sonora de Família Soprano fosse composta majoritariamente de bandas que Tony e sua esposa, Carmela, de fato teriam ouvido na época do ensino médio.
Não exclusivamente, e nunca foi. Mas com certeza, qualquer música que o Tony ouviria, que tocaria nas rádios que ele escuta, aí sim. Em parte foi esse o motivo da inclusão de "Don't Stop Believin". Ele teria gostado daquela música na infância, ou na juventude. Teria feito parte da playlist dele.

Stevie achou que o seu plano seria usar um monte de música merda daquela época…
Usei para provocar o Stevie. Teve uma vez que dei um sustão nele, e disse que colocaríamos uma música do Lover Boy, e ele disse: "Ah, não!" Sim, "usar um monte de música merda", essa foi a interpretação dele.

Os comentários do Steven fazem lembrar do dilema entre "qualidade" e "autenticidade", no que diz respeito a escolher a música da série. Teve alguma vez em que você decidiu que a autenticidade do que os personagens ouviriam era mais importante do que a ideia que você faz de uma música "de qualidade", ou vice-versa?
Pergunta excelente, e difícil também. Será que eu usaria a palavra "qualidade"? Eu colocaria da seguinte maneira: não dá para usar só música foda. Nem todas as músicas podem ser boas, porque a vida não é assim. Você ouve rádio e lá tem muita merda. Você vai na casa dos amigos e eles põem alguma coisa para tocar, ou você ouve uma música vindo do andar de cima, e pensa: "Ah, meu Deus, eu não suporto essa música!" Já vi gente indo por esse caminho, em que todas as músicas são boas. Isso tira você do momento.

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No primeiro episódio da segunda temporada, "Guy Walks Into A Psychiatrist's Office", "It Was a Very Good Year", do Frank Sinatra, toca durante a montagem de abertura. A sensação que a música passa é a de uma meditação sobre como os personagens vão em direção ao futuro…
A intenção era mostrar os personagens sozinhos e no início de uma nova fase de suas vidas. "It Was a Very Good Year" foi a única vez que usamos uma música para fazer um comentário… "Meta" é a palavra, mas não gosto dela… Estávamos comentando o fato de que a série tinha feito muito sucesso. Isso era parte da piada: a primeira temporada fora "a very good year", um ano muito bom. Foi a única vez que fizemos isso. Mas funcionou também no âmbito da história, dos personagens.

É uma montagem de olhares. A mãe de Tony, Livia, tem o olhar perdido na distância, Carmela também, no momento em que leva a comida para a mesa, Paulie Walnuts, capo de Tony, faz uma careta enquanto transa com a amante, Silvio se olha no espelho, AJ, filho de Tony, se olha no espelho…
A série como um todo era sobre envelhecer, sobre tempo e mortalidade. Na base mais fundamental, era disso que Família Soprano tratava: de como usamos nosso tempo na Terra. E essa foi uma das primeiras vezes em que apresentamos esse tema musicalmente. Por isso colocamos as pessoas sozinhas, se olhando no espelho, ou com o olhar perdido na distância. Elas estão refletindo.

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As reflexões dos personagens são muitas vezes expressas musicalmente na série. Para Carmela, "Con Te Partiro", cantada por Andrea Bocelli, por toda a segunda temporada, significa suas reflexões sobre o relacionamento com Tony.
"Con Te Partiro" usamos quatro ou cinco vezes. Era uma música imensamente popular naquela época. Foi por isso que usamos, ela estava no ar o tempo todo. Se Carmela e suas amigas fossem pessoas de verdade, vivendo em Nova Jersey, elas teriam adorado essa música, a ouviriam o tempo inteiro, e a colocariam para tocar o tempo inteiro. Não quis investigar o que dizia a letra, porque a música funcionava emocionalmente sem que você entendesse o que [Bocelli] estava dizendo. O que ela significava, para Carmela, era: "Quero estar em qualquer outro lugar que não aqui. Não quero a minha vida. Quero uma vida diferente." Isso significa nostalgia pelo velho país. Andrea Bocelli é retratado na mídia como um homem gentil, meigo. Ele é cego, nunca magoaria ninguém. O completo oposto de Tony. Alguém com quem ela poderia ser maternal, de quem ela poderia cuidar, e que sempre diria "obrigado" em vez de "é isso que tem para a janta hoje?". Era isso o que passava pela cabeça dela. Lembro dessa música tocar quando as mulheres estão almoçando no Vesuvio…

