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quadrinhos

Um Flashback Adolescente

Garoto Mickey é a primeira graphic novel do Yuri Moraes, resultado de um trabalho que ele começou publicando no seu blog Murilo, o dinossauro.

Sexta-feira passada peguei o livro do Yuri Moraes, Garoto Mickey, aqui na redação da VICE pra ler durante as quinhentas horas de trânsito que tenho disponíveis dentro do ônibus até chegar até em casa. Isso me fez embarcar numa viagem paralela.

É a primeira graphic novel do Yuri, resultado de um trabalho que ele começou publicando no seu blog Murilo, o dinossauro. Garoto Mickey narra as fases de transição da adolescência ao começo da vida adulta de Valentin, protagonista da história, que assim como seu criador Yuri, é ilustrador, e dono de alguns dos personagens que aparecem na história.

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Quando terminei de ler fiquei surpresa em ver como o autor conseguiu organizar num livro todos aqueles recortes, transformando-o numa linda colagem.

Achei, no mínimo, corajoso Yuri levar em consideração ideias e viagens que se tem quando é adolescente – e deixar que essa fosse a narrativa condutora de sua história. Tipo o som de uma guitarra distorcida, só que no papel.

Conversei com ele sobre como foi lançar seu primeiro livro, seus personagens misteriosos e o seu sonho com o Lima Duarte.

VICE: Primeiro conte pra gente como você ingressou no universo da HQ.
Yuri Moraes: Comecei fazendo tiras na internet, influenciado por aquela galera: André Dahmer, Allan Sieber e Arnaldo Branco. Criei o blog do Murilo, o dinossauro e acabei sendo colaborador da SET e da BETA.

Quando é que você pensou em passar das tirinhas do blog pruma graphic novel e por que a escolha do formato?
Sempre quis fazer uma história em quadrinhos maior. Gosto muito da liberdade criativa que existe e do formato pra contar histórias. É a melhor mídia pra um autor porque não tem limites de orçamento, tempo ou formato, e ao mesmo tempo você mostra a sua versão da coisa toda visualmente, diferente de um livro normal.

No entanto sempre tive medo de desenhar e até tentei alguns projetos com outros desenhistas antes, mas nunca ia pra frente. Resolvi perder o medo e fazer de uma vez, do meu jeito.

E como você chegou no Garoto Mickey?
Fui publicando direto na internet, desde a primeira página. No inicio não tinha noção de que teria mais de 200 páginas. Foi a primeira vez que parei pra desenhar de verdade na vida e comemorava o fato de eu conseguir terminar uma página "séria".

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Demorei dois anos no processo e quando publiquei a história toda online, teve mais de 43.000 views únicos na semana.

Depois de um tempo a Dobra fez uma proposta de lançar fisicamente e fechei com eles. Foi legal que foi o primeiro quadrinho deles, então tive uma experiência próxima da autopublicação no sentido que escolhi todo o caminho artístico da coisa e fiz o trabalho de divulgação/distribuição junto com eles.

Foi difícil pra você escrever uma história que soasse autobiográfica? Me parece que você se sentiu à vontade com isso, não?
Não considero o Mickey autobiográfico. Sempre gosto de usar elementos reais e sinceros nas coisas que faço e fico feliz que elas soem verdadeiras. Gosto de colocar dentro das coisas que faço as histórias que gosto de contar sobre a minha vida e das pessoas próximas de mim, mas não acho que isso faça uma história autobiográfica. Insiro coisas que aconteceram num contexto de uma história fictícia.

Tem coisas que acontecem com o Valentin que não aconteceram comigo necessariamente, assim como tem coisas que aconteceram comigo que coloquei em outros personagens também. A maior parte é completamente inventada.

Por isso digo que ela “soa autobiográfica”, e acho que isso aproxima mais o leitor do personagem, não? Pelo menos quando li que Mickey tive alguns flashbacks…
Sim, acredito que sim! Mas é que explico bem essa questão porque um monte de gente leu a história e vem me perguntar "Poxa, você vê a Isabela (uma das personagens) ainda?" (RISOS). Sabe?

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Fale um pouco sobre os personagens que você criou, alguns são criados pelo protagonista Valentin, como os animais que discutem as ações de seu criador, como se fossem uma espécie de “personagens consciência”, como você chegou neles?
O livro todo começou com a última página, que tem o sapo e a casa. Como fiz o livro de uma maneira que não podia voltar atrás (pois ia postando as páginas prontas), fui encontrando um sentido nas coisas enquanto fazia.

Então tem esse lance de ter duas histórias dentro da própria história, a do Mickey Boy e a dos animais. Queria que elas soassem sempre como uma reflexão da história principal e chegou um momento que resolvi misturar eles dentro da narrativa principal também. Acho que consegui fazer de uma maneira que não ficasse tão confusa pro leitor e que fizesse sentido dentro do universo.

