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Música

Metanol na Rua, Ikonika no Comando

A produtora inglesa trocou um festão da Night Slugs em Londres pelo Metanol na Rua que rola em São Paulo neste domingo (9), e nos contou que está curiosa pra saber o que vai acontecer por aqui.

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Vez ou outra me lembro de quando eu era criança e passava horas trancado no quarto com algumas amigas. Me divirto imaginando o que os nossos pais deviam estar pensando: que ou estávamos nos beijando e "brincando de médico" pra valer, ou apenas servindo de cobaia para suas maquiagens ou comidas duvidosas de qualquer pipoqueira ou sorveteira da Eliana. Na verdade, a maioria do tempo era gasto customizando carros, explorando mapas ou arrancando cabeças no Super Nintendo, o que sempre me causou confusão na hora de tentar me encaixar no grande e sinuoso espectro sexual das atividades infantis. No grande cenário da música eletrônica, jornalistas e entusiastas passam pela mesma dificuldade ao tentar encaixar as produções da DJ e produtora Ikonika em algum termo ou gênero que sempre falha em descrever o seu verdadeiro potencial.

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Não é novidade pra ninguém que o mundo dos videogames pode ser bem misógino durante uns 90% da sua existência real ou virtual, com pesquisas sobre o número de mulheres que jogam videogame sendo constantemente divulgadas, causando choque aos que veem o número aumentar cada vez mais. Então quando o nome da produtora Sara Abdel-Hamid , que tem suas produções disputadas por importantes selos da eletrônica contemporânea como Teklife, Hyperdub, Planet Mu e Night Slugs, aparece acompanhado do adjetivo gamer, eu sempre interpreto a palavra como mais do que uma curiosidade, mas sim como uma posição política.

Faixas como "Video Delay", "I Make Lists", "Yoshimitsu" e "Praxis", que faz parte de seu último EP Position, são essenciais para entender o vocabulário visual e calculado de suas composições. Apesar de ser conhecida pelas melodias marcantes e o constante uso de synths de 8-bit e chiptune nas suas primeiras produções, o que a levou a se aproximar do Kode9 e da Hyperdub, ela vem explorando estruturas mais rígidas e menos limpas ao lado do amigo Bok Bok e suas festas do Night Slugs. O próximo volume do Club Constructions (série icônica e contínua de EPs do selo londrino que busca novos produtores e suas abordagens inusitadas com baterias como Kingdom, L-Vis 1990, Jam City e Helix) será dela, por sinal, e promete sair antes de seu próximo álbum pela Hyperdub. "Eu fico pedindo pra ele se apressar", diz ela sobre o Bok Bok, que está masterizando o EP prometido para o começo do ano que vem.

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E após a presença do próprio Bok Bok na última edição da Metanol na Rua, agora é a vez da Ikonika trazer no próximo domingo (9), em apresentação única no Brasil, seu conhecido e marcante set de club, house, techno, hip-hop, dubstep e o que mais lhe der vontade de tocar na hora, "pois eu gosto de criar uma experiência enquanto faço meus DJ sets". Ela esteve recentemente no México, onde se apresentou ao lado de outros artistas da Hyperdub na comemoração de dez anos do selo, e a mina aproveitou um tempo livre pra trocar uma ideia com a gente sobre DDR e Tekken, a influência do Night Slugs e a perda do DJ Rashad.

THUMP: E aí Sara, como você está? O que você anda fazendo?
Sara: E aí! Agora estou em Cholula, no México, dando um tempo antes de tocar por aqui. Depois vou ver vocês aí no Brasil, e então colar na Argentina.

O Alex esteve aqui recentemente com um pessoal da Fade to Mind, e quando estávamos indo pra um clube ele ouviu uma de suas músicas no carro e falou "Caralho, vocês estão ouvindo Ikonika? Reconheço a minha irmã em qualquer lugar…". O que você acha que faz a sua produção, que é tão única, ser capaz de se encaixar em diferentes selos como Teklife, Hyperdub, Planet Mu e Night Slugs?
Eu acho que todos os selos que você mencionou tem uma conexão; estamos todos na mesma página. Cada um é único. Eles se mantêm verdadeiros a si mesmos e sempre colocam a música em primeiro lugar. Eu me sinto muito sortuda por interagir com todos eles. Minha música é a minha expressão, e eu me sinto honrada em compartilha-la globalmente. Eu gosto de criar uma experiência com meus DJ sets e só quero que as pessoas tenham um momento incrível.

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Você nunca esteve no Brasil antes? Foi o próprio Alex quem me disse que gostaria de chamar você para o Night Slugs All Stars, que rola lá em Londres esse sábado. Isso quer dizer que você teve que escolher entre um e outro?
Sim, acho que ele ficou um pouco triste comigo por isso. Eu amo tocar na Night Slugs, é sempre muito bom sair e estar com meus amigos. Eu tive que escolher vir para cá porque não é todo dia que eu tenho essa oportunidade de vir para esses lados. Eu queria a chance de explorar a cultura daqui. Eu só estive no México uma vez antes dessa, no ano passado quando vim tocar com o Kode9 no festival Mutek. Mal posso esperar pelo que o Brasil tem pra oferecer.

E o que você acha da Night Slugs, tanto das festas quanto do selo? Eu li que quando você ficou um tempo sem lançar música, você estava focando  em sair mais e fazer mais DJ sets, e eles foram uma grande influência nessa época pra você trabalhar um material mais club e com mais baterias.
Eu vi o Night Slugs crescer, desde antes de ser um selo. Eu fiquei muito impressionada com o gosto e a visão do Alex. Ir a um monte de festas da Night Slugs me ajudou a explorar texturas mais club, porque naquela época eu só estava exposta a coisas como dubstep, grime, UK funky e garage. Meus gostos se ramificaram e naturalmente isso começou a entrar nas minhas próprias produções.

