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Música

Conheça Lupe Fuentes: A Ex-Atriz Pornô que Virou DJ de Deep House

A artista espanhola contou como é a vida noturna de Madrid e sua passagem pelo grupo The Ex Girlfriends.

“Na semana passada conhecemos o Ninja do Die Antwoord!”, me conta Lupe Fuentes enquanto come churrasco num restaurante do Brooklyn. “Adoro gente assim, que está cagando e andando. Faça o que você ama independente do que as pessoas pensam.”

Se você está habituado a sites como The Pirate Bay, XTube, RedTube ou qualquer outra combinação entre vídeos adultos e torrents entre 2012 e 2013 (não minta, você está) e ainda não instalou um plugin anti-popup, então há uma grande chance de que você já tenha assistido a este vídeoclipe de uma banda pop de EDM chamada The Ex-Girlfriends. Talvez você tenha fechado a janela imediatamente porque estava mais preocupado(a) em se curtir. O que você deveria ter feito (como eu fiz) era pesquisar a fundo que porra era aquela que te fez perder quatro minutos da sua vida, e adiar sua curtição pra depois. Há algo extremamente cativante em “We Are The Party”: a canção soa como um hit pop arquitetado pra ter exposição máxima, estilo “Like A G6” (maravilhoso clássico) ou “Party Rock Anthem”, mas a ausência de um orçamento multimilionário faz que tenha ganhado ares de produção caseira. A indicação mais clara disso é Danny Trejo dançando numa roupinha de coelho durante todo o vídeo. A mulher (adolescente?) cantando parece familiar, no entanto, não parece? É como se você já a tivesse visto antes na internet. Sim, já viu, mas não vou linkar nenhum dos vídeos dela aqui porque provavelmente você está no trabalho.

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Apesar de estar agora aposentada da indústria, a carreira de Lupe Fuentes no pornô foi sem igual. Depois de lançar um site amador em 2007, ela assinou contrato com a maior empresa de entretenimento adulto da Europa e atuou numa caralhada de filmes. Fuentes foi da Espanha pros EUA e continuou seu trabalho lá, onde alcançou o sucesso -- depois de estrelar em mais de dez filmes, ela foi indicada a (e ganhou) uma série de prêmios em filmes adultos, além de ter trabalhado com fotógrafos como Terry Richardson e Joan Crisol. Ela até ganhou uma Real Doll (que, praqueles que não estão familiarizados, é um manequim sexual de silicone em tamanho real) feita com as suas medidas.

Aos 4:09 do vídeo não é difícil perceber o que fez Lupe Fuentes se destacar. Em 2010, um fã que portava um DVD com o trabalho de Lupe foi detido na alfândega saindo dos EUA pra Porto Rico e acusado de porte de material ilegal e transporte de imagens envolvendo menores de idade praticando condutas sexuais explícitas. A pedido do advogado de defesa, Fuentes voou até lá pra testemunhar em seu favor, fornecendo sua identificação e as datas da produção dos DVDs pra provar que ela tinha mais de 18 anos na altura da filmagem. Sem maiores surpresas, isso trouxe um certo grau de infâmia pra carreira dela, assim como as repetidas aparições no programa de rádio de Howard Stern. Não é incomum pra atores e atrizes (de todos os tipos) começarem a “atacar de DJ”, mas a sua trajetória única, assim como sua quase obsessiva devoção à música, talvez deem aquele empurrãozinho que a carreira dela precisa pra mudar de rumo.

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Conheci Lupe no escritório da VICE em Williamsburg num dia cinzento e miserável de inverno. Ela estava numa empreitada promocional neste dia -- ela acabara de chegar de um voo super atrasado de LA, e depois ainda teria uma reunião com seu assessor de impensa e ainda iria estrear uma faixa no programa BPM da XM Radio. Apesar de ter dormido pouco e estar com a agenda cheia, ela estava ansiosa pra me contar sobre a guinada na sua carreira. Ela nasceu em Cali, na Colômbia, e se mudou pra Madri aos nove anos. Desde a tenra idade, Fuentes já estava envolvida no que ela chama de “estilo de vida aberto” da vida noturna da cidade, nomeadamente os clubes que funcionam madrugada adentro (na Espanha você praticamente é amamentado com vinho, então isso é normal). No começo dos anos 1990, Madri abraçava um gênero dançante chamado bakalao. É um homônimo pra “bacalhau” que, na Espanha, é gíria pra explicar como o estilo era importado fresco naquela época. Bakalao é uma espécie de pegada valenciana no New Beat belga, aquele gênero pavoroso de dance music que fez espalhar pelo mundo o horror que é a Euro House. O bakalao ainda apresenta uma leve melhora em relação ao new beat por ser em espanhol e porque os DJs misturavam aquilo com pop e rock. Entretanto, ele também deu origem à Mákina, que por sua fez gerou a dance music mais cafona de toda a história da Europa Ocidental.

Os clubes de Madri que tocavam bakalaohá duas decadas eram basicamente idênticos aos das festas de Bushwhick (tente encontrar um correspondente brasileiro da sua localidade): muita roupa dos anos 1990, música insuportavelmente alta, e droga de merda em abundância. E foi aí que Lupe Fuentes teve seu primeiro contato com a night, e não é difícil perceber como isso influenciou a música que ela fez enquanto estava na The Ex-Girlfriends -- os riffs de teclado MIDI, as linhas de baixo EDM, batidas vacilantes, e vocais altamente sintetizados, são elementos que transformam a sua música numa versão anabolizada das mesmas músicas que tremiam os alto-falantes naquela época. E talvez não seja diferente do que você vai ouvir em clubes madrilenos hoje em dia. Se Fuentes queria levar sua carreira a um rumo musical, esse era o caminho ideal pra ela seguir.