O ritmo da história é interessante, você começa colocando os personagens lá sem muitas explicações, e aí, quando você já emergiu na história daquele jeito que você nos entrega, você faz uma pausa didática pro leitor, apresentando os personagens e seus conflitos. Você transita por isso até o fim, ora mais subjetivo, ora “não vou te subestimar”, mas sempre com humor. Estou certa?
Sim. Não planejei desde o inicio que seria algo assim. Saiu bem natural dessa maneira.

E a criação do personagem Mickey Boy e todas aquelas cenas de ação que transitam num estilo diferente de ilustração das demais páginas, como foi criar esse personagem e fazer essa junção de estilos?
Eu tinha feito alguns esboços do Mickey Boy antes de começar a história. Tinha uma ideia de fazer uma história infantil sobre um menino que tinha criado esse herói e ficava viajando no meio das aulas e da sua vida cotidiana.

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Quando comecei a fazer a história de fato, a partir da página do sapo vi que a coisa toda iria pra um lado bem diferente e tinha decidido que como essa história ele tinha feito muito novo e ele tinha outro estilo na época, elas deveriam ser feitas por outro ilustrador, então chamei o Raoni Marqs pra fazer.

Como o Raoni é um desenhista muito melhor que eu, eu despejava todas ideias visuais que me sabotaria pra fazer e jogava pra ele. Tipo o Mickey atravessando um "bandido" no braço do outro "bandido". Escrevia só pra ver se o Raoni ia conseguir fazer ou se ia me mandar um e-mail me xingando ou desistindo. Mas ele é ótimo.

O que você achou do resultado final?
Fiquei bem feliz com o resultado final. A primeira pessoa que mostrei pronto foi o Arnaldo Branco e a resposta que ele me deu me deixou tranquilo quanto ao que eu tinha feito.

Fiquei um pouco espantado como a crítica e o publico receberam tão bem. Nunca achei que seria uma história de fácil compreensão no inicio, mas nunca sei de fato o que estou fazendo até terminar.

E é legal ver que grande parte do sucesso do livro vem da aceitação e recomendação de artistas que me fizeram resolver fazer HQ de fato.

Faria outra graphic novel?
Desenhando também acho que vou demorar um pouco. Mas tenho duas em desenvolvimento no momento com outros ilustradores e tô começando a esboçar uma pra fazer com o Diego Gerlach desenhando.

Você já tem outro projeto, o Underdog, certo? Tem previsão de lançamento?
Na verdade o Underdog era publicado na revista Beta, que acabou na segunda edição que participei. Então tenho apenas 08 páginas do projeto. Não sei se um dia vou voltar a ele.

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No momento estou escrevendo Um convite ao Caos, que vai ser ilustrado pelo Mateus Acioli & Heitor Yida. Também está em desenvolvimento um quadrinho infantil que eu escrevi com uma amiga, a Bruna Pligher e que tá sendo ilustrado pelo Elcerdo. Vai chamar Meu nome é Milo!.

Algum deles como graphic novel?
Ambos. Tirando isso tenho outros projetos pra TV, internet, cinema, música e teatro.

Fala um pouco deles.
Tenho uma série de TV que escrevi com o Ronald Rios e o Adriano Vilas Boas e estamos vendo como viabilizar porque é uma série mais cara.

Tô fazendo um portal de humor audiovisual pra internet com o Arnaldo Branco que vai juntar vários grupos de humor legais do país como a Alta Cupula, Trintaeum Filmes, Toscographics, Estricnina, TV Quase e Satirismo, entre outras. O site tá sendo desenvolvido pelo Felipe Kussik e deve estrear logo. Esse projeto já tem mais de um ano, acho.

Estamos gravando um disco novo do Milk Fellas, que é minha dupla musical humorística com o Cauê Bravim. Vamos lançar vários vídeos e sons em breve e estamos planejando uma turnê chamada BLOCO DA BAD VIBE junto com o UDR que terá as duas bandas no mesmo palco. Vai ser tipo o Wu-Tang Clan do funk de apartamento.

Também escrevi meu primeiro longa e uma peça de teatro do GANGBANG + Ronald Rios que devo começar a produzir em breve.

Li no seu blog que você tem vontade de escrever um livro de sonhos ilustrados, pode falar um pouco sobre?
Comecei esse projeto. Queria que outros ilustradores ilustrassem meus sonhos, o que é bem engraçado pra mim. Mas na real é tão difícil lembrar de um sonho e quando lembro nunca anoto. Devia voltar pra ele.

Esses dias sonhei que o Lima Duarte vinha na minha casa e eu pedia prum amigo tirar fotos minha e dele no meu quarto, só que aí o fundo das fotos era sempre uma selva gigante.