Sim, no episódio quatro da segunda temporada, "Commendatori". A música volta mais tarde, enquanto Tony fica olhando a chefona mafiosa, Annalisa Zucca, tomar banho de sol na Itália, e essa cena corta para Janice surpreendendo Carmela, que está ouvindo a música. Janice diz a Carmela: "Essa música, meu Jesus…"
Janice, naquele momento, estava mais para uma rebelde, para uma intelectual. Janice estava morando em Seattle, e você sabe o que estava acontecendo em Seattle na época. Janice era simplesmente muito moderna, moderna demais para aquela música.

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Ela está se recusando a identificar-se com o drama das mulheres que amam a música. Nesse sentido, Janice está exprimindo uma ideia feminista.
É uma ideia feminista. Essas músicas italianas, na verdade todas elas falam de sofrimento. Mesmo que você não entenda a linguagem, entende a emoção daquelas músicas. "Con Te Partiro" soava como ópera, mas não era. E era tão tocada que Janice fazer aquele comentário sobre a música reforçava seu status de pessoa fora do comum. Mais tarde, Janice volta à velha matriz de Nova Jersey, e se torna uma das esposas. E, nesse momento, Janice ainda se encara como uma pessoa da contracultura. Para Janice, "Con Te Partiro" é terrivelmente middle-brow, classe média demais. É kitsch.

Outra reinterpretação do "kitsch" musical da cultura pop em Família Soprano é o uso do Big Mouth Billy Bass no episódio sete da terceira temporada, "Second Opinion". O brinquedo toca "Take Me to the River", de Al Green, fazendo referência ao assassinato do antigo capo de Tony, "Big Pussy" Bonpensiero, cujo corpo foi "jogado na água", assim como na letra da música. Antes, você queria que o brinquedo tocasse "Don't Worry, Be Happy", de Bobby McFerrin, mas McFerrin não gostava do conteúdo da série e não autorizou o uso da música no episódio.
Bobby McFerrin devia ter relaxado e ficado de boa. Algumas coisas foram colocadas em Família Soprano só para fazer rir mesmo. O que aconteceu no fim das contas com o Billy Bass? Alguém o usou para espancar um cara?

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Tony o usou para bater na cabeça de Georgie, o bartender do strip club.
[Risos] Bom, sim, se a música fosse "Don't Worry, Be Happy", seria uma piada bem simplista e idiota, certo? Você está ouvindo "Don't Worry, Be Happy", e a coisa está sendo usada para espancar alguém. Quando não conseguimos, colocamos "Take Me to the River" pelos motivos que você está sugerindo. Naquele momento, Tony teve toda uma revelação sobre Pussy e o peixe. Então, sempre que via a coisa do Billy Bass, se lembrava do caso. Ele teve aquela cena de sonho com o peixe falante.

Você está enfatizando que vários desses momentos foram feitos como piadas – que eles nem sempre estão prenhes de significado. Mas, por outro lado, Família Soprano é uma série sobre psicanálise.
Tudo isso faz parte: reduzir [a terapia] a isso. "Don't Worry, Be Happy" era do guru Meher Baba, esse era o conselho e o slogan dele. Então, aqui temos Tony Soprano em conflito com seu mundo psíquico interior, com seu sofrimento, sua brutalidade, seus problemas, sua tristeza… E tudo é reduzido a "Don't Worry, Be Happy"… Todo mundo devia ser capaz de fazer isso! Seria maravilhoso! Acho que é isso que o Meher Baba estava dizendo: é só isso o que você precisa fazer. Mas isso seria impossível para Tony Soprano, ou para quase todos nós.

Uma música cujo significado foi dissecado até não sobrar mais nada é "Seven Souls", de Material & William S Burroughs, que toca na sequência de abertura do primeiro episódio da sexta temporada, parte I, "Members Only".
Não vou dar nenhuma interpretação dessa sequência, mas posso dizer que tentamos colocar essa música no piloto, e não deu certo. Depois, sonhei com aquela sequência, tendo essa música em mente. Ela tem muitas coisas excelentes… Há o contraponto da voz de William Burroughs. A informação que há sobre os egípcios antigos, que diziam que havia sete almas, e que cada uma tinha um nome diferente – achei isso fascinante, no nível espiritual e no nível da informação. Isso tem relação com o que eu disse antes, o tema global ou subjacente da série, que é a morte, e a natureza efêmera da vida.

