Conheça a nova geração inglesa de mulheres no comando de selos
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Música

Conheça a nova geração inglesa de mulheres no comando de selos

Falamos com a Nightwave, Madame X e Timanti sobre como elas têm virado o jogo em uma ala da indústria dominada majoritariamente por homens.

Aristóteles dizia que há três tipos de música; a moral, a de ação e a catártica, cujas finalidades são, respectivamente, educar, influenciar e curar. Os selos homenageados neste artigo representam todas as três variações, o que não é uma surpresa dado que são comandados por mulheres extremamente perspicazes, intuitivas e progressistas; a label de Glasgow Nightwave, a premiada Madam X de Manchester e a Timanti, concebida em Londres. Mesmo que você seja um grande fã de bass music e estiver familiarizado com esse pessoal discotecando, produzindo e promovendo noites, provavelmente não o associa às suas respectivas labels logo de cara porque empresárias do sexo feminino, de acordo com um estudo de referência conduzido pela Universidade de Cambridge, costumam ser "muito modestas" apesar de serem "consideravelmente mais organizadas, extrovertidas, competitivas e emocionalmente estáveis do que homens".

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Patrik Wikström, no seu livro de 2009 The Music Industry, alega que a economia da música "consiste em empresas preocupadas em desenvolver conteúdos musicais e personalidades que podem ser divulgadas em diversos tipos de mídia". Mas o que as mulheres apresentadas aqui foram capazes de conquistar é uma combinação de conteúdo e personalidade, o que no mercado de hoje em dia, onde (de acordo com o Charles Fairchild em Pop Idols and Pirates) "os produtos se tornaram disponíveis demais" e as marcas precisam "agir como containers conceituais", é crucial para o sucesso. Além disso, para uma marca florescer, ela precisa ter "um sistema de crenças vinculado a ela. Deve possuir o que os experts chamam de dimensão 'espiritual', a fim de produzir o valor agregado e transcender os meros cálculos de rentabilidade monetária".

Isso tudo pode parecer só um nonsense pseudo-acadêmico, mas cola na gente. Cada uma dessas labels — Heka Trax, Kaizen, and Templr — têm uma história de vida transformadora. A Madam X subiu na hierarquia da cena de bass music e hoje em dia é afiliada à crew mais notável de Manchester, o Levelz, e também comanda suas próprias festas e labels. Timanti desenvolveu uma abordagem filosófica única depois de ter sofrido um ataque debilitante em seu sistema nervoso que a deixou aterrorizada e com medo de não poder tocar nunca mais, e a pegada diga-sim-a-tudo da Nightwave em relação à vida se transformou em uma política de música eclética que garantiu à label um selo de aprovação do Red Bull Music Academy.

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Lançada em 2013, a label Heka Trax da Nightwave já lançou diversos materiais, como o Hit Da Blokk do Big Dope P e a faixa recente "Want Some" do duo de R&B de Glasgow Bossy Love, além das suas próprias criações, caracterizadas por faixas porradonas como a "Rave Hard", de 2013, e "Fire Hoes", de 2014, presente no EP Hit It, apresentando a lenda do guetto-house DJ Deeon. Enquanto isso, a incomparável Madam X lançou a Kaizen neste ano, com o EP Griddled do Biome, de Manchester, e o segundo disco do Silas & Snare estará disponível em breve. O primeiro lançamento da Templr pela Timanti está marcado para junho, dando continuidade ao sucesso de seu primeiro EP de deep house de 2014 pela Nixwax, o This Time.

Nightwave (foto por Arthur Williams).

Enquanto a Nightwave sonhava em ter uma label desde que era adolescente, "desenhando logos e capas de vinis", Madam X finalmente resolveu se arriscar depois da compilação digital do sucesso de 2014 KAIZEN Movements Vol 1, alegando que antes de dar início a label ela "já sabia quais artistas queria que se juntassem a ela e abordou cada um deles individualmente", enquanto a Timanti foi dominada por um desejo de evolução constante após sua doença, afirmando que se deu conta que "a única coisa consistente na vida é a mudança", e que sua missão é "curar e elevar pessoas com o meu som".

Apesar das respectivas conquistas fazerem o ato de comandar uma label parecer algo simples, há questões pragmáticas e muitas dificuldades sob a superfície. Enquanto Madam X diz que a Kaizen não existiria sem os fundos angariados através da sua carreira como DJ, a Nightwave aponta a saturação do mercado como um dos principais motivos por trás da criação do seu selo. "Tantos lançamentos incríveis se perdem já que é impossível todos conquistarem a atenção da imprensa", diz ela. "Até enviar promos pode ser difícil hoje em dia, uma vez que elas podem se perder na tsunami de mensagens da caixa de entrada". O desafio é planejar o momento ideal para o lançamento e a campanha publicitária de forma eficiente". Isso, ela percebe, é traiçoeiro porque devido aos "problemas relacionados aos defeitos de fabricação, os delays nos vinis são praticamente inevitáveis". Madam X concorda, dizendo que "o lance '100% vinil' se torna muito desafiador, graças às prensagens com delay de datas comemorativas, entre outros. Mas na minha opinião, não deveria ser o suficiente para as pessoas pararem de comprar discos. Se eles gostam do lançamento, comprarão independentemente disso".

