Uma História Oral VICE do Dubstep na Inglaterra

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Música

Uma História Oral VICE do Dubstep na Inglaterra

A história de um gênero, contada pelos principais personagens que contribuíram com sua criação, ascensão e reconhecimento.

A galera no DMZ, uma das baladas mais icônicas da cena dubstep junto da FWD>>

Meu relacionamento com o dubstep já tem mais ou menos uma década. Terminei a escola em Glasgow em 2005 e achei que iria pra universidade, mas estava ocupada demais enchendo a cara de cidra no parque para decidir o que estudar ou onde. Normalmente acabava em algum show de hardcore, mas com tempo fiquei de saco cheio do que eles ofereciam. Aí descobri esse lance dos clubs. Eu morava num país completamente diferente daquele que acreditava gerar tudo de novo e empolgante na dance music britânica da época, mas ao entrar em festas escondidas sendo menor de idade pude ouvir alguns dos DJs que tocavam nas noites londrinas que tanto queria frequentar: as festas FWD>> na Plastic People, e DMZ na Mass.

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Por volta daquela época consegui um emprego numa loja de discos chamada Fopp. "Deixa a gente encomendar umas coisas", um funcionário e eu pedimos. "Vocês podem pegar cinco CDs, ok?", responderam. "E, se eles venderem, veremos." Pedimos o disco de estreia do Skream, a primeira coletânea Tectonic Plates, o disco de estreia do Burial, Dubstep Allstars Vol. 4, mixada pelos DJs Hatcha e Youngsta, e a coletânea de dub Warrior Dubz, com curadoria de Mary Anne Hobbs. Tudo vendeu quase que imediatamente. A centenas de quilômetros do epicentro deste som, havia uma sede por ele – a minha quase que agressiva. 'Esse é o bagulho mais incrível que já ouvi', pensava, e ainda penso.

A club music do Reino Unido é uma fusão de culturas e sons que parecem colossais em termos de legado: reggae, dub, jungle, garage, drum and bass, house e techno. Na virada do milênio, alguns destes gêneros estavam ruindo sob o peso de sua própria mediocridade e ego — e foi esta estagnação que criou algo chocante e único. No final dos anos 90 e começo dos anos 2000, um grupo de amigos do sul de Londres decidiu que foda-se, eles estavam de saco cheio disso tudo: adoravam a parada sim, mas mais por seu histórico do que sua noção de urgência. Agora é hora de fazer a parada deles.

Estes amigos criariam um som que mudaria a música eletrônica. O dubstep completa mais ou menos uns 15 anos este ano (e com o 10º aniversário da DMZ em Londres, parece ser mais amado que nunca), então 2015 parece ser uma boa época para contar sua história. Isto aqui está longe de ser uma enciclopédia do gênero; algo que surgirá, tenho certeza. Esta é a história de uma sonoridade e cultura, contada nas vozes de quem a construiu, dedicada à memória e obra de Stephen Samuel Gordon, vulgo Spaceape. Descanse em paz.

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Introdução e entrevistas: @codeinedrums / Fotos: @drumzofthesouth

CAPÍTULO UM: "Tem Um Motivo para Tudo Ter Vindo de Croydon"

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO:
Mala: Um dos fundadores da balada londrina e gravadora DMZ, também metade da dupla de produtores Digital Mystikz, junto de Coki, bem como DJ e produtor solo.
Loefah: Produtor, DJ e um dos principais integrantes da DMZ, também responsável selo Swamp81.
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de baladas de dubstep por mais de 15 anos.

MALA: Lembro de ter crescido e pensar que o céu era cinza, as ruas eram cinza, os prédios cinza também. Nos finais de semana, o pessoal se reunia pra jogar bola nos fundos de um tal "lago" que dava pra, literalmente, atravessar à pé. Chamavam aquilo de parque, mas o conselho municipal não dava a mínima pra manutenção e virou um lugar pra tacar fogo em casamatas abandonadas. Não tinha muita coisa pra se fazer ou muita coisa rolando.

LOEFAH: Há uma razão pra tudo ter vindo de Croydon. Era uma cidade incestuosa, com gente trabalhando, bebendo, roubando e se fodendo. Eu costumava frequentar raves de hardcore, depois bandeei pro jungle e drum and bass, daí o drum and bass se homogeneizou com aquela sonoridade "liquid" e, de repente, surgiu o garage. Antes das férias de verão, em 1997, todo mundo curtia um jungle. Depois das férias, piravam em garage. Era rápido assim.

MALA: Eu, Coki e Pokes estudamos juntos. Tocávamos nas festas nas casas da galera nos anos 90, e conhecemos Loefah com 15 anos de idade por meio de amigos em comum. Ele era o junglist que curtia a Metalheadz [seminal selo de drum and bass], que nem a gente.

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SGT POKES: Meu pai até trampava com o pai do Mala, e estudava com o pai de Coki. Por volta de 2000-01, eu administrava um bar em Croydon chamado The Black Sheep, onde dava uma de MC nas noites de drum and bass. Mala era MC também; mas nas noites de garage como a Twice as Nice sob o pseudônimo Malibu. Se você fizer as contas agora de quem é a Digital Mystikz: Mala e Coki? Um deles era o Malibu, o outro Coke. Mala chegou a fazer um som com um MC chamado Onyx Stone, seu parceiro na Twice as Nice, chamado "Whadda We Like?" — que saiu na Cooltempo lá por 2001, acho. Creio que, talvez, Mala tenha conhecido um lado da indústria musical depois daquela época que o levou a reagir com grande aversão; de entrar naquela vibe anticomercial que ele segue há anos, saca?

