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Música

Ouça Um B-Side Exclusivo do ‘Vals’, Primeiro EP do Hojer Yama do Carlos Issa

O produtor e músico experimental apresenta a versão ao vivo do EP nesta quarta no Espaço S/A, em São Paulo.
Foto por Bia Bittencourt.

Já falamos sobre uma das (muitas) viagens experimentais do Carlos Issa aqui, quando ele estreou com seu projeto eletrônico Hojer Yama. O som é uma mistura de techno e ambient que, apesar de passar longe de seus projetos anteriores ligados ao hardcore, traz na essência a busca pela quebra de paradigmas e conceitos em relação à produção e captação de sons. E ele ilustra tudo isso em seu primeiro EP Vals, que ele lança nesta quarta (28) em uma sessão especial da festa OFF, comandada pelo Akin Deckard da Metanol.fm no Espaço S/A, reduto que tem gerido belas apresentações de nomes e projetos conhecidos e iniciantes do eletrônico paulista.

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Além do Hojer Yama, vai ter sets do Thingamajicks Dada, Bruno Dicolla e Non Exist. A festa ainda conta com estande da Kaput Livros e você pode ver mais informações aqui no evento de Facebook.

Aproveitamos a oportunidade da festinha, o Cacá nos mandou uma versão alternativa para uma das faixas do EP, "Anarquitetura", que aprofunda ainda mais a sensação de estar adentrando uma caverna cibernética e a mente anárquica do produtor, fazendo você se perguntar: onde termina um e começa o outro? Para tentar responder isso, trocamos uma baita ideia cabeçuda com ele por e-mail. Falamos sobre o processo de produção do Vals, internet, e mais uma porrada de coisa. Como o próprio Cacá definiu, virou "um tratado de metafísica circular". Ouça a faixa no player abaixo e leia a entrevista na sequência.

THUMP: Como foi o processo de criação desse álbum?
Carlos Issa: Abri um projeto no Ableton Live que virou uma espécie de projeto matriz, tipo um template, que fui modificando quando passava de uma música pra outra, dando um save as, mudando o BPM, equalização, arranjos, sintetizadores, e efeitos, mas sempre mantendo um esqueleto, uma cor geral que pudesse fluir para uma identidade sonora. Comecei a usar instrumentos analógicos nas texturas, mas viajei pra Madri no meio do processo e acabei terminando o disco lá com o que tinha.

Qual a importância de sempre estar experimentando com novos equipamentos, sons e texturas?
Sons e texturas novos são importantes para ampliar o contexto. É ótimo quando aparecem. O estúdio fica maior e mais arejado. Ajudam a relativisar, relacionar, comparar, e equilibrar o que você está fazendo e descobrir seu lugar na paisagem. O campo aumenta e o trabalho perdura porque você conquistou um terreno firme e próprio. É uma maneira também de cancelar a lógica da competição: você pode mesmo criar novos territórios, novas áreas e experiências, novas casas, sem a necessidade de lutar por espaço. A única luta é pela qualidade da hospitalidade pra quem vem visitar seus sons. Seja bem-vindo.

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O que te chama a atenção inicialmente ao criar ou descobrir um som?
Difícil dizer. Isso acontece muito pouco, tem que ficar atento porque às vezes é só uma nova combinação de coisas antigas, ou você só percebe anos depois. Mas o que chama a atenção é o mistério da fonte, como aquilo surgiu, ou qual foi a mudança na sua percepção que de repente fez algo que estava ali perto adquirir uma vida nova. Por outro lado, quando vem do mundo, a novidade é o que mais chama a atenção. Encontrar algo que parece ter surgido do nada. A coragem também impressiona, a quantidade de risco para fazer aquilo vingar, e melhor ainda quando é contemporâneo, porque você pode ver o show, ou até ficar amigo e fazer um som junto.

Devido ao seu trabalho com design, você se sente pressionado a expressar tais sons com visuais também? E é diferente pra cada projeto?
Mais ou menos. Eu não diria pressionado, mas motivado a criar um desenho ou design pro som que apareceu. Fazer uma arte pra música é muito legal, tão legal quanto fazer o som.

Qual é a estrutura do EP? Quem mais participou da produção/masterização?
O EP se chama Vals, que é o nome de um cantão comunista na Suiça. Peter Zumthor tem um projeto lá, as termas de Vals. Um casal de amigos arquitetos ficou especulando nos comentários do post como seria o som do Yama dentro dessa construção depois que eu citei o Zumthor na entrevista. O legal de produzir música eletrônica é que faz sentido citar arquitetos como influência, e o Zumthor é o maior de todos os arquitetos vivos, na minha opinião de leigo. Nunca visitei nenhum trabalho dele, mas tenho um livro incrível da sua obra completa em cinco volumes. Ficar vendo os projetos, os desenhos, as fotos, me dá muita vontade de ligar o equipamento e fazer algo.

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Na verdade, o EP só virou mesmo um EP depois que o Akin publicou no evento da OFF dizendo que era um EP. Até então eu achava que era um álbum, mas achei mais legal ser um EP. Eu cuidei da produção das cinco faixas, que somam uns 40 minutos.

