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Obituario

As esquisitices que você provavelmente não sabia sobre Hugh Hefner

Revisitamos a vida de Hef, que morreu na noite de quarta (27), aos 91 anos.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

Hugh Hefner, pornógrafo liberal, morreu aos 91 anos, cercado pela família e amigos. Ele não morreu como viveu, cercado de peitos e bundas de silicone.

Mas Hefner, um grande saco de pancada da cultura pop, também era formado em psicologia, com um QI por volta de 150. Ele sabia bem a caricatura que estava apresentando. O que é interessante: enquanto sua vida foi sendo cada vez mais noticiada, ficamos pensando se havia mesmo alguém dentro daquele roupão. No final das contas o que esse Cidadão Kane do sexo realmente queria da vida? Seu Rosebud era algo mais que a Coelhinha do Mês de Junho de 1996?

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Diferente dos outros óbitos, esse não deve ser completo ou definitivo; ele apenas nos prepara para colher o que ainda está por vir, ou seja, tentar encontrar algo de significativo além da silhueta.

COMO A MAIORIA DAS HISTÓRIA DE HOMENS QUE CONSTRUÍRAM IMPÉRIOS, ESSA COMEÇA COM UMA REJEIÇÃO SEXUAL

Aos 16 anos, lá em sua cidade natal de Chicago, Hefner foi rejeitado por uma garota na sua escola. Logo depois, ele começou a chamar a si mesmo de "Hef" em vez de Hugh, mudou seu guarda-roupa e, mais crucial, começou a desenhar uma tirinha sobre si mesmo — uma versão fantástica dele, aquela que logo começaria a se manifestar na realidade. Em 1959 ele queria promover sua revista, e novamente reinventou sua imagem pessoal, entrando naquele roupão burgundy que ficou para a história. Essa é uma abstração tão deliberada que você quase pode dizer que ele foi o primeiro defensor da ordem cósmica. Ou talvez tenhamos testemunhado um homem que construiu um império sobre um homem que não existia, no corpo do qual ele por acaso morava.

O QUE HUGH HEFNER DEIXA PARA TRÁS, ACIMA DE TUDO, É HUGH HEFNER

Enquanto todos os artefatos que temos da vida de Shakespeare caberiam numa caixa de sapato, o mundo agora pode deitar e rolar em Hugh Hefner pelos próximos 30 anos sem reciclar nenhuma filmagem. O cara está no Livro dos Recordes por sua coleção de lembranças. Arquivar a própria vida era sua obsessão narcisista anal (não confundir com Playboy's Narcissistic Anal Obsessions Vol. IV, em VHS ou Betamax). Seus livros de lembrança vêm desde de quanto ele tinha seis meses de idade. Ele tinha um arquivista pessoal, que registrava tudo que saía sobre a vida do Hef.

A história não é apenas contada pelos vencedores, mas, como muitas empresas de mídia modernas já sacaram, ela é contada por aqueles que têm os direitos autorais sobre conteúdo audiovisual. Nesse contexto, é de se esperar que a reputação de Hefner seja polida nos próximos anos. Por exemplo: a Amazon começou a usar seu acesso às 17 mil horas de filmagens pessoais e mais de 2,600 livros de lembranças do cara para criar American Playboy: The Hugh Hefner Story, misturando documentário e biografia.

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UMA VERSÃO DOS ANOS 30 DO FLASH GORDON É A INFLUÊNCIA MAIS IMPORTANTE SOBRE OS PADRÕES DE BELEZA OCIDENTAIS DOS TEMPOS MODERNOS

Numa entrevista para o LA Times, Hefner lembrava de ver Alice Faye num filme quando era criança, o que fixou nele um ideal específico de beleza — loira + peituda — que ele cunharia em seus empreendimentos desde então.

Foto: Glenn Francis do www.pacificprodigital.com

MESMO ELE ÀS VEZES SENTIA A EMOÇÃO QUE OS HUMANOS CHAMAM DE "AMOR"

Em 1949, ele casou com a primeira garota com quem transou: Mildred Williams. Ele "se guardou" para ela, e a corte durou "dois anos de preliminares". Ele lembrava que "Isso não era incomum na nossa época".

Mas enquanto eles estavam noivos, Mildred confessou um caso, conduzido enquanto Hefner estava no exército. O virgem Hefner sentiu que sempre seria o calouro sexual da esposa. "Depois disso, sempre senti como se o outro cara estivesse na cama conosco." Dez anos depois eles se divorciaram, e, como para diluir a ferida infeccionada de uma ligação sexual profunda, ele começou a trabalhar nas milhares de transas de que sua vida consistia.

Em 1989 ele casou uma segunda vez — com Kimberly Conrad. Aparentemente ele nunca a traiu, e o casal ficou junto por mais 11 anos, gerando dois filhos. Quando eles se separaram, ela e os garotos se mudaram para a casa vizinha.

Em 2012, ele novamente trocou a putaria por alguém com quem pudesse compartilhar o ferrão do tempo. Mas primeiro, Crystal Harris, 60 anos mais jovem que ele, teve que assinar um contrato pré-nupcial severo que agora vai deixar ela sem nada.

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NÃO BEBA DAS TORNEIRAS DA MANSÃO PLAYBOY

Alguns anos atrás, encarando as dívidas crescentes de seu império, Hef foi obrigado a vender a Mansão Playboy, e o mundo imobiliário ganhou o comando sobre seu Xanadu sexual.