LOEFAH: Todos começamos a compor bassline por volta de 138BPM, aí nos encontrávamos às sextas e mostrávamos os sons uns pros outros. Já que a gente cresceu com todo aquela coisa dos soundsystems, o que importava eram os graves, mas a gente tinha nossa pegada: Mala fazia um lance meio dub house torto, Coki era mais ragga e dancehall, já eu tentava reinventar o jungle na minha cabeça, já que não entendia porque a parada não tava funcionando.

Então conhecemos o Hatcha [figura essencial no desenvolvimento do som do dubstep e funcionário da loja de discos Big Apple]. Ele deu carona pra mim e Mala uma noite depois de uma rave, em abril ou maio de 2003, e tinha um CD com batidas minhas, do Mala e do Coki no carro. Hatcha ouviu aquilo e disse: "Posso botar pra rolar na FWD>> [festa primordial de dubstep e grime no leste londrino]". E a gente respondeu "O que é FWD>>?". A primeira vez que fomos lá ele botou pra tocar "Chamber", "Pathways" e "Mawo Dub". Dali em diante, piramos na balada.

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Sei que a galera da Sub FM estava lá, mas era algo que ainda estava se desenvolvendo na época, então se você tinha acesso à Rinse, essa era a rádio. O Mala costumava colar quando Hatcha e Youngsta estavam no ar, estacionando seu carro numa rua de South Norwood e pegando o sinal da torre do Crystal Palace. Era um sinal horroroso — e o ar-condicionado do carro dele não funcionava direito, então a gente passava um frio da porra 3 mas ficávamos ali por horas, fumando um banza e ouvindo a Rinse.

SGT POKES: Mala me ligou e disse "Compus umas paradas. O Hatcha botou pra tocar uns sons meus, outros do Coki" — época de "Indian Dub", "Pathways", "Mawo Dub", "Hurricane Kick", "Fire Elements" e DMZ001, bem antes de virar dubplate. Eram as paradas mais raivosas que eu já tinha ouvido. Queria muito que rolasse num club. Eu já tinha ido numa FWD>> antes, e sabia que dava pra curtir lá, mas fui pra ouvir os sons dos meus amigos depois dessa — e foi só o som deles, a noite toda.

CAPÍTULO DOIS: "Esses discos eram uns híbridos de garage"

Youngsta na DMZ.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO:
Martin Clark: Jornalista e DJ londrino que trabalhou para uma série de revistas britânicas e agora é responsável pelo selo e festa Keysound.
Youngsta: Amplamente reconhecido como um dos DJs essenciais do dubstep.
Kode9: Produtor escocês residente em Londres, também DJ, fundador e responsável pelo selo Hyperdub.
Oris Jay: Também conhecido como Darqwuan, o produtor e DJ de Sheffield ajudou a levar as batidas quebradas para o dubstep.

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MARTIN CLARK: Por volta de 2000, esbarrei em alguns discos que indicavam algo diferente. Ao passo em que o garage se desintegrava, tinha gente que queria mantê-lo obscuro e ainda voltado para a figura do MC, mas esses discos eram uns híbridos de garage: criativos e prolíficos, em seu cantinho escuro e bizarro. Eu trabalhava na The Face na época e eles me pediram para produzir uma sessão de fotos de garage em Croydon na Páscoa de 2000, então conheci Da Flex, Zed Bias e El-B. [produtores cuja música fez a ponte, cronológica e/ou estilisticamente entre garage e dubstep].

A galera do garage tinha certeza que aquilo não era garage, mas era essa a ideia mesmo. El-B apresentava uma topografia real do estilo, no calor e escuridão de sua instrumentação. Estava tudo ali escondido no meio do barulho do garage meio pop, mas logo ficou claro que era preciso focar em um ponto para encontrar seu caminho. Foi aí que Sarah "Soulja" Lockhart [fundadora da FWD>> e administradora da Rinse FM] e Neil Joliffe, responsável pela Tempa e Shelflife, fundaram uma empresa chamada Ammunition, por volta de 2000-01.

YOUNGSTA: Notei uma mudança quando "138 Trek" do DJ Zinc saiu em 2000 e era tocada por todos os grandes DJs de garage. Pra mim, estava tudo nas mãos da minha irmãzinha, Sarah ["Soulja" Lockhart]. Ela me mostrou a Freek FM. Lembro que tinha 13 anos quando consegui meu primeiro horário de duas às quatro da manhã. Sarah até me levava na Freek FM todo sábado porque eu era muito novo pra ir sozinho. Ela também me dava as músicas por conta de seu trabalho: ela era funcionária de uma distribuidora, e então em uma loja de discos onde ficava aquele bar Vibe e então no Black Market do Soho. Eu descolava as prensagens de teste com ela e assim que ela criou a Ammunition com o Neil Joliffe, eu pegava todas as cópias promocionais também.

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Quando ela deu início ao processo de fundação do selo da FWD>> em 2000, tudo foi feito para lançar aquelas músicas esquisitas. 2000 e 2001 foram anos muito doidos. Até o Hatcha tava tocando Eskimo. Estávamos fazendo nosso lance mesmo — eu vinha da Freek FM, e ele da UpFront FM — mas mesmo que tenhamos acabado no circuito do garage, as únicas vezes que tocamos juntos na época foi na FWD>>, depois que Sarah me convidou para ser residente da festa.