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"Eyeless", do Slipknot, toca no quarto de AJ no episódio dois da terceira temporada, "Proshai Livushka", e AJ é super fã de metal. Ele também se afeiçoa ao existencialismo, passa pelos mesmos surtos depressivos de Tony, e está começando a lidar com o fato de que o assassinato é parte da profissão do pai. O metal faz referência aos temas mórbidos e tenebrosos que AJ provavelmente gostaria de explorar na medida em que aceita o que o pai dele faz na vida, e qual é a sua identidade.
A primeira coisa a levar em conta no que diz respeito ao gosto musical de AJ é que muitos rapazes ou garotos da idade dele são obcecados pela morte, são mórbidos. Talvez tenha havido uma época que não era death metal, e uma época que não era sequer heavy metal, mas muitos garotos adolescentes americanos gostam muito de músicas que soam destrutivas.

Quase todo mundo odeia o AJ [risos], e nunca entendi isso. É muito fácil se identificar com ele, um adolescente típico. É claro que ele não vai ser o orador da turma na formatura, e tem alguns problemas. Quando você diz que o pai dele era um assassino – é claro que era. Nunca entendi esse nojo pelo AJ. Não sei como ele poderia ter virado qualquer outra coisa. E ele merece elogios, e os pais dele também, porque fica bastante óbvio, no final da série, que AJ não vai ser um assassino como o pai, e não vai ser um ladrão e um mentiroso. Um mentiroso, talvez. Todos nós mentimos. Mas ele não vai ser um ladrão, um valentão, um assassino. Isso é progresso.

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No décimo episódio da primeira temporada, "A Hit is a Hit", Família Soprano coloca em primeiro plano as tensões raciais entre os gângsteres ítalo-americanos e os gângsteres negros/afro-americanos, 'OG' [Old Gangster] no hip-hop.
Havia muita admiração [pela máfia italiana] da parte dos rappers. Alguém chamou Capone…

Capone de Capone 'N' Noreaga.
Não sei quem Gotti?

Irv Gotti.
[Risos] Irv Gotti! Teve muito disso. A gente só estava interessado nesse fenômeno, e tentando refletir o que estava de fato acontecendo com aquela música naquela época do país. A cena "gangsta" afro-americana usava alguns símbolos exteriores da máfia italiana, quando, na realidade, era totalmente diferente. Mas você sabe, a questão é masculinidade. É bad-boy-ismo e masculinidade.

"Holla, Holla", de Ja Rule, que é produzida por Irv Gotti, toca em uma festa dada pela filha de Tony, Meadow, na casa de Livia, no terceiro episódio da segunda temporada, "Toodle Fucking-Oo". Há uma sensação de que é uma incursão da música jovem, contemporânea, não-branca, à casa da avó de Meadow. Significa uma mudança de geração.
Exatamente. É uma mudança de geração, uma mudança de classe social. Foi uma mudança gigantesca, aquela, de proporções sísmicas. A música afro-americana sempre foi muito valorizada pelos americanos jovens e brancos, e pelos britânicos também, isso desde a época dos primórdios do rock'n'roll e do rhythm-and-blues. Novamente, essa foi uma tentativa de ser fiel à época, criar uma impressão de contemporaneidade. Numa festa de subúrbio branco, você ouve música gangster afro-americana. E isso foi uma coisa que eu vi, vivenciei pessoalmente. Eu tinha uma filha daquela idade. Posso estar errado, mas acho que o que é um pouquinho diferente é que mulheres jovens e brancas dos EUA gostavam desse tipo de música, essa música 'bad boy'.

