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Música

O EP “Rival Dealer” do Burial É uma Ode para a Crise Existencial da Geração X

"Esse é quem eu sou."

Burial. Eu já conhecia o nome antes mesmo de escutar a música.

Sendo um recente expatriado morando em Londres, minha história não é composta por garage, hardcore, dupstep. Ela é composta por rolês nos subúrbios da Austrália escutando punk californiano. No meio dos anos 2000, o Burial ainda não existia para mim, porém, ainda que separados por sete anos e por continentes, existe algo nos loops de percussão e vozes abafadas no seu álbum de lançamento de 2006, Untrue, e nas faixas “Paradise Circus”, “Kindred” e “Truant” que se aplicam ao meu passado. Está tudo na familiaridade intangível; um som ouvido através de uma névoa que faz a música do Burial tão geracional quanto o seu caráter pessoal, identificando um sentimento profundo e confuso de perda.

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Essa incerteza assustadora, essa realidade sem sentido não se dissipou com “Rival Dealer”, nem com o histrionismo crescente da faixa-título, nem com a marcha da morte acid techno de “Hiders”, só ficou mais agitada. Exorcismos emaranhados te arremessam para a faixa “Come Down to Us” que carrega um pouco de queer trance, e faz ela passar longe de ser um hino para festas de verão e soar muito mais como um culto suicida de aliens no fim do mundo. Uma voz feminina anuncia suavemente, “Eu vi algo”.

O que ela viu? Não foi o Burial.

“O Burial é o William Bevan do sul de Londres.” E daí? Nós acreditamos nisso? Talvez ele seja o Four Tet. Talvez ele não tenha estudado em Elliot School. Talvez não seja ele na foto. William Bevan pode não ser nem seu nome real. O Burial existe envolto na neblina. Ao anunciar “Esse é quem eu sou” em uma declaração que finaliza a faixa “Rival Dealer”, através de samples de vocais codificados que fazem dele o Cidadão Kane da identidade, montado por fontes externas. Isso não é a voz dele, é a voz de todo mundo.

É um nome que reverencia os produtores mortos, as festas ilegais e as raves underground das quais ele nunca foi parte. Comportamento que inclui o fato de ele nunca ter tocado ao vivo. Renegando o prêmio Mercury e permanecendo no mesmo pequeno selo do sul de Londres. Burial não pode ser comprado. Isso, inclusive, é algo falado nas poucas entrevistas que ele deu: o desejo pela autenticidade independentemente das armadilhas da fama e da fortuna.

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Porém, não há nada de autêntico ou real na música do Burial. Elas são criadas em um software de áudio digital, imersas em ruído de vinil falso, reproduzidas de rádios piratas, fitas e vinis e de samples roubados do pop e da cultura universal underground. Todas foram esticadas e manipuladas; é tudo falso. Burial já disse que ele está reverenciando um passado que nunca conheceu. Um passado apresentando à distância pelo seu irmão, que se perdeu na tradução enquanto ele tentava recriá-lo. O seu som é muito mais um saudosismo de um passado que nunca existiu do que uma reminiscência de um tempo que já existiu. Pode não ser autêntico, mas é genuíno. E é genuíno no que não é autêntico.

Como alguém pode se tão sentir desafeiçoado em uma época de abundância? Afinal, existe a internet. Para nós que temos sorte o suficiente de poder acessá-la, temos um mundo de informação, entretenimento e distrações ao nosso dispor. Mas a que custo? Pelo pequeno preço de sua privacidade você pode moldar, otimizar e reanimar sua(s) identidade(s) online, intocadas pela violenta realidade da sua própria matéria. “Em troca da sua liberdade, aqui está uma simulação de acordo com o que você pode pagar. Obrigado.”

Por isso que o Burial fala com uma geração. Uma geração onde a dupla Hype Williams se define como “peões de obra” de um “projeto de arte colaborativo” com a curadoria de uma certa “Danne Frances Glass”, tem o Jai Paul e aquele lançamento de álbum vago, Felicita, SOPHIE, Samuel; todos os artistas surgindo em Londres estão se esquivando da responsabilidade de ter uma persona apreensiva e pública. Esses são os produtores que cresceram na era do vídeo game, antes da internet tomar conta de tudo, mas também antes das baladas serem comercializadas, squats sendo tomados pelos proprietários e todo mundo se tornando obcecado pelos seus 15 minutos de fama no Facebook. “Você não pode se esconder, a mídia marca tudo”, Burial diz, mas isso não o impediu de tentar.

Porque aqueles que praticam o “bullying” que Burial comenta não são crianças inseguras no parquinho de diversões. São as convenções sociais, os sistemas cheios de altos e baixos do controle que oprimem e exploram em escala global. Permita-se ser compartimentalizado, empacotado e marginalizado –via dados, algoritmos, gêneros –e você irá soltar sua liberdade.

Mesmo atrasado, é por isso que o Burial faz essa mudança de direção, a qual ele toma no “Rival Dealer”, para muito melhor. A fascinação com a distância exótica (reminiscências do ambiente New Age do Future Sound of London) vem à tona na epifania esquisita misturada na faixa “Come Down to Us”. Os samples de sons estridentes de latas de tinta, trens e aerossol que estão na abertura da faixa “Rival Dealer” -que é uma porrada violenta de acid house- são o som da resistência. O baixo esmagador e a batida frenética e palpitante de “Hiders” traz a lembrança do Segundo Verão do Amor e dá a dica para um terceiro. Existe um poder na autodestruição, e a ode de Burial direcionado ao hedonismo da cena clubber expressa isso.

A mutabilidade e o movimento são a chave para a evasão, reificação e para tudo que é descartável. Seja imprevisível, não corresponda às expectativas, e, não importa o que você faça, não conte para as pessoas quem você é –ou, pelo menos, quem eles acham que você deve ser. Por que se entregar? Ao encontrar a exposição você se torna exposto. Privacidade, segurança e liberdade. Essas são as coisas que nós abrimos mão sem ao menos perceber. O Burial está perdido, vagando eternamente para tentar trazer as pessoas de volta, anunciando, novamente, no fim de “Rival Dealer”, “esse é quem eu sou”, porque quem ele é não é quem eles gostariam que fosse.

Siga a Steph Kretowicz no Twitter: @StephKretowicz