Abaixo, o EP completo, que está disponível gratuitamente em seu Bandcamp:

Anteriormente, você falou que o nome Hojer Yama veio de uma pasta do seu computador onde guardava samples e sons. Ultimamente, tem se falado muito sobre a forma como algumas pessoas organizam-se mentalmente de forma muito similar às abas de um navegador, ou pela forma como organizamos pastas por temas/assuntos. Você acha que o computador e a internet tem influenciado a forma de pensarmos? Você acha que tem algo disso na sua música, ou no seu trabalho em geral?
Somos pré-biônicos e a internet é uma das novas extensões. Entre outras coisas, a internet é uma extensão da memória. Ela lembra o palácio da memória - uma analogia absurda criada por Santo Agostinho - com seus receptáculos obscuros e imagens que saltam na consciência, incontroláveis, vindas das profundezas do inconsciente, imagens que você não solicitou, mas que invadem e atrapalham sua tentativa de usar tranquilamente a memória e acessar seus arquivos mentais com um mínimo de lógica. Não fazemos ou pensamos de um modo similar ao computador ou igual a internet, mas o fazemos com eles, são extensões que ampliam a experiência de mundo de quem pode usá-las.

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Mas a composição em si, da música ou da imagem (e meu trabalho tenta lidar com composição) é algo muito além da nossa vã e magra imaginação e nenhuma extensão nova ou antiga, atual ou obsoleta, faz qualquer diferença no sucesso ou fracasso da operação. Nunca vou saber o que acontece direito no maquinário que faz completar uma composição, e duvido mesmo que alguém saiba quais forças estão envolvidas, como agem, com qual fim… Portanto, agora, inversamente, você é o instrumento de um enigma. Agora você é a extensão de algo indecifrável que opera no mundo através de você. Uma composição não se explica nem se ensina, não tem lógica. O conceito de projeto não dá conta. A intuição não dá conta, a história também não. E quando a composição é bem sucedida, desvela e deixa ver uma estrutura comum a todas as eras, vira mesmo um índice do infinito e da estrutura do todo.

Qual você acha que é o papel da internet na construção/pesquisa dos seus sons? E quanto a divulgação? Você acha que um músico consegue viver de apresentações e shows, e continuar compartilhando a música gratuitamente na web?
A distribuição na internet tem uma influência absurda na forma final do trabalho! A internet fragmenta o álbum, tritura tudo e espalha as faixas… é assim a situação de um disco na internet: ele é um esquartejado. Eu já achei isso um problema, hoje não mais.

Depois de entender que o álbum não é o melhor formato, eu comecei a publicar as faixas avulsas e de graça, junto com um desenho, uma foto ou um vídeo no lugar da "capa".

Publicar músicas e sons solitários funciona super bem no meu caso porque faço músicas longas com quinze, ou vinte minutos. Todas as ideias que poderiam aparecer espalhadas em músicas diferentes dentro de um único álbum, estão condensadas nessa faixa maior. Claro, poucas pessoas vão passar vinte minutos escutando o som, qualquer som, mas também não dá pra querer tudo. Fora isso, tento manter a música num espaço paralelo. Ela nunca vai ser pressionada pra pagar minhas contas.

Já vi músicos com potencial de invenção definhar porque decidiram viver da música. No Brasil, 98% dos que vivem da música são desinteressantes, tem um trabalho que no final serve só pra trilhar os créditos das aberrações da Ancine. A música não pode ter outro cliente que não seja o vazio da invenção e do risco, isso é evidente, e a música é uma entidade que pertence ao universo da prática, nada a ver com a teoria, com projeto ou com ideias. Se você tem bons projetos, boas ideias, mas grande parte da sua prática acontece na demanda do mercado, no cotidiano da publicidade, se você se enfia na lama da prática musical com seus desdobramentos na mercadoria, não vai achar que seu trabalho está livre de contaminação, isso é impossível. Vá ser bibliotecário e deixa a música quieta. É melhor que a música vire hobbie do que mercadoria.

Como você vê o underground paulista, ou brasileiro agora?
Imenso e genial. Só alguns nomes gerais: Norópolis, Submarine Records, Brava, OFF, Metanol, 40% Foda/Maneiríssimo, Comuna, Audio Rebel, Perturbe, Selo Meia-vida, Propósito Records, Desmonta, Dissenso, Tarde Abstrata, Pequenos Comprimidos de Onda, etc., e tudo o que está contido aí. Fora aquilo o que meu puxadinho da memória não recupera inteiro…

Como está preparando a apresentação no S/A?
Está muito difícil passar o Yama para o modo show, tá indo bem devagar… Mas estou trabalhandofulltime nisso - o que às vezes não ajuda muito -, mas  nada do disco vai aparecer na OFF. É assim com o Objeto Amarelo e com todos os projetos: estúdio é uma coisa, show é outra. Nenhuma dúvida quanto a isso. Não dá pra reproduzir o que se faz no estúdio num show. Só estou numa batalha aqui pro Yama não virar uma ruidagem abstrata de música ambiente rápida e sabotar a valsa.