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No episódio oito da terceira temporada, "He Is Risen", o status "bad boy" de Tony assume a forma do anti-herói influenciado pelo faroeste, em especial no que diz respeito à oposição que ele faz a Ralphie. Quando Ralphie e Tony se aproximam e se encaram em um cassino, a versão dos The Ramrods para "Ghost Riders in the Sky" está tocando na jukebox…
O tema do faroeste em Família Soprano remonta ao episódio piloto. A imagem que Tony escolhe para falar sobre como os americanos perderam a coragem, a capacidade de serem contidos, e de enfrentar os problemas em silêncio e com dignidade, é Gary Cooper. Ele voltou ao tema várias vezes. É também um comentário sobre o fato de que o faroeste é um outro gênero. Há os filmes de máfia e há os faroestes, e os dois não são a mesma coisa. Eles têm passados diferentes, tudo é diferente entre eles. Houve algumas ocasiões em que queríamos deixar isso evidente – que o etos do faroeste não é o mesmo do gângster.

O primeiro episódio da quarta temporada, "For All Debts, Public and Private", tem a versão de Dean Martin para "My Rifle, My Pony, and Me", uma música que depois reaparece nos créditos finais do quinto episódio da quarta temporada, "Pie-O-My"…
É disso que estou falando, a diferença entre os dois gêneros. O filme de caubói era uma história sobre um herói, e o filme de gângster na verdade não é sobre um herói – é sobre um anti-herói, se você preferir chamar assim. Se é que é possível haver graciosidade com esse conceito. Mas o que quero dizer é que há um paradoxo com Tony, que se refere a si mesmo como "um bandido gordo escroto de Nova Jersey", e que ainda assim se compara a Gary Cooper ou se enxerga como um caubói. Os caubóis eram lacônicos. Não falavam muito. "O homem tem que fazer aquilo que tem que fazer", essa era a frase famosa de John Wayne. No mundo de Tony, "o homem tem que fazer aquilo que tem que fazer" é trair seus amigos, dedurar para a polícia – havia muita gente assim na organização dele, embora Tony não tenha feito isso –, pegar para si mesmo o máximo possível, e ferrar com os outros. É diametralmente o oposto de um faroeste. Na medida em que o gênero do faroeste continuava, começamos a ver o anti-herói do faroeste. Mas não é isso que Tony procura, e não é disso que trata "My Rifle, My Pony and Me". Ela é sobre o herói clássico do faroeste.

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Ao final de "Pie-O-My", vemos Tony fumando um charuto num haras junto com seu cavalo, Pie-O-My. Então, aquela entrada de "Ghost Riders in the Sky” na jukebox em "He Is Risen" é um agouro – Tony está se estranhando com Ralphie, que mais tarde ateará fogo ao cavalo de Tony, para receber o dinheiro da seguradora.
O impulso primário, aqui, era sugerir o conflito do "Cara", como é retratado nos filmes americanos: o cara durão, "o Cara". "Ghost Riders in the Sky" é um comentário sardônico sobre como esses dois sujeitos trocariam olhares, porque eles não são caubóis heroicos, não são pistoleiros. Eles não se encontram no meio da rua e sacam suas armas um contra o outro. Na verdade, não acho que isso tenha acontecido na realidade [risos], mas certamente acontecia nos filmes. Então, há uma sensação do patético que musicalmente descreve todo aquele lugar-comum para aqueles dois gângsters de Nova Jersey.

E isso tem a ver comigo também. Cresci numa época em que o faroeste era rei, na televisão e especialmente no cinema. Quando eu era garoto, tinha chapéus de caubói, tinha dois revólveres. Eu tinha uma arma incrível que eu chamava de Fanner 50, e tinha um rifle Red Rider e botas de caubói. Isso foi extremamente importante na minha vida. E, enquanto ia crescendo, fui passando disso para o filme de gângster. Esses filmes todos, de certa maneira, descrevem como ser 'o Cara' ou como não ser 'o Cara'.

A música dos créditos iniciais e finais em "For All Debts Public and Private", "World Destruction", do Time Zone, caracteriza Tony e seus subordinados como homens ligados às facetas mais destrutivas da sociedade – quer seja o capitalismo selvagem, a corrupção, a ganância, ou como todas essas facetas erodem as comunidades em que eles vivem.
Grande música. Causa uma impressão de que essa é a atmosfera na qual Tony Soprano vive – aquele sentimento de fim dos tempos, um sentimento de "para onde estamos indo, como chegamos até aqui?" Um sentimento com o qual Paulie, por exemplo, não se ocupa. Phil Leotardo, não acredito que se preocupasse muito com isso. Little Carmine, não acho que caras como esse se importassem. Mas Tony reflete sobre todas essas coisas, e tudo o que acontece no mundo tem um efeito profundo sobre ele. E não há como enfatizar demais o seguinte: é simplesmente uma música foda pra caralho. Se você quer começar a sua temporada de TV com algo que vai fazer as pessoas [risos] se endireitarem no sofá e apurarem os ouvidos, não há escolha melhor do que essa.

