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Raquel Pereira, entre Violet Chachki (à esq.) e Detox. Todas as fotos pelo autor, excepto onde assinalado.

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Identidade

O que aprendi com os fãs de "Rupaul's Drag Race" na passagem por Lisboa da "Werq the World Tour"​

"Representam-nos, são super fortes, são super destemidas, mostram ao Mundo tudo o que devem mostrar”.

A fila está em polvorosa à entrada do Teatro BBVA Tivoli, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. São quase seis da tarde e os detentores dos 100 bilhetes VIP "Meet & Greet" da paragem portuguesa da digressão "Rupaul's Drag Race: Werq the World", que dão acesso a um encontro com as drags mais mediáticas do Mundo, não se atrasaram nem um segundo. Lá dentro estão as estrelas do espetáculo que na quinta-feira, 2 de Abril, estreou finalmente em Lisboa, após 11 temporadas televisivas de Rupaul's Drag Race, o concurso de talentos criado por Rupaul, que tornou o transformismo drag num espetáculo de audiências globais.

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Na primeira mesa estavam Naomi Smalls e Kim Chi, na segunda mesa Kameron Michaels e Asia O’Hara, na terceira Aquaria e Monetexchange e na última as drag Detox e Violet Chachiki. São quase todas das temporadas mais recentes do concurso e estar ao lado destas performers era um sonho para muitos dos presentes. Mal as portas se abrem e a entrada dos fãs é permitida começam a ouvir-se gritos de “oh my God”, choros e abraços, os telemóveis preparados para a fotografia da eternidade.


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O grupo que acode ao "Meet & Greet" é muito heterogéneo e composto por pessoas que se identificam com a atitude e percurso destas artistas. Esgotado desde Janeiro, o espetáculo era um dos mais aguardados do ano em Portugal. Além disso, depois de Madrid, onde arrancou a digressão, Lisboa é a segunda cidade do périplo das “rainhas” de Rupaul pela Europa, com passagem também por Barcelona, Paris, Milão e Londres.

E se a vinda das estrelas de Rupaul's Drag Race era tremendamente desejada pelos fãs do concurso, para as drags de Lisboa o “Meet & Greet” foi a oportunidade perfeita para conhecerem de perto muitas das performers em quem se inspiram. É o caso de Stefani Duvet (Tiago Santos, performer do Finalmente Club), cujas mãos estão trémulas de tanto nervosismo. “São todas muito bonitas, muito simpáticas e, definitivamente, é bom estarmos juntos nesta arte para nos podermos unir e crescer mais”, refere à VICE, ainda junto à mesa de Aquaria e Monetexchange. Para Stefani, a presença das estrelas do programa “é muito importante para se poder mostrar mais este mundo”.

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Um mundo cada vez mais apreciado pela comunidade LGBTQI, mas também por muitas outras pessoas que se identificam com a mensagem do concurso. As temáticas e os assuntos políticos discutidos nos episódios marcam pontos de vista de uma geração cada vez mais aberta à diversidade. A drag Lola Herself, miss Drag Lisboa 2018, também esteve à conversa com as “rainhas” e desabafa: “Lisboa é um pouco subestimada no que diz respeito a este tipo de arte, pelo que sem dúvida que é muito importante e impactante a presença delas aqui”.

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Monét X Change (à esq.) com Lola Herself, Miss Drag Lisboa 2018 (ao centro) e Aquaria.

A mesma opinião é reiterada pela decana das drags lisboetas, Deborah Kristal, que há anos é a anfitriã principal do Finalmente e a referência do transformismo em Portugal. “É sempre bom. Vai ajudando a mudar mentalidades que estejam menos disponíveis para este tipo de espectáculo. Embora já se tenha feito muito em Portugal é sempre bom quando vêm pessoas da América, de França, de qualquer parte do Mundo. É sempre bom”, destaca Deborah à VICE após as fotografias com as “meninas” do Rupaul's Drag Race.

Já para Jonatas Roque, de Lisboa, o momento de contacto pessoal com drags como Monét X Change e Aquaria foi “um sonho realizado". E justifica: "Eu vejo o show há muitos anos e várias das que estão aqui são as minhas preferidas. Queria imenso conhecê-las”. Muitos destes fãs chegam munidos de fotografias das estrelas e cadernos para um autógrafo.

Ana Santos é de Almada e está no Tivoli para a concretização de um sonho. “Oh meu Deus, é fantástico está cá a minha drag favorita, a Violet Chachki, estou a amar isto!”, diz à VICE. Quando questionada sobre a importância das mensagens políticas do concurso e das suas protagonistas, Ana sublinha: “São assuntos sempre tratados com muito divertimento e muito carinho e é disso que o Mundo está a precisar”.

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Kim-Chi (atrás à esq.) com Fernando Santos a.k.a. Deborah Kristal, anfitriã do clube lisboeta Finalmente (ao centro) e Naomi Smalls (atrás à dir.).

E Ana não poderia estar mais certa. Para além das questões de igualdade e discriminação, as concorrentes de Rupaul's Drag Race acabam por representar e empoderar pessoas que se consideram pouco compreendidas. O universo drag compreende tudo, todos e todas. "Representam-nos, são super fortes, são super destemidas, mostram ao mundo tudo o que devem mostrar”, salienta a fã.