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De fato, ter total confiança no que lançam é o cerne das operações destas labels. Na atmosfera pós-gênero criada pelos artistas de Manchester, como o coletivo Grey, Madam X diz que ela realmente não "imagina a label representando um tipo específico de música. Os produtores são tão únicos que sinto que associá-los a um único gênero é uma limitação por si só". Com escritores como Ben Ratliff, autor de Every Song Ever: Twenty Ways to Listen to Music Now alegando que "deveríamos nos desapegar das ideias convencionais de gênero e nos tornar mais flexíveis enquanto ouvintes", categorizando a música em conceitos que "cortam caminho por meio do gênero — como música 'densa', por exemplo, ou música 'triste', o argumento da Madam X faz sentido. Timanti alega que também foi estimulada a fundar sua label por um desejo de quebrar essas restrições de gênero, afirmando que "estava meio de saco cheio das pessoas tentando me dizer o tempo todo que eu deveria fazer música mais desse ou daquele jeito, assim eles conseguiriam categorizar o meu som", e a noite comandada por ela e sua label a deram "a liberdade necessária para apoiar outros artistas em quem eu acredito e que não só são músicos e DJs incríveis, mas também verdadeiros 'criadores de vibe'".

Com empresárias do sexo feminino mais dispostas a produzir produtos e serviços desconhecidos ao mercado, as labels comandadas por mulheres passam a ser uma necessidade em uma indústria muitas vezes estagnada e dominada pelos homens. Madam X concorda, me dizendo que "muitas pessoas vieram até mim antes mesmo de eu anunciar um lançamento para dizer que não viam a hora de sair o próximo do Biome, Silas & Snare ou Walton. É bizarro como esses ninjas da internet estão ligados no rolê". Timanti diz que apesar de ela "respeitar muito a galera que é capaz de tocar o mesmo gênero musical por 20 anos", esse tipo de abordagem bloqueia sua criatividade e foi parte do motivo pelo qual ela criou sua noite e seu selo, Timanti and the Tribe. Mas uma vez que a quantidade de labels comandadas por mulheres é tão pequena e escassa, fica a pergunta: por que ainda é muito mais difícil para as mulheres se aventurarem no escopo do empreendedorismo na indústria da música?

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Madam X (foto por Vicky Grout).

Com a criação musical sendo tão diaspórica e algumas cenas existindo quase inteiramente online, as redes sociais são de extrema importância. Esta é, sem dúvida, a hora das mulheres brilharem, graças as suas vantagens únicas sobre os homens enquanto excelentes comunicadoras. Nightwave concorda, e afirma que "as redes sociais são cruciais para nos conectar com os artistas e com o público. O mesmo vale para a distribuição, já que ela depende de um delivery online, impulsionada por campanhas publicitárias". Madam X diz que na Kaizen ela "não fez nenhuma campanha porque já tinha visto uma comunidade online fazendo um burburinho sobre o lançamento da label. As pessoas estavam vindo diretamente a mim, postando 'KAIZEN' no Twitter, vi de primeira mão como e onde essas pessoas estavam se conectando à música".

No contexto da indústria da música, talvez parte da falta de representatividade se deva à cultura profundamente enraizada de mulheres que ao mesmo tempo que sentem que precisam se esforçar mais para se provarem capazes, consequentemente dispensando a ajuda de seus colegas, agem assim por conta dos preconceitos que ainda existem em relação ao empreendedorismo feminino. Apesar do avanço no incentivo às mulheres a entrarem no universo da produção, ainda não há algo equivalente a se tornar dona de um selo. De fato, a Nightwave revela que nunca foi treinada por ninguém, enquanto a Madam X diz que "já sabia o que tinha que fazer graças ao que aprendeu comandando a BPM".

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Timanti (foto por Marco Mori)

Mas talvez seja essa vontade de fazer o que bem entendem, seguindo seu amor pela música e sem depender da ajuda de ninguém é o que torna essas labels específicas tão empolgantes e as carreiras das mulheres de hoje em dia tão impressionantes. Madam X vai direto ao ponto ao falar sobre como se sente em relação ao seu selo: "Definitivamente não é atraente financeiramente falando", e diz que é improvável "que tenha retorno nos próximos anos", levando em conta sua operação 100% vinil, ao mesmo tempo que a Nightwave me disse que para ela, a coisa mais importante é "compartilhar não só minha produção, mas a de outras pessoas também". Enquanto isso, a Timanti diz que ela se concentra em "fazer música que signifique algo para ela".

Já sobre a questão da igualdade de gênero, elas têm opiniões diferentes quanto a isso ainda ser um problema ou não. Madam X diz que não "acredita muito em estereótipos de gênero. Acho que se você tem uma ideia clara do que quer e do que planeja fazer, todo o resto é bem objetivo desde que você tome uma atitude", enquanto a Nightwave já expressou antes que sentia que havia um desequilíbrio de gêneros na cena musical de Glasgow, e disse que esse é um dos motivos para ela ter criado sua própria noite e um workshop de discotecagem e produção para garotas.

No futuro, é bem capaz que o contexto e as conversas que rodeiam a próxima geração de mulheres que comandam labels sejam completamente diferentes, uma vez que o mundo (pelo menos é o que esperamos!) terá deixado o patriarcado para trás de uma vez por todas. Então juntamente com os sons que elas promovem graças ao seu já conhecido excelente gosto musical, é por causa desta chance de progresso que você deveria prestar mais atenção no que essas mulheres e todas as outras que comandam labels estão fazendo agora. Elas são pioneiras - fiquem de olho.

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Tradução: Stefania Cannone

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