KODE9: A Hyperdub começou em 2001 como revista online, mas também fizemos alguns eventos nos primórdios, antes de virar um selo. Fizemos uma festa no The Bug de Brixton, comigo, Actress e Gavin [Weale], que cuidava da Werk Discs e escrevia pra Hyperdub. Em 2002, eu, Actress e Mark Fisher [jornalista e teórico musical] estávamos no ICA, numa apresentação de spoken word, performances e exibição de The Last Angel of History[seminal documentário sobre afrofruturismo].

Em 2003 fizemos uma festa de lançamento de um livro de filosofia sobre bactérias escrito por Luciana, esposa do [finado poeta e MC] Spaceape, em que ele lia trechos do livro com uma trilha sonora cheia de bass. Essa também foi a primeira noite em que tivemos cópias de "Sine of the Dub/Stalker", creio.

Entre 2001 e 2003 eu escrevia sobre esse lance garage mais obscuro, tipo El-B, coisas da Horsepower Productionse Oris Jay, e a Ammunition tinha um site chamado dubplate.net, que fazia streaming de dubplates meses, senão anos, antes deles serem lançados oficialmente. Como eu escrevia sobre esse monte de artistas na Hyperdub, acabei cuidando do dubplate.net pro pessoal da Ammunition.

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ORIS JAY: Certo dia, estava no escritório com Sarah Lockhart, Martin Clark e Neil Joliffe, e estávamos falando sobre [o DJ e produtor] Benny Ill, e um artigo para a revista que precisava ser feito. "É tipo 2-step, mas tem dub. É tipo… Dubstep". Naquela hora nós pensamos "É, é voltado pro bass, as batidas tem essa cara de passinho [N. do T.: steppier, no original. Step, passo]. Por que não chamamos de dubstep?"

KODE9: Eu lembro de ter uma capa da XLR8R com a palavra "dubstep". Escrevi um artigo curto para aquela edição chamado "Yardcore" também, uma tentativa de falar sobre a influência jamaicana no garage, grime e dubstep; uma junção da cultura do soundsystem e do hardcore.

O nome fazia sentido, porém. Basicamente, haviam três aspectos do dub que influenciaram o dubstep. O mais importante era tocar versões instrumentais de faixas de garage com vocais, que era mais ou menos o que o dub fazia com o reggae — o instrumental de uma faixa com vocais. El-B lançava estes instrumentais: tentando pegar aquele clima do começo da Metalheadz e levar pro garage, e por aí vai.

"É tipo 2-step, mas tem dub. É tipo… Dubstep"

Além disso, tinha o dub enquanto metodologia, o que pra mim está claro em toda a dance music: manipular sons para criar espaços sônicos impossíveis com reverb, eco e assim por diante. Daí vem a influência do dub enquanto gênero. (Que virou clichê, com samples de filmes antigos e trilhas jamaicanas, adicionando samples vocais). Tudo isso, junto com a cultura soundsystem, foram as influências elementares do começo do dubstep.

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O som precisava de um lugar para crescer, e esse lugar era a Big Apple. Lembro quando entrei na loja pela primeira vez. Eu ia entrevistar o Benga, mas o Hatcha, o Artwork e o Danny da DND estavam ali na frente com um catapulta e rolos de papel higiênico molhado, atirando nas pessoas no mercado. Os caras não mudaram nada desde então.

CAPÍTULO TRÊS: "Ahhhh, eu curto isso, mas que porra é essa?"

Skream na Fwd>>

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO:
Artwork: Espécie de figura paterna para uma série de jovens DJs de dubstep, Artwork é produtor, DJ, engenheiro de áudio e um terço da Magnetic Man, ao lado de Skream e Benga.
Benny Ill: DJ, engenheiro de som e metade do seminal duo de DJs Horsepower Productions.
Joe Nice: DJ de Baltimore, Maryland, criador da primeira balada de dubstep dos EUA, Dub War.
Coki: Metade do Digital Mystikz, junto de Mala, Coki é um dos principais integrantes do selo e balada DMZ.
Skream: Produtor e DJ nascido em Croydon que foi tido como garoto-propaganda da cena dubstep.
Chef: Dub cutter e engenheiro de som no Transition Studios, de Croydon, também foi um dos principais DJs da cena dubstep, fazendo parte da turma da Smooth Criminals do Skream e Benga na adolescência.

**ARTWORK: *A* Big Apple era uma loja de discos de Croydon que começou vendendo álbuns de techno e tech house. Tinha um andar dedicado à drum and bass e jungle, onde o irmão de Skream, Hijak**, e o DJ Bailey, que agora é DJ da BBC Radio 1, trabalhavam. Como era amigo deles, ficava lá o dia todo, esperando discos novos chegarem. No andar de cima havia um estúdio de gravação e depois de alguns anos, o dono da loja, John Kennedy, disse "Quer se mudar pro estúdio? Pode ir". Comecei a criar batidas — mais pro lado de lá do drum and bass, mas também brincava com techno — mas é tudo uma névoa porque todo mundo vivia chapado o tempo inteiro.

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Na época em que eu tocava techno como Grain, o garage começava a chegar ali na loja. Eu pirava em muita coisa norte-americana, tipo Masters at Work, mas descendo pros andares inferiores e ouvindo as paradas britânicas, decidi enfiar vocais de garage no techno. Assim que comecei a fazer garage como Menta, junto do Danny Harrison, pra quem também trabalhava como engenheiro de som, a coisa chegou ao ponto em que tínhamos três ou quatro white labels sendo produzidos de uma vez, com cinco ou seis nomes diferentes. Lançávamos de 5 mil a 10 mil cópias promocionais na época, facinho.