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Apesar de ter se mudado pelo mundo com sua família pra tentar melhores oportunidades de trabalho, Lupe cresceu cercada por pobreza, e foi até sem-teto por um breve período de tempo. “Durante aquele momento, a house music sempre foi uma constante na minha vida”, conta. Quando Fuentes não estava curtindo em raves espanholas, ela estava perseguindo uma florescente carreira de modelo como forma de sustentar sua família. Abandonou o colegial pra posar pra revistas, fazer aparições na TV, pontas em comerciais, desfilar pra marcas, tudo o que eventualmente abriu caminho pro sua bem sucedida carreira em filmes adultos. “Eu estava passando por muitas mudanças na minha vida”, explica, antes de declinar entrar em detalhes específicos sobre o que a fez abandonar a indústria pornográfica.

A renascença da carreira de Lupe aconteceu quase por acidente: ela estava em estúdio com seu marido e empresário Evan Seinfeld (antigo baixista e vocalista do Biohazard), gravando um disco pro novo projeto dele, Attika 7. O produtor executivo do disco, MUDROCK (Avenged Sevenfold, Godsmack) é um grande fã de K-Pop, e então por dois meses Lupe o viu alternar entre trabalhar num disco de metal e “indo ao computador assistir vídeos de K-Pop… era muito engraçado porque assistimos Girls Generation e 2NE1 e me apaixonei pelos vídeos, porque a produção era top de linha. A música era tão divertida e tinha tanta atitude que eu resolvi criar meu próprio projeto”. Ela começou a trabalhar com uma série de produtores e compositores em LA, onde ela aprendeu a usar o Pro Tools e como trabalhar em equipamentos de estúdio. Ela formou a The Ex-Girlfriends com outras artistas e amigas de LA, e elas gravaram um disco e lançaram dois vídeos que arrecadaram milhares de visualizações no YouTube. A recepção positiva levou-as a encabeçar a turnê Rob Zombie's Great American Nightmare. “Tudo que aprendi com todas as pessoas com quem trabalhei me ajudou a começar a produzir minhas próprias coisas.” Menos de um ano e meio depois de formar a The Ex-Girlfriends, Lupe decidiu ir em busca da carreira solo.

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Sua passagem em The Ex-Girlfrieds, por mais breve que tenha sido, foi parte de um grande sonho de vida. “Música sempre foi minha paixão, desde que era criança. Eu costumava tentar fazer música com meus amigos, mas não corria muito bem naquela época”, reflete. “Mas eu experimentei e há quatro anos resolvi tentar fazer isso a sério, e focar cem por cento do meu tempo nisso.” Agora ela usa samples de outros vocalistas, incluindo um cantor de gospel de Compton. Ela também pratica discotecagem todos os dias, tendo instalado parte do equipamento de Evan na casa do casal. Ela cita Fedde Le Grand, Junior Sanchez e Erick Morillo como suas maiores influências. Mas ela também quer respeitar suas raízes -- “quero fazer um som orgânico, com batidas latinas”. Anteriormente, Lupe havia mencionado Celia Cruz e o Grupo Niche como ídolos da infância. “Eu diria que meu som tem suingue e eu gosto de pegar coisas do passado e colocá-las num som moderno… mas meu som é definitivamente mais profundo.”

Até o momento, a carreira de Lupe como DJ decolou rápido. No começo do mês, ela fez sua apresentação de estreia no Exchange LA e no próximo mês ela é atração principal no Drai's Afterhours em Las Vegas. “Eu definitivamente gostaria de voltar a Ibiza… [clubes] tipo Pacha e Space são ideais. É engraçado porque eu costumava ir lá [pra curtir], e agora posso voltar pra tocar.” Ela também está ansiosa pra ajudar a resolver a questão de desigualdade de gênero na cultura dos DJs. “O mundo da discotecagem é um clube de meninos, sem dúvidas”, afirma. “Mas sinto que nos últimos anos, mais mulheres DJs e produtoras emergiram na cena e fizeram um nome, e acho que isso está mudando continuamente… há tanta gente talentosa agora! Gente como Nervo são talentosas e importantes, não é como as coisas que faço, mas respeito o que fazem. Há mais portas se abrindo.” Nesse meio tempo, ela anda se envolvendo com a cena dos clubes de LA, apesar de admitir que depois dos tempos de baladas até 6h da manhã em Madri, “é meio caído” ter que voltar a essa vida noturna mais contida.

A medida que Lupe adentra na terceira fase de sua carreira e continua a colocar a primeira no passado, parece inteiramente possível que ela alcance o sucesso aqui, também. Sua carreira no pornô ser uma nota de rodapé ou parte do seu apelo é irrelevante, na verdade: ela trabalha muito em tudo que faz, e os resultados não vieram de mão beijada. Fuentes está determinada a abraçar a carreira de DJ com o mesmo espírito com que abraçou tudo em sua vida e, se o seu passado é um sinal disso, ela certamente vai arrebentar a boca do balão.

Gabriel Herrera é um escritor em Nova York. Ele está no Twitter - @gabrielherrera