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Música

A Identidade Musical Negra Britânica Está Sendo Apagada Pela Dance Music sem Cultura

Com o índice de audiência caindo drasticamente, é natural apelar para tantas pessoas quanto possível, mas não dá pra negar que uma parte da história está sendo apagada por esta flerte com o mainstream.

Foi anunciado recentemente que o DJ de dancehall Ranks Robbo e o DJ de R&B CJ Beatz foram demitidos da estação de rádio britânica 1Xtra. A medida faz parte da remodelação que o diretor da BBC Ben Cooper estabeleceu para fazer "cortes no orçamento", mas, curiosamente, a emissora de rádio irá manter e promover DJs de balada, como Mistajam, Monki e Friction. A playlist diurna da 1Xtra é dominada por produtores de house como Gorgon City, Kove e SecondCity. Da mesma forma, no ano passado a Capital Xtra, antiga Choice FM, perdeu quase todos seus especialistas em programação de música negra. Soca, gospel e grime foram substituídas por uma lista de reprodução com atenção especial para a dance music com toques de Hardwell e Ministry of Sound. Colocaram a música jamaicana para fora e entraram com Calvin Harris.

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Houveram muitas queixas sobre a transformação destas estações. No início, a Choice FM foi lançada como uma estação da comunidade negra, e, no auge de seu sucesso, nomes proeminentes da música negra no Reino Unido eram ouvidos em horário nobre. Talk shows normais, como o Schumann Shuffle, apresentado pelo comediante Geoff Schumann, discutiam problemas enfrentados pela comunidade negra – desde a educação dos jovens negros através da história até as relações com a polícia. Houve um chamado dedicado e crescente enquanto Schumann trazia convidados ativistas, trabalhadores e políticos, como Dianne Abbott, Gus John e Rosemary Campbell. A mensagem era clara: esta era mais do que apenas uma estação de rádio tocando hits. Tratava-se de identidade.

Este é um grito distante das estações atuais. Capital Xtra e 1Xtra nem mesmo usam o termo "black music" para descrever sua programação. Em 2010 eles deixaram para trás o slogan histórico "Ame a Black Music, Ame a 1Xtra" para usar a neutra "Xtra Hip Hop, R&B. Xtra". A Capital Xtra foi lançada com o slogan "Dança. Urbana. Reino Unido". Eu entendo que com um índice de audiência caindo drasticamente eles queiram apelar para tantas pessoas quanto possível, mas não posso deixar de sentir que uma parte da história está sendo apagada por esta paquera consciente com o mainstream. Eu me pergunto quais as consequências que isso terá na identidade musical negra britânica. Existe nos dias de hoje uma identidade musical negra britânica?

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A realidade é que o Reino Unido nunca foi capaz de nutrir, desenvolver ou mesmo manter a música negra nascida ali. A música urbana britânica sempre esteve no encalço da música urbana norte-americana. Enquanto a música urbana local domina as paradas americanas, o único rosto negro de origem britânica que eu posso pensar que está nas paradas nos dias de hoje é Tinie Tempah. Dizem que os negros constituem apenas cerca de 2% da população do Reino Unido, por isso, a promoção e desenvolvimento de um artista negro britânico será limitada, mas isso é bobagem. Afro-americanos compõem 13% da população dos EUA e isso não impede que o gênero musical seja promovido e apoiado pelas comunidades onde nasceu e pela indústria da música em geral. Outras pessoas citam a falta de solidariedade entre a comunidade negra do Reino Unido. Negros britânicos não necessariamente saem e compram música negra local, muitas vezes preferindo R&B e hip-hop dos EUA. Nos últimos anos, a coisa mais próxima que a comunidade britânica negra teve para chamar de sua foi, provavelmente, o grime, que é, questionavelmente, a música britânica mais importante desde o punk rock. O grime nunca alcançou as paradas como garage fez ou viajou o mundo como o dubstep está fazendo agora. Francamente, o estilo musical nunca teve uma chance, dada a deficiente infraestrutura provocada pelo declínio das rádios piratas e das lojas de discos especializadas, assim como a insistência obstinada da polícia de acabar com qualquer rave. Olhe o que aconteceu recentemente no evento Just Jam no Barbican. Seguindo o conselho da polícia de Londres, o local cancelou o evento, mesmo ele não sendo de grime. Havia apenas um show de grime na programação.

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A questão de uma identidade musical negra britânica coesa é mais do que apenas uma questão de vendas e demografia: é um problema institucional. O Reino Unido tem um problema com o racismo que não estamos dispostos a tratar – e isso se reflete em atitudes negativas em relação a música negra britânica e também contra a cultura negra britânica em geral.

A única maneira que o grime foi autorizado a crescer foi de um modo mais limpo e amigável com as paradas musicais. Em 2009, os artistas de Grime Chipmunk, Tinchy Stryder e Dizzee Rascal todas tinham singles no topo das paradas, mas em projetos com uma veia muito mais comercial do que sua produção anterior. Muito tem sido escrito sobre Dizzee pular na cama com o diabo que é Calvin Harris, mas quem pode culpá-lo? Eu lembro de assistir Dizzee tocar no Shepherds Empire em 2008 na turnê de Maths+English e o local estava semi-cheio. No verão seguinte, Dizzee estava voando alto nas paradas com "Dance Wiv Me", uma faixa que muitos acreditam ser sua sentença de morte. Não foi só Dizzee que sentiu a pressão para comercializar seu som. Em 2009, o padrinho do grime Wiley lançou seu single "She's Glowing ". "Se eu não tivesse outra canção de sucesso a gravadora provavelmente teria me arquivado" e, em 2012, Wiley conseguiu o que queria com o hit irritantemente doce "Heatwave".

Em cada um desses exemplos, a comercialização significa a "danceficação" da música – batidas 4/4 e refrões chiclete. Essa música está sendo vendida de volta para nós pela Capital Xtra e Tinie Tempah como um substituto moderno do que aconteceu antes. Mas é música de aeroporto sem raízes, sem laços com a cultura negra britânica.

Essa é a narrativa que acompanha todas as formas de arte popular negra; é uma coisa pequena, cool e underground até que alguma grande empresa e/ou um público branco começa a comprá-la. Desde a recente apropriação feita pela Miley Cyrus do twerk do dirty south até o pastiche nota por nota de soul de Atlanta feito por Sam Smith, isso continua. Qual é a mensagem aqui? Essa cultura negra só pode ser relevante quando é domada e apela para as massas?

Eu sei que não está na moda falar da música negra em termos de raça hoje em dia, e haverá muitas pessoas que pensam que, com a nossa herança multirracial compartilhada, a ideia de uma identidade musical própria, negra e britânica, é antiquada. Mas toda vez que eu ligo a MTV, todas as estrelas do pop branco que eu vejo parecem estar, de alguma forma, em débito com a cultura negra – de Justin Bieber a Iggy Azalea e até mesmo o Disclosure. O prêmio MOBO, criado para que a música negra britânica tenha uma instituição para rivalizar com o Brit Awards, agora parece apenas homenagear artistas brancos como Jessie J e John Newman. Parece óbvio que neste clima atual as pessoas que estão colhendo as maiores recompensas da música negra não são negras. Se a comunidade britânica negra permanece em silêncio com o desaparecimento das raízes da nossa cultura, então como uma identidade musical negra britânica definida vai ter a possibilidade de florescer?

Kele Okereke é um músico britânico. Siga ele no Twitter - @KeleOkereke

Tradução: Sarah Germano