"Evidently Chickentown", de John Cooper Clarke, a canção-poema ao final do segundo episódio da sexta temporada, parte II, "Stage Five", é outra das músicas "fodas pra caralho" de Família Soprano. Você já tinha um relacionamento com a música de John Cooper Clarke antes da série?
Sim, tinha. Costumava ouvir a KCRW em Santa Mônica o tempo inteiro. Era uma ótima fonte quando eu morava por lá. E certa noite, por volta das 11 horas, eu estava ouvindo nos fones de ouvido, e algum DJ de alguma estação tocou essa coisa chamada "Evidently Chickentown", e eu disse: "Algum dia, algum dia! Algum dia isso vai entrar em alguma coisa!" Tenho muito orgulho disso. Achei que funcionou muito bem. Aquela música tirou a maldição de alguma coisa naquele episódio. Só posso colocar a culpa em mim mesmo, mas estávamos flertando um pouquinho demais com O Poderoso Chefão: saindo da igreja, passando por isso, voltando à igreja, ao batismo. E aí reli o roteiro, e achei que o uso dessa música era um contraponto tão forte àquela coisa operática, àquela coisa O Poderoso Chefão, que foi de grande ajuda.

No sétimo episódio da quarta temporada, "Watching Too Much Television", a música que o pessoal põe pra tocar na festa de boas-vindas a Paulie (que estava saindo da prisão), e que Paulie chama de "minha música", é "Nancy (with the Laughing Face)". Bobby Bacala vira para Silvio e pergunta: "Mas que porra? Por que logo essa é a música dele?" Ninguém sabe a resposta, e nunca se explica porque significa tanto para ele. Esse é mais um dos mistérios em aberto de Família Soprano?
Essa música foi escrita por Phil Silvers, sobre a filha dele, Nancy. Frank Sinatra gravou. De algum modo – aquele negócio do que as pessoas sabem e não sabem – Paulie teria ficado sabendo da história. E o fato de ter sido escrita por Phil Silvers seria importante para ele. O que realmente o atraía era a emotividade da música, ou talvez por ouvir dizer que era a respeito de uma garotinha. Se ele fosse um sociopata de verdade, ficaria todo manteiga derretida com esse fato. Ele não tem filhos. Não tem nada com o que se identificar nesse setor, sabe?… "Nancy (with the Laughing Face)" [risos]!

Essa luta para se identificar com alguém é transmitida pela versão ao vivo do The Kinks para "I'm Not Like Everybody Else", que toca nos créditos finais do décimo episódio da quinta temporada, "Cold Cuts". A música é sobre a experiência de sentir que a sua dor e o seu sofrimento são muito mais intensos que os de todo mundo, ou mais do que qualquer pessoa conseguiria imaginar.
[Risos] Sim, certo. Isso é verdade. Você sabe qual é a minha parte favorita sobre essa música? Naquela versão, o pessoal canta junto, e Dave Davies diz "What are you?", e o público responde "I'm not like everybody else!" E são tipo 5.000 pessoas dizendo isso [risos]!

Tony sabota e vai embora do jantar de domingo de Janice, provocando nela um surto de ira. A "felicidade" que ele sente por ela vai só até um certo ponto. Quando ele percebe que ela está mais calma, menos brava, Tony não consegue tolerar.
Ele não quer ficar sozinho com aquilo. Quer ela de volta no esgoto dele. Tony não quer que ela fuja daquela família.

Isso define o personagem de Tony, e, em vários sentidos, é uma música que poderia ser aplicada a todo mundo em Família Soprano.
Acho que você tem razão. Aquele verso "I'm not gonna take it all lying down" ("não vou sofrer quieto") poderia ser aplicado a todo mundo na série.

Tradução: Marcio Stockler