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Música

O diário de Paredes de Coura - parte 2

As histórias por trás de Paredes de Coura, antes do festival.

No jardim de mármore da casa dos pais, preguiçosamente, a planear a tomada da vila de Paredes de Coura. 11 de Agosto de 2012
A1, sentido Porto-Lisboa, Km 156
18h40 Diz-se que estará de chuva em Paredes de Coura. Ainda bem. O avanço imperialista das marcas nos últimos anos tem transformado os recintos dos festivais em locais demasiado seguros, mais condizentes com uma aparição mariana do que com a celebração da música ao vivo e do hedonismo. A bem da verdade na escrita, grafei "aparição mariana" ali em cima, porque tenho o Santuário de Fátima lá mais à frente. Se o autocarro parar, acendo uma velinha a pedir uma batalha campal em Coura  se possível, durante o concerto de Sleigh Bells. Agora vou ser cagão e escrever que os vi no Primavera Sound deste ano. Novo alerta cagão: foi em Barcelona e não no Porto, onde estes nem sequer tocaram. Os Bells têm mais falatório à volta deles do que provavelmente merecem. Mas, ver a Alexis Krauss em cima do palco Pitchfork, com aquele shortzinho über sexy e com aqueles collants rendilhados, a fazer um estrilho de putéfia entre o rasco e o deluxe, a acocorar-se a poucos metros de mim e a saltar com o microfone em riste, serviu para encher o enredo adolescente dos sonhos rock dos últimos meses. Imaginem, então, este cenário de provocação esconsa: sim, a provocação também pode ser esconsa, tal é o declive insinuante daquele corpo… E nem estou a falar do decote, defronte de um maralhal ensopado pela chuva minhota — centenas de miúdas molhadas, envergando t-shirts dos Cure ou dos Joy Division e calçõezinhos reveladores. Se o paraíso em Paredes de Coura não é isto, vou já de quatro até ao recinto pedir o reembolso do passe. Entrei no expresso das 17h com destino a Lisboa, depois de uma semana em casa dos pais. O convívio com os progenitores parece-se, cada vez mais, com a admissão numa clínica de reabilitação. Nada contra. É isso que me mantém afastado de uma fundura maior das cicatrizes do vício. Mas, é sempre importante voltar à casa de partida, antes de acabar de novo na prisão sedutora da má vida, ou, se tudo correr bem, no posto da GNR da vila. Quando chegar a Lisboa, ainda vejo o último Abel Ferrara e só depois faço a mala para Paredes de Coura. Nota mental: o impermeável poderá ser a linha de tecido que me há-de separar da crónica pneumonia e do reumatismo prematuro. É importante esquecer-me dele… Este festival não é para meninos. Assim filmariam os Coen.