Se você me perguntar qual foi o ponto de virada daquela loja, foi o Benny Ill. Compus um disco que saiu pela Decay Records, um selo bizarro tocado por um suíço doidão chamado Heidi, que administrava tudo de um flat em Streatham. John e eu fomos lá e fizemos este disco com ele, com o Benny Ill como engenheiro de som. Ele sabia como usar o estúdio e a mesa, tinha uma bateria eletrônica TR-909 — e era um cara fenomenal. Pedimos pra que ele ajudasse na mixagem do disco, aí ele colava lá, dava uma olhada e abaixava tudo. Aumentava o chimbal, acendia um baseado e colocava de levinho tudo numa frequência que não dava pra ouvir; se encostava na cadeira, aí fazia um chazinho, pegava um compressor… E você vendo aquilo e pensando "Mas que porra ele está fazendo?"

Um dia ele bateu na porta do nosso estúdio e disse "Beleza Arthur, meu irmão, tô fazendo uns garage. Rola de ouvir?" e mostrou esse som completamente torto pra gente. Dissemos "Benny, suas batidas estão todas… No ritmo errado, mano": eram samples de filmes, com um baixo meio dub, estranho. Ele disse "O que você acha que eu deveria fazer?" e eu não sabia, mas Hatcha respondeu "Isso é do caralho, vou botar pra rolar". Lembro de quando Benny chegou com um remix de "Log On" do Elephant Man e — puta merda — eu nunca tinha ouvido nada bombar tanto quanto aquele som numa FWD>>.

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BENNY ILL: Quando Hijak e Arthur tinham o estúdio ali, era um esquema muito sociável — o que o pessoal da administração não curtia muito, veja bem. Lembro que o Chef chegava lá de lambretinha com um som atrás. Ele estacionava do lado de fora e todo mundo ficava ali ouvindo um som. Eu levei umas fitas até a Big Apple para entregar pro dono, John, e esse mano, Neil Joliffe, que trabalhava para um distribuidor que fornecia pra loja, ouvirem. John me disse para levar os sons pro Neil porque ele estava mexendo com um monte de coisas de garage que a gente curtia — selos como Public Demand, Allstar, Acetate — e estava em uma posição privilegiada quanto a distribuidores e prensas de discos. Uma coisa levou a outra e Neil acabou fundando pra gente o [selo] Tempa, a partir da Ammunition, como Horsepower Productions.

ARTWORK: Hatcha chegou na loja ainda moleque, nem tinha altura pra ver por cima do balcão. Ele só queria ser DJ. Ele tinha os decks e começou a mandar bem, assim, rápido pra caralho, e tinha um puta bom gosto. Ele também era ótimo nisso de vender discos — até mesmo os horrorosos. Se alguém chegava na loja, ele aumentava o volume e dava o "sinal do Hatcha" – aí as pessoas chegavam em casa com a compra e pensavam "Mas pra que caralhos eu comprei isso, hein?". Ele também era preguiçoso demais. Rolava uma relação esquisita com o cara e o John porque o bicho era brilhante, um geninho, mas não gostava de trabalhar. Ele só queria ficar botando discos pra rolar.

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JOE NICE: Não acho que as pessoas tenham ideia do puta vendedor e showman que o Hatcha é. Ele dava um jeito de te fazer comprar um disco que você talvez nem quisesse quando chegou ali. Daí você vira pro cara e diz "Po bicho, to meio falido e queria jantar hoje", então o cara tinha essa manha de fazer os graves pulsarem pela loja. Não dava pra deixar muito alto porque tinha gente ali comprando flores e frutas do lado de fora, essas porras, mas ao mesmo tempo era uma experiência muito confortável e pessoal. Digo, quem mais compraria o Big Apple 005?

COKI: Em 2003 eu estava mostrando uns sons que fiz pro Mala e ele me falou pra levar as paradas até o Hatcha, na Big Apple. Eu falei "Quem? Como assim?" e ele respondeu "Tão atrás de som assim lá". Quando cheguei, vi esse nanico no balcão e — de verdade? Estava meio apreensivo. Tinha muita coisa rolando no gueto. Éramos moleques fazendo merda e ele sabia que meu primo mais novo estava na cadeia, então eu achava que eles achavam que eu era muito zica. Quando disse a ele que tinha ido ali pra mostrar um som, o bicho ficou tipo "Sério?" "Serião, mano!" "Massa, manda aí!" E começamos a curtir ali.

Nunca fui de sair e ouvir muito som, então essa sonoridade começou a entrar na minha cabeça quando Hatcha me mostrou Skream e Benga lá na loja mesmo. "The Judgement" me pegou mesmo: a forma como eles usavam os graves, os filtros; como o groove era tranquilão, mas ainda assim numa vibe meio felizona e saltitante. E eu fiquei tipo "Ahhhh, eu curto isso, mas que porra é essa?"

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SKREAM: Eu dava uma forcinha na Big Apple aos 14 anos — eu deveria mentir e dizer que só trabalhava lá nos fins de semana, mas estava lá todo dia. Costumava ficar ali pelo estúdio do Benny na maior parte das noites também. Mamãe achava meio esquisito, isso de eu ir até a casa de um cara e ficar vendo ele compor e tal. Estava chapado a maior parte do tempo, mas o Benny também. Achava incrível vê-lo trabalhando — ele usava o Cubase em um Atari velho, pelo amor de Deus. Nunca tinha visto um negócio desses. Ficava ali vendo o cara criar essas paradas, daí ia pra FWD>> pra ouvir o que ele andava fazendo, voltava pra minha casa e passava o resto da noite tentando fazer minhas paradas.

