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Identidade

Idosos LGBTQ falam sobre a vida antes do Orgulho

Voluntários de uma ONG inclusiva em Londres contam como era a vida antes da legislação inglesa que descriminalizou a homossexualidade.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

Todas as fotos por Chloe Orefice.

No 1º de julho foi comemorado o Dia do Orgulho Gay no Reino Unido, mas entre os balões e canhões de glitter, os eventos deste ano tiveram um significado especial: 2017 marca os 50 anos do Sexual Offences Act 1967, uma lei que descriminaliza atos homossexuais entre homens acima de 21 anos no país. Apesar do longo caminho entre a lei e os direitos LGBTQ (uma jornada que está longe de acabar), o Ato 1967 marcou um progresso inegável para a liberdade de muitas pessoas.

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Mas como era a vida antes do Ato, e como os efeitos da lei mudaram a vida das pessoas LGBTQ na Inglaterra? Como isso afetou a abertura, a expressão pessoal e a atitude da sociedade para com as pessoas LGBTQ? Para descobrir, falamos com pessoas que passaram pela descriminalização — e elas falam sobre identidade, orgulho e os 50 anos de uma das leis mais importantes da história queer.

Edward Jacobs

VICE: Fale um pouco de você.
Bom, vou começar do começo. Nasci na África do Sul. Morei lá por 50 anos, mas pela maior parte levei uma vida dupla: um profissional gay no armário de dia e um hedonista compulsivo e promíscuo à noite. Essa resistência continuou por anos, já que eu não conhecia outro jeito. Até uns três anos atrás, quando cruzei com o Opening Doors London, que me apresentou outras atividades — isso coincidiu com uma época da minha vida quando uma grande mudança já estava acontecendo — mas realmente me ajudou muito a explorar maneiras de lidar, associar e entender outros homens gays num sentido social. Antes eu só via os homens através de uma lente de disponibilidade sexual, desejo e sem um interesse real pelo resto da pessoa.

Como você se sente sabendo do aniversário de 50 anos da descriminalização da homossexualidade?
No começo, claro, não me senti afetado pessoalmente [pelo aniversário da descriminalização], já que sempre vivi sob o radar, por assim dizer. Desde então, percebi que me sinto muito feliz por estar envolvido numa experiência tão libertadora para todos os tipos de pessoas que foram oprimidas, perderam seus empregos, suas famílias e às vezes até filhos por causa da lei — então sinto muita alegria com isso. O fluxo vai continuar de um jeito ou de outro, mas agora sei que estou no caminho certo.

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Você vai participar da parada?
Com certeza. Fui o ano passado — pela primeira vez — e me diverti muito, então estou ansioso pela parada deste ano. Eu não estava envolvido, mas lembro das primeiras marchas de Orgulho Gay – que eram marchas de protesto — e agora isso virou uma festa, um carnaval, uma comemoração para pessoas como eu. É algo tão amplo; eu me preocupava tanto só comigo como gay antes que não pensava em outras categorias que não se encaixam à norma, digo, o que é a norma agora. Mas fico feliz de me encaixar numa ideia social tão ampla, não só de sexualidade.

Jeremy Hart

Fale um pouco de você.
Vim para Londres do Norte do País de Gales uns quatro anos atrás. Eu morava na área de Victoria com meu parceiro lá. Estávamos morando há seis anos em Gales e infelizmente — ou felizmente — um cara mudou para o quinto andar do nosso prédio. Meu parceiro se apaixonou por ele e acabou indo morar com o cara, que é onde ele está agora, então eu não tinha escolha: era ficar por lá assistindo TV ou encontrar organizações como essa: a Opening Doors.

Qual foi um marco importante para você nesses últimos 50 anos?
Foi um processo gradual e uma época muito estressante. Fui preso uma vez e perdi dois empregos e quase um terceiro pela atitude das pessoas. Não havia lugares para conhecer outras pessoas gays e você tinha que viver olhando para trás. Eu não diria que houve um marco particular, já que ainda sofremos discriminação — mesmo nos anos 80 ainda tínhamos problemas —, mas acho que foi algo gradual. Mais aceitação e mais abertura. Mas você sente que a atmosfera está se tornando mais aberta é o Orgulho se construindo, especialmente em organizações como igrejas.

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Teve um filme alguns anos atrás, chamado Brokeback Mountain. Não gostei muito, mas não era um filme gay típico, não tinha aquele estereótipo. Foi muito popular e tragicamente um dos atores morreu. Tem uma peça que ressurgiu chamada Boys in the Band, que era sobre intolerância e rusgas entre a comunidade gay porque acho que os relacionamentos são mais difíceis quando você vive sob pressão. Coisas assim são marcos.

Ola Satchell

Fale um pouco sobre você.
Eu trabalhava como enfermeira num programa de recuperação de álcool e drogas, e foi lá que fiz a transição. E depois de nove anos ali, descobri que eles não me queriam. Então basicamente fui obrigada a sair e estava procurando um novo emprego. Acabei trabalhando para uma pequena organização de caridade LGBT e uma das coisas que fazíamos era ajudar idosos LGBT, e foi assim que me envolvi com a Opening Doors.

Como você se sente sabendo que é o aniversário de 50 anos da descriminalização?
Vimos algumas coisas estranhas: acho que a maior mudança foi que quando eu era criança não havia modelos. Quer dizer, não havia internet também. Cresci sem conhecer outras pessoas como eu e acho que a maior mudança vem das coisas que estão muito mais abertas e há diálogo, você tem muitos modelos, tem serviços que não existiam antes. Então acho que não há realmente um marco, tem sido uma mudança gradual de atitude, mas só recentemente percebemos quão grandes foram as mudanças. Quer dizer, lembro do tempo em que se eu andasse por aí vestida assim, eu poderia ser presa por solicitação, diriam que eu estava incitando as pessoas a me atacar. Você tem o Ato de Reconhecimento de Gênero de 2004, que acho que foi uma das maiores coisas, já que de repente você podia se livrar de coisas que te prendiam ao passado. Você sabe agora que as pessoas não têm direito de saber suas origens.

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Seria ótimo se a Parada do Orgulho fosse só uma festa — quer dizer, ela é, mas ainda há um elemento de afirmação. Eu gostaria que a Parada fosse mais sobre se divertir do que sobre lembrar as pessoas sobre aceitação.

Claude Lucbernet-Sivewright

Qual foi um marco pessoal para você nesses últimos 50 anos?
O que é importante é bem novo — a parceria civil e o casamento gay. Fui casado com um homem: casamos, ele morreu em 2010, mas antes disso moramos 38 anos juntos "em pecado", como diziam. Nenhum dos nossos amigos considerava isso um pecado, ninguém julgava por que estávamos juntos. Pessoalmente, nunca tive que esconder, mas meu parceiro tinha que ser cauteloso se alguém no trabalho dele fizesse perguntas.

Tem um filme que é muito importante, em preto e branco, chamado Victim — que mostra como era a vida na época se comparada com hoje: as pessoas se matavam, eram chantageadas, era horrível; nunca passei por isso e não estou dizendo que isso desapareceu, mas era algo muito mais desesperador naquela época.

Edward, Jeremy, Ola e Claude são embaixadores voluntários do Opening Doors London (ODL), a maior fornecedora de serviços especializados para a comunidade LGBT idosa do Reino Unido. A ODL fornece oportunidades a diversos grupos sociais, e luta para dar voz aos idosos LGBT. Para apoiar o trabalho vital da Opening Doors London, considere fazer uma doação aqui .

Tradução: Marina Schnoor

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