E agora é diferente curtir uma festa, enquanto está em tour? Quando o Rashad estava aqui foi engraçado, ele não ficou parado em nenhuma das festas, sempre loucão <3 Uma coisa curiosa que eu notei enquanto falava com o Alex sobre o Rashad foi que ele não falava sobre ele mesmo no passado, era sempre "Sim, sim, Rashad é incrível, ele é um cara maravilhoso". Como era a sua relação com o Rashad? Vocês chegaram a tocar juntos?
Tenho sido uma grande fã do Rashad por alguns anos já, e eu já toquei bastante juke e footwork nos fins dos meus sets. Mas eu só fui conhecê-lo há uns dois anos quando começamos a tocar juntos durante as mesmas noites, e todos os dias eram divertidos. Eu nunca tinha perdido um amigo antes, então foi bem difícil para mim. Eu sinto como se fosse ontem quando estávamos comendo pizza em Nova York com nosso amigo Nick Hook, que foi a última vez em que o vi. Ele me deixou com muitas memórias boas, especialmente de quando estávamos no Japão e ele fazia eu e a Laurel Halo rirmos o tempo inteiro.

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Mesmo o Alex tendo essa fixação com clubes escuros, acho que tocar em locais abertos é algo inevitável. Aqui em São Paulo, ele tocou na rua em um evento gratuito, na mesma pegada que você vai se apresentar. Ele pareceu realmente impressionado com a vibe da festa, falou que foi lifechanging. Você acha que esse tipo de club music se adapta bem a um local aberto? Quando você está criando suas músicas, você pensa em onde ela vai ser tocada?
Eu amo tocar sob o sol. Eu toquei em um evento aberto em Montreal há uns anos, e a vibe era completamente diferente. Todo mundo estava feliz, bebendo e dançando. Minha pele precisa de bastante sol, já que não temos muito sol em Londres, então para mim é sempre especial tocar ao ar livre. Eu acho que por sermos de Londres, nossa mentalidade sempre vai ser a de procurar um clube muito escuro para perdermos nossas inibições até que a música fique em primeiro lugar.

E quanto ao seu selo, Hum + Buzz? Você está trabalhando em alguma coisa?
O Hum + Buzz está encerrado. Optimum e eu estamos em contextos bem diferentes no momento. Eu quero me concentrar na minha música por enquanto. Nós não temos mais a mesma ambição, então fica difícil para mim manter um selo sozinha.

Você chegou a tocar em uma banda de rock por um tempo, não foi? Que instrumento você tocava? Você ainda ouve ou acompanha rock?
Eu toquei bateria numa banda de hardcore/metal dos 15 aos 22 anos. Foi uma época importante da minha vida que consequentemente me levou a criar minhas próprias músicas. Eu não acompanho mais a cena do rock esses dias, estou me divertindo demais para isso.

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E que equipamento você tem usado ultimamente para suas produções? Quando eu vi um produtor daqui, o Seixlack, usando uma Maschine durante um dos seus lives, e depois você naquele desafio da FACTmag do Against the Clock, eu comprei uma também e desde então tenho mexido nela aos poucos.
A Maschine é legal, é onde eu faço a maior parte das minhas baterias, brinco um pouco com os volumes e depois começo a editar um pedaço de cada vez. A DAW que eu uso é Logic Pro 8. Eu comprei uma Korg Poly 800 e uma Yamaha DX7 uns meses atrás. Eu tenho preferido usar sintetizadores de verdade ultimamente. Eu gosto de ter algo físico. Tenho usado o Logic apenas para gravar e acertar os arranjos.

Videogames parecem ser outra grande inspiração pra você, e aquela mix para o Diggin the Carts que você fez está incrível. Você ainda joga? Quais games?
Eu jogava muito Streets of Rage, Yuzo Koshiro e talvez Sonic the Hedgehog 3, mas videogames em geral foram algo muito importante para mim. Foi o primeiro tipo de música pela qual eu me interessei. Eu também aprendi muito com o Diggin the Carts, foi bom finalmente ver todos aqueles compositores e ver como eles amaram o seu trabalho e quão humildes eles continuam. Eles tiveram um grande impacto em crianças como eu. Foi muito bom o RBMA ter feito aquele documentário, e que bom que você gostou da mix, foi divertido fazer parte de um projeto assim.

Mas eu sempre achei curioso que alguns jogos que deveriam ser sobre música, nunca tiveram músicas muito boas ou originais, como Guitar Hero ou DJ Hero e outros simuladores. As melhores sempre foram as músicas dos jogos onde a música era algo repetitivo e que acompanhava você durante horas, dias. Eu adorava DDR e Pump It Up quando criança, e talvez isso tenha me influenciado a procurar música oriental e trance, por exemplo, mas eu não diria que me lembro de uma música específica. Você chegou a jogar isso também?
Sim, eu tinha um amigo que tinha um DDR em casa, mas a gente só usava os tapetes pra tentar jogar Tekken! Era bem engraçado. Eu joguei Guitar Hero um pouco, mas sempre achei muito estranho, tipo aquele episódio de South Park. Videogames hoje em dia são simplesmente incríveis. Eu estou pensando em comprar um PS4, mas acho que vou esperar ficarem mais baratos. Eu não tenho jogado muito porque preciso me concentrar mais na música, mas quando tenho tido tempo eu tenho jogado Dark Souls.

E você está trabalhando em algo no momento?
Sim, no meu próximo álbum, mas por enquanto estou só nos rascunhos.

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