Já o Benga era amigo do meu irmão mais velho, e eu era amigo do irmão mais de velho de Benga, Flash; nos conhecíamos por conta de garotas e de ficar de bobeira ali por Croydon mesmo. Eu estava trampando na Big Apple em um domingo, aí o irmão do Benga chegou e disse "Meu irmão faz música" e acabamos nos falando por telefone antes de nos conhecermos, tocando sons nossos um pro outro no telefone. Na época eu fazia músicas em lotes: rolava uma ideia e assim que eu ficava de saco cheio, começa outra. Levava tudo pro Hatcha e ele escolhia as que queria que eu terminasse.

ARTWORK: Oli [Jones, o Skream] e Benny [Adejumo, o Benga] chegavam na loja toda semana com MDs de seus sons, e dentro de um ano eles tinham passado de lixo completo — bumbo muito alto, estourando nas caixas — a criarem discos no Music 2000 e Fruity Loops que… Eu tinha um estúdio de mais de dez mil lá em cima e não conseguia uma mix que soasse tão bem. Os caras lançavam seis discos por dia; loops básicos pra caralho com um intro de 16 compassos antes do drop. Se eles quisessem faixas pro fim de semana, iam lá e pegavam do jeito que tava, porque não iriam tocar por mais que 32 barras. Não é preciso ter uma faixa épica de sete minutos quando você só vai tocar os primeiros 60 segundos.

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"Eu era jovem e empolgadão, então cheguei com a minha lambreta numa festa com meus sons quando tinha 16 anos, e eu e Benga ficamos tocando — e arrepiamos" — Chef

CHEF: Eu ouvia falar desse moleque, Benga. As pessoas comentavam coisas como "Esse moleque, o Benga, é um prodígio. Ele tem 13 anos e já mixa que nem o EZ". E eu dizia "Vou checar quando ei acreditar". Um amigo meu tinha uma crew de UKG com quem eu discotecava às vezes, e disseram que eu deveria fazer um esquema com o Smooth Criminals, que eram o Benga e Skream juntos. Esbarrei neles numa festa e o Artwork colou em mim e disse "Ouvi falar de você, Chef. Muita gente tem falando bem". Eu era jovem e empolgadão, então cheguei com a minha lambreta numa festa com meus sons quando tinha 16 anos, e eu e Benga ficamos tocando — e arrepiamos. Acabamos tocando em tudo que é lugar — em clubes de sinuca, festas em casas — depois disso.

SKREAM: A gente aparecia e dominava as festas, tipo como se fôssemos uns justiceiros do bass. Chamavam um de nós, apareciam 15. Tinha esse lugar chamado Bar Rendezvous, e eu tinha feito um bootleg de "All I Do" do Cleptomaniac para uma festa lá. Era um cover de um som do Stevie Wonder, mas fiz um bootleg do outro lado, do Bump N Flex Dub; com uma intro bem longa em que eu falava com a voz alterada. Nunca vou esquecer daquilo.

CAPÍTULO QUATRO: "Resumindo: dubplates te manterão na pista"

Mala no Black Sheep Bar, Croydon.

BIOGRAFIAS DO CAPÍTULO:
Loefah: Produtor, DJ e um dos principais integrantes da DMZ, também responsável selo Swamp81.
Joe Nice: DJ de Baltimore, Maryland, criador da primeira balada de dubstep dos EUA, Dub War.
Chef: Dub cutter e engenheiro de som no Transition Studios, de Croydon, também foi um dos principais DJs da cena dubstep, fazendo parte da turma da Smooth Criminals de Skream e Benga na adolescência.
Mala: Um dos fundadores da balada londrina e gravadora DMZ, também metade da dupla de produtores Digital Mystikz, junto de Coki, bem como DJ e produtor solo.
Jason Goslin, vulgo Jason Goz: Engenheiro de som e dub cutter-chefe do Transition Studios, Jason é considerado peça essencial na criação da sonoridade dubstep.
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de festas de dubstep por mais de 15 anos.

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LOEFAH: Transition era um estúdio e fábrica de discos em Forest Hill, perto de onde vivíamos, no sul de Londres. Ouvimos falar que foi lá que o Grooverider fez seus dubplates, o que pra nós já era o bastante, francamente, então comecei a frequentar o local por volta de 2003. Haviam regras: você só pagava pelos seus dubs se quisesse guardá-los pra si. Se Hatcha quisesse tocar uma das minhas faixas, teria que pagar pelo corte, e ficaria com a cópia. Dependia também como você estava cotado também; no meu caso, 25 libras por dois lados de um 10", 30 paus por 12". Mudaram de 10" pra 12" porque "acabaram" os discos de 10" lá por 2005, 2006, mas isso foi um salto. Voltar aos 10" faria a gente parecer meio muquirana, saca?

JOE NICE: Comecei a prensar discos e fiquei nos de 10" porque era mais barato, mas pra mim, quando tocava nas primeiras festas Dub War, era também um lance visual como todo o resto. Se alguém de longe me vê pegar algo que não parece ser do mesmo tamanho, eles pensam, "Cara, aquilo é um disco de 10"? Cara, 10" servem como dubplates também. Cara, o Joe Nice tem um dubplate? Cacete — tenho que ouvir o que esse cara vai tocar". Resumindo: dubplates te manterão na pista.

CHEF: Eu estava cortando dubplates lá no Transition, e vi que Jason [Goz], engenheiro de som chefe, queria um trainee. Colei nele e disse "Essa vaga é minha, pode tirar o anúncio". Eu estava cortando esses dubs pra moleques de 17 anos — lembro que o primeiro foi "Bubble", do Skream, com "Blood", do Benga, no outro lado. Jason ajudou a tirar o melhor não só de mim, como de todos os outros.