Para Genivive H., natural de Nova Iorque, mas a viver e a estudar em Lisboa, as drags de Rupaul's Drag Race abriram caminhos nunca antes percorridos. “Acho que é muito bom, porque estas pessoas são aquilo que escolheram para elas e mostra a toda a gente que todos podem fazer esta arte sendo quem são”, salienta, ao mesmo tempo que agradece às drags Asia O’Hara e Camaron Michaels a importância que ambas têm na sua vida.

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Asia O'Hara (à esq.) com a fã Genivive H. e uma amiga (ao centro) e Kamaron Michaels.

Rui Maria Pego, radialista e apresentador de televisão, esteve também com cada uma das drags. À VICE destaca a relevância da apresentação do espectáculo em Lisboa no palco do Tivoli. “Acho super importante, porque quando a diversidade está num palco tradicional como o Tivoli é maravilhoso. O Rupaul's é um fenómeno global. Drag já não é uma coisa do underground, já é um espetáculo maior”, explica.

Em termos mais pessoais, Pego refere ainda que o concurso o ajudou a entender que o drag simboliza a diversidade de vozes num mundo global: “É um caminho que faz todo o sentido e eu acredito muito na frase do Rupaul 'we're all born naked, the rest is drag!'. O drag não é uma coisa esquisita, é uma arte como outra qualquer. Aprendi isso com o tempo. E, depois da fotografia da praxe com Monexchange e Aquaria, salienta ainda que o concurso de Rupaul contribuiu para eliminar preconceitos: “É a prova de que já se conseguem fazer conteúdos que são consumidos por muitas pessoas e muitas vezes nem sequer estamos a falar da comunidade LGBT. Há muita gente que não é da comunidade e que adora o programa”.

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Monét X Change (à esq.) com Rui Maria Pego (ao centro) e Aquaria.

O “Meet & Greet” é também a oportunidade para as estrelas da noite conhecerem a diversidade de público das cidades por onde vão passando. Este contacto é essencial e é usado no espetáculo. Entre fotos, abraços e autógrafos, Monét X Change, Miss Simpatia da temporada 10 e vencedora do All Stars 4, sublinha à VICE: “Está a ser tão divertido, os portugueses são tão bonitos e sexys e tudo isto é maravilhoso para aquilo que vamos fazer esta noite”.

Enquanto abraça os fãs, a drag vai soltando algumas palavras em língua portuguesa, como “absolutamente” e “obrigado”. Não raras vezes elogia as roupas e a beleza de algumas das pessoas, como é o caso de Chiara Leitão que acompanha Ana Sousa, de Almada. “És maravilhosa, és mesmo muito bonita”, diz a certa altura, deixando Chiara, comovida, agarrada ao rosto.

Já Kameron Michaels, conhecida como a drag musculada, da temporada 10 expressa vontade de conhecer melhor Lisboa. “Estou a adorar e não tivemos muito tempo para estar com as pessoas, porque viemos de Madrid e amanhã já vamos para Barcelona. Para a próxima queremos mais tempo cá!”, assegura à VICE. Kameron está impressionada com a simpatia e a gentileza dos lisboetas. E, antes de recolher aos camarins para daí a pouco tempo dar início ao evento que deixou a sala do Tivoli em êxtase, realça: “O espectáculo acaba por funcionar como uma extensão do programa de televisão, estamos a celebrar o amor, aceitação, igualdade e eu acho importante continuar a levar esta mensagem a todo o Planeta”.

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Monét X Change (à esq.) com a drag portuguesa Stefani Duvet (ao centro) e Aquaria.

A história do espectáculo é simples. A galáxia está em perigo e as seis drags, Aquaria, Asia O’Hara, Detox, Kameron Michaels, Kim Chi, Monét X Change, Naomi Smalls e Violet Chachki são enviadas por Rupaul para uma missão de resgate da humanidade. A actuação abre com a apresentação de cada uma das estrelas da noite. Gritos e aplausos de eriçar os pêlos dos braços a cada entrada em palco.

A apresentação deveria estar a cargo de Michele Visage, uma conhecida júri do concurso de Rupaul, mas logo de início Asia O’Hara esclarece que a ausência de Michele estava relacionada com a sua “detenção na fronteira com o Canadá”, levando a sala ao riso. Acabou por ser Asia a assumir as despesas da casa e os momentos hilariantes e de interacção com o público sucederam-se. Um deles foi a simulação de uma prova de lipsync com pessoas escolhidas na sala do Tivoli, que tiveram dois minutos para se vestirem e maquilharem e estarem preparadas para “salvarem a sua vida da eliminação”, que é também uma das frases conhecidas do concurso.

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Kim Chi. Foto cortesia organização do evento.

Asia O’Hara marcou ainda a noite com a homenagem à mãe da drag portuguesa Stefani Duvet. O’Hara referiu que “todas as mães deveriam ser como a Carla, que apoia o filho em tudo”. Um momento a fazer recordar, aliás, as finais de Rupaul's Drag Race, em que muitos familiares são chamados a dar o seu testemunho. O Tivoli agradeceu de pé num aplauso emotivo.

No final do show as drags salvam a galáxia que estava em perigo. As suas naves espaciais chegam ao sol. Nessa viagem, destaque para Aquaria, vencedora da temporada 10, que levou o Tivoli ao rubro com a sua actuação e movimentos de cortar a respiração. No final de um evento que vai ficar marcado na memória, Lola Herself resume à VICE o que se passou na noite de 2 de Abril em Lisboa: "As rainhas do Rupaul trouxeram-nos imensa experiência, porque são anos de drag, muita bagagem. Estes espectáculos dão-nos confiança e mais força para continuar”. E o show vai mesmo continuar.


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