Ele vendeu a propriedade para um investidor, Daren Metropoulos, por US$100 milhões, com a condição de que ele pudesse alugar a casa de volta por US$1 milhão por mês. Larry Flynt aparentemente era outro comprador interessado — o arqui-inimigo de Hef queria converter o lugar na Mansão Hustler.

Mas a verdade era que a maior parte do dinheiro estava ligado ao legado histórico do prédio. Como a casa da maioria das pessoas de 80 e poucos anos, a mansão naquele momento tinha adquirido um tipo de glória meio passada. As cortinas estavam desbotadas de sol. As televisões eram velhas. A coisa toda precisava de uma reforma. "Encalhado nos anos 80" foi como uma nova coelhinha descreveu o lugar. Em abril de 2011, 123 pessoas que participavam de uma festa para levantar fundos pegaram uma bactéria na banheira da casa.

Com seus 29 quartos, a mansão agora deve passar para uma reforma completa para virar um hotel de luxo — tornando-se talvez a versão de fantasia do lugar em que o público geral acreditava.

TRANSAR COM HUGH HEFNER PODIA SER COMO SE UM GUARDA-ROUPA CAÍSSE EM VOCÊ

"Havia zero intimidade envolvida", lembra Holly Madison, que se juntou à equipe sexual da mansão no começo dos anos 2000. "Sem beijo, nada. Era tão rápido que nem consigo lembrar alguma coisa além de ter um corpo pesado em cima de mim… Nem preciso dizer, para mim, o sexo nunca foi o destaque do nosso relacionamento."

Crystal Harris, a esposa final, admitiu que sexo só aconteceu uma vez, e durou "tipo uns dois segundos".

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Foto: Globe Photos/Zuma Press/PA Images.

MAS SE VOCÊ FOSSE PARTE DO HARÉM, A CIRURGIA PLÁSTICA ERA GRÁTIS

Além disso, você ganhava uma "bolsa guarda-roupa" de US$1 mil por semana, e acesso constante a tratamentos de beleza grátis no salão da mansão. Hefner aparentemente tirava uma foto Polaroide de cada garota que chegava à mansão, depois dava uma nota para ela — A, B ou C — usando como base uma fórmula complexa envolvendo a visão delas sobre Ser e o Tempo de Heidegger e sua aparência. Quando você era parte do harém, havia regras — um toque de recolher às 21h, proibida a visita de amigos e Hugh tinha direito de te dizer se você estivesse engordando. Alguns sugerem que ele era controlador — ele deliberadamente jogava uma garota contra outra.

Mas a vida lá não era só Botox e meninas saindo na porrada; mesmo se não fosse a queridinha dele, você ainda tinha que participar do ritual de boa noite do Hef, que envolvia uma "orgia" com as garotas, no centro da qual o Rei Hugh se sentava, fumava maconha, assistia pornô e se envolvia. Mas "ele sempre terminava sozinho", segundo Holly Madison.

HEF QUERIA QUE VOCÊ SOUBESSE QUE ELE BASICAMENTE INVENTOU O 'GOSTAR DE SEXO', MAS ELE TAMBÉM FOI UMA FIGURA IMPORTANTE NA LUTA PELOS DIREITOS CIVIS

O que dar para um homem que tem tudo? Que tal um legado?

Enquanto o tempo passava, parece que Hefner começou a pensar em qual seria seu lugar na história, então passou a se alinhar com os mocinhos. Talvez ele tenha assistido O Povo Contra Larry Flynt? Vai saber, né.

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E isso se basearia em três coisas: inventar o sexo, inventar a liberdade de expressão e inventar o multiculturalismo. Um documentário de 2009, Hugh Hefner: Playboy, Activist and Rebel, feito com a colaboração dele, buscava mostrar além do cara de robe e chapeuzinho de capitão e enfatizar seus registros de direitos civis.

Aberto nos anos 60, o Clube Playboy original de Hefner era publicamente aberto a pessoas de todas as etnias. Seu talkshow dos anos 60 — um Zoo TV original, onde Hef saía andando por uma festa conversando com celebridades — também não dava a mínima para raça. Na revista impressa, no começo dos anos 60, ele defendeu a tolerância em seus famosos editoriais. E claro, isso implica que antes de Hefner, o coito era uma rotina tediosa, como remendar uma meia. Mas aí o cara comprou uma máquina de escrever e as pessoas começaram a investir nisso.

De qualquer maneira, Hef venceu. O garoto que desenhava quadrinhos da sua vida ideal tornou aquela vida real nos mínimos detalhes. Ele teve sucesso em tudo que fez. Mas é difícil não se perguntar se há uma boa razão para ele ainda ser mais ridicularizado que celebrado — se, por mais que sua vida parecesse um sonho, ele não acabou preso em seu próprio desprezo nietzschiano pela "moral escrava". Havia algo valioso em seu modo de ser, na ideia de que você pode ignorar a família nuclear e o modelo de esposa como parceira que isso implica? Ou seja, ele… isso… quer dizer… ele era realmente feliz?

Acho que nunca vamos saber isso sobre o multimilionário que transou com milhares de mulheres, morreu velhinho depois de uma breve doença, cercado pela família, e com o mundo celebrando sua contribuição para os direitos civis.

@gavhaynes

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