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MALA: Era muito importante pra mim participar do processo de finalização de uma faixa, e isso significava ir até Jason: ouvir a diferença entre a minha versão finalizada e a dele; ver que mudanças sutis nas frequências ele havia feito, que compressão ou limitação ele havia aplicado. Era, e ainda é um processo caro, mas na época era uma grana de horas extras que bancava meus dubplates, então se você paga 30 ou 40 libras por duas faixas, você tem que se certificar de que elas serão o melhor que podem ser.

O que aprendi com Jason é que certas frequências simplesmente não se traduzem no vinil — e se você for filtrar e filtrar e filtar a parte grave, o som vai ficando pesado. A que se destaca mais é "Anti War Dub". Eu sampleei essa música, na verdade: tem uma faixa completa chamada "Anti War Dub" com verso e letras em um tempo diferente, que Coki gravou na Jamaica com [o vocalista] Spen G. Eu estiquei e sampleei o vocal, então a versão que todo mundo conhece é completamente diferente da do Coki. Na minha, lembro de Jason falando "Não preciso mexer em nada aqui". Lembro bem dele falando que eu tinha acertado.

LOEFAH: Quando mostrei "Twis Up" pro Jason, estava deixando meus graves espalhados em estéreo, o que não é o tipo de coisa que se deveria fazer, mas eu estava tentando dar uma de esperto e deixar os graves por todo o clube. Quando dei a gravação pra ele, ele virou e disse "A gente vai ter que fazer isso aqui em mono, cara" – e me senti um imbecil. Jason não me dizia o que fazer, mas caso você fizesse as perguntas certas — "Como deixar o som dos graves mais coeso?"; "Seria uma boa ideia limitar ou comprimir?" — ele daria uma força. E não só pela qualidade do som, mas pela forma que as faixas foram feitas. Jason conseguia graves sólidos e uma batida seca de caixa de você. Outros engenheiros de som tentariam dar fim nesses elementos, deixar tudo mais "pop", mas o cara sacava.

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JASON GOZ: Quando comecei a cortar dubplates para os soundsystems de reggae, levava mil anos e tinha muito dinheiro envolvido. Eu demorava quatro horas para cortar um dub com quatro faixas, e meu irmão chegou um dia disse "Você demorou quatro horas para ganhar 35 libras, cê tá louco?". Eu não era engenheiro de som. Nem era dub cutter. Eu passava seis meses trabalhando pra comprar uma caixa de dubplates, o que custava umas 220 libras na época, daí os cortava e voltava pra casa deprimido porque o som era ruim. Aprendi a cortar ouvindo os discos e não gostando de como soavam.

Deu certo pra todo mundo à longo prazo, porém. Eu aprendia na mesma época que o dubstep começava a crescer e era perfeito para todos nós porque não existiam regras — e quando o dubstep tinha ganho força, eu já sabia o som que queria. O que adorava mesmo no gênero eram os graves — e historicamente engenheiros de som tem medo deles. O som da madeira vibrando é meu barulho favorito em todo o mundo. Eu costumava colar na DMZ [influente festa bimestral de dubstep de Brixton, organizada por Loefah, Mala, Coki e Sgt Pokes] e pensar "Queria saber como são as fundações desse prédio" — porque o lugar inteiro tremia.

Já mais pro final do ápice do garage, eu fazia esses cortes pra gente como Hatcha — quando ele era da Stonecold GX Crew, creio — e ele começou a trazer uns sons diferentes que dizia serem mais "tribais". Ele já tinha feito uns dubplates de garage comigo e então metia aquele Lance ali, até que, aos poucos, o foco se voltava mais para o Lance. Sem sombra de dúvida ele foi a primeira pessoa a trazer o dubstep pra Transition.

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Haviam momentos em que eu ia a uma casa noturna, ouvia uma faixa que havia feito o corte, ligava para o produtor na segunda e dizia "Faço pra você de novo". Eles ficavam chocados — "O que? Por quê?" "Não curti como estava soando", respondia — e não os cobrava. Se aquele disco sai da Transition com meu nome ali, tem que soar perfeito. Já discuti tanto com o pessoal do som em boates e com outros produtores: gente que me pede para refazer Mala, Loefah, Coki. Quando a DMZ estorou, quase tive um colapso nervoso. Eu recebia 15, 20 ligações por dia, trabalhando 70 horas por semana.

Por conta disso, na época, eu sempre tive noção de que caso esse som crescesse, eu não teria como ser responsável por cada disco de dubstep lançado — então mantive um padrão. Não deixava nada muito alto. Não deixei as músicas não-dinâmicas, porque, fisicamente, ela precisava de um lugar pra ir. Muito do pop atual é alto demais, então em algum momento no seu hi-fi, a música meio que grita com você. Uma antiga faixa do Bob Marley, porém, não é tão alta. É dinâmica: tem picos e descidas, partes altas e mais calmas. Por isso digo que mantive um padrão, porque tem um ponto exato antes da coisa ficar inaudível.

Todo mundo colava na Transition, mas teve uma galera que se destacou. Benga estava vindo até mim aos 15 anos de idade. Lembro de estar ali no estúdio e falar pra ele, "Quer saber, cara? Vou te dar um desconto. Boto fé que você tá economizando a grana do seu jantar pra gastar nos seus dubs". Daí o Kode9 apareceu aqui com o som do Burial e disse "Não gasta muito tempo nele. Ele não quer que fique muito processado", então só deixei a coisa apresentável.

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Muito da música eletrônica da época parecia muito computadorizada pra mim — limitada, até — mas o Burial me lembrava como Robbie do Sly and Robbie tocava baixo. Quando ele queria bombar, tocava acima da nota da bateria, ou em cima dela, ou atrás dela — tudo para criar um clima. Por isso amei quando Kode9 me trouxe o Burial: a música não se limita à batida.

SGT POKES: Quando chegamos nas raves de drum and bass com nossas caixas de dubs, Roni Size e a turma dele chegavam na gente com seus porta-CDs, e eles reparavam na gente e diziam "Olha esses moleques com essa porrada de dubplates. Eles não tão pra brincadeira". As pessoas falavam de elitismo e audiofilia quanto aos dubplates, mas a capacidade de manter uma música viva — e no dubplate, white label ou versão de teste, por 18 meses ou mais — era importante. Como no caso de "Burnin", do Coki. Lembro de ouvir aquilo uns dias antes de uma DMZ e pensar "Isso vai quebrar tudo". No clube, chegava a hora do drop — quatro paradinhas. Skream e Benny tocavam — duas paradinhas. No final da noite as pessoas ainda gritavam pedindo por aquilo.

CAPÍTULO CINCO: "Nós sentíamos que tínhamos o direito de nos levarmos a sério"

Loefah, Mala e Coki na DMZ.

BIOGRAFIAS DO CAPÍTULO:
Oris Jay: Também conhecido como Darqwuan, o produtor e DJ de Sheffield que ajudou a levar as batidas quebradas para o dubstep.
Youngsta: Amplamente reconhecido como um dos DJs essenciais do dubstep.
Loefah: Produtor, DJ e um dos principais integrantes da DMZ, também responsável selo Swamp81.
Martin Clark: Jornalista e DJ londrino que trabalhou para uma série de revistas britânicas e agora é responsável pelo selo e festa Keysound.

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ORIS JAY: A cultura de compartilhar faixas nos primórdios era algo muito especial. Se você era do pessoal da Ammunition, passava pela Sarah Lockhart. Encare ela como a nossa versão da internet: nossa "Soulja". Sarah dizia "Só vou dar esta música pra você e três outras pessoas, mas vou levar o seu som até esse e aquele DJ para tocarem". Eu largava uma fita DAT na mão dela, ela me levava onde cortavam os dubplates, e dizia quem podia pegar o que dependendo de onde e quando fossem tocar.

Se eu quisesse um som do Skream, teria que ir de Sheffield a Londres, então Croydon para encontrar com o Skream, onde ele me entregaria uma fita DAT. Eu pegaria essa fita e levaria aonde cortavam os dubs, ficava na fila e fazia o dubplate sem saber como ele soaria. Não dá pra saber como vai ficar até ouvir: no rádio ficava bom, mas o que importava mesmo era como soava no soundsystem ali na FWD>>. Mesmo que o dubplate custasse 40 libras, provavelmente gastava o dobro pra chegar em Londres e voltar, mas você repetia pra si mesmo que valia o esforço porque quando tocasse o som naquela noite, era certeza de que ninguém no mundo tinha ele em mãos.

YOUNGSTA: Sei que teríamos que nos encontrar na estrada, então trombava Coki e Mala na estação Victoria e eles me entregavam os dubplates que tinham cortado pra mim. Já que eu era o DJ, eles queriam me dar aquilo de presente. Se eles não nos dessem essas músicas, não seriam lançadas e ninguém os chamaria pra tocar, então era interesse de todo mundo. Em determinado momento, eu só tocava faixas de quatro ou cinco produtores — Skream, Benga, Coki e alguma coisa do D1 — mas desenvolvi uma relação muito próxima com Loefah.

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Conheci Loefah em 2002 num show do Hatcha em uma boate chamada Egg, próxima de Kings Cross. Àquela altura, Mala e Loefah tinham dado suas batidas pro Hatcha e foram lá pra ouvir ele tocá-las. Muita gente comentava que era uma pegada muito minimal; não era "digno" de se tocar em uma boate, mas era isso que a gente curtia. O garage sumiu dos meus sets aos poucos enquanto Loefah progredia, até que chegou num ponto em que estávamos muito envolvidos um com o outro.

LOEFAH: As pessoas estavam ficando de saco cheio da gente. Demorou um ano, mais ou menos, pra sacarem qual era a das minhas faixas, mas isso era o mais legal: as influências eram muito vagas, nada ficava na cara para entenderem logo. Nós queríamos que não tivesse nenhuma influência discernível de garage ali. Estávamos de saco cheio de toda aquela animação. Foram dez anos de batidas quebradas, do hardcore, jungle e drum and bass, então começamos a fazer batidas de meio compasso. Eu mostrava por telefone as batidas pro Youngsta toda noite, e ele era bem exigente. Ele falava tipo "Tira esse chimbal"; "Tá alto demais", me falando sobre como fazer a mixagem pelo telefone mesmo.

Essa batida de meio compasso era complicada. A espinha dorsal da parada seria um bumbo e caixa no meio-tempo, bem regular, e no meio, rolaria essa percussão doida; soando no espaço negativo, uma espécie de pergunta e resposta. Vejo o espaço entre as batidas como qualquer instrumento de uma faixa. Do lado de fora parece simples, mas vendo de perto era mais "Caralho, tem muita coisa rolando."

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"Durante certo tempo, existiam talvez 50 faixas de dubstep no mundo todo. Se cinco desses eram meus, não ia só sair espalhando por aí." - Loefah

YOUNGSTA: Loefah chegou a um ponto onde mudou a estrutura das batidas. Não era mais um 4/4 sincopado. Não era mais garage 2-step. O lance era deixar um intervalo e ter o máximo de espaço possível, mas não fomos tão longe assim e foi aí que a parada ficou foda. Eu sou um cara esquisito, gosto das coisas de um jeito certo, e era assim que conseguia fazer uma faixa inteira novinha a partir da mistura de duas batidas do Loefah. Mesmo que as duas batidas estivessem perfeitamente em sintonia uma com a outra — como sempre deveriam estar, deixando de lado essa combinação de batidas — o negócio mesmo era a precisão ao mixar duas ou três batidas em harmonia, e de forma tão despojada, que haveriam elementos em uma que não existiam na outra; que quando fossem colocadas juntas, surgiria uma nova faixa.

Tá ligado que no drum and bass os breakbeats funcionam por conta de sua estrutura? E como o house tem uma batida 4/4? Percussão, melodia e leads variavam enormemente para nós, e o bumbo podia ficar onde quisesse, mas e a caixa? A caixa teria que ficar no meio-tempo da batida a 140BPM, para soar mais lento do que 140BPM. Por isso nunca pratiquei. Não tive nenhum equipamento de mixagem em casa durante 10 anos. Loefah me dava uma música e eu tocava na Rinse, entre 21h e 22h e era isso aí, até a próxima balada ou programa de rádio. Era um lance quase matemático: se eu soubesse que a caixa está sempre ali, minhas mixagens funcionavam.

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ORIS JAY: Assim que CDs começaram a se envolver na parada, aí a cultura de compartilhamento começou a mudar. Como os produtores queimavam as trilhas em CD, eles chegavam com uma sonoridade mais fraca, porém mais experimental, para ver o que rolaria nas boates. Se eu chegasse com um dubplate, aí a música teria que estar finalizada direitinho, porque aquilo me custaria 40 libras. Um CD custa, o que, 60 centavos? Era uma parada mais instantânea, mas daí você pegava sons pela metade pra rolar na boate.

MARTIN CLARK: Rolou uma festa na Rinse por volta do Natal de 2004, em uma biboca em East London chamada Public Life, bem do lado onde os estúdios Rinse ficam agora. Scuba [DJ e fundador da Hotflush Recordings] estava tocando, e pediu pro Loefah uma música, para que pudesse colocar em dubplates. Não rolou de tocar em disquinho, ele usou um CD e Loefah ficou puto: "Você tocou meu som sem masterizar, em um soundsystem! Essa merda não estava equalizada!"

LOEFAH: Você tem que entender: durante certo tempo, existiam talvez 50 sons de dubstep no mundo todo. Se cinco desses eram meus, não ia só sair espalhando por aí. Nós bancávamos a DMZ — com empréstimos estudantis, com os salários de Coki e Mala — então nós sentíamos que tínhamos o direito de nos levarmos a sério.

ORIS JAY: Se fosse pra definir algo, diria que surgiu da cultura do reggae soundsystem: tinha esses caras com os systems de vários lugares da Jamaica, e os mais populares eram chamados pra todas as festas, então rolava uma competição. Se uma centena de DJs toca a mesma a música, o que me faz diferente de você? Você arruma um produtor novo e diz "Deixa eu tocar o seu som primeiro. Não tô te dizendo pra não dar pra mais ninguém, só não dê pra ninguém antes de mim".

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CAPÍTULO SEIS: "Quem são esses malucos?"

Youngsta, Crazy D, Skepta e Plastician na FWD>>

BIOGRAFIAS DO CAPÍTULO:
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de baladas de dubstep por mais de 15 anos.
Loefah Produtor, DJ e um dos principais integrantes da DMZ, também responsável pelo selo Swamp81.
El-B: Produtor e DJ de grande importância no período de transição entre garagem e dubstep, fazia parte da dupla de garage Groove Chronicles.
Kode9: Produtor escocês residente em Londres, também DJ, fundador e responsável pelo selo Hyperdub.
Oris Jay: Também conhecido como Darqwuan, o produtor e DJ de Sheffield que ajudou a levar as batidas quebradas para o dubstep.
Martin Clark: Jornalista e DJ londrino que trabalhou para uma série de revistas britânicas e agora é responsável pelo selo e festa Keysound.
Skream: Produtor e DJ nascido em Croydon que foi tido como garoto-propaganda da cena dubstep.

SGT POKES: Ao longo de anos, Hatcha, Youngsta, N-Type [DJ e produtor de Croydon] e Chef atuaram como DJs. E era isso. Aqueles relacionamentos e aquela exclusividade construíram a cena. Eles também eram, em parte, enquanto experiência de vida noturna, uma reação ao tédio que havia se tornado a cena drum and bass. O garage também tinha virado uma cultura de playboy, com pegadas pop bregas; o hip-hop britânico nunca recebeu o reconhecimento devido. Era só gente insatisfeita em todas as cenas, de saco cheio de se sentirem enganadas.

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LOEFAH: A gente não curtia a frescura toda do jungle, mas o resto da galera de Croydon — a turma do garage — adorava. Costumávamos colar na FWD>> de caravana, um comboio do sul de Londres. Nos encontrávamos na casa do Hatcha; eu, Mala e Coki no carro do Mala — um Rover com as janelas pretas, tipo carro de traficante — e íamos seguindo o Hatcha, Skream, Chef, Plasticman [DJ de Croydon agora conhecido como Plastician] e N-Type em seus carros. Às vezes os caras pegavam umas limusines, com aquele visual de calças de corrida e tudo. A gente estacionava na esquina porque a gente é de Norwood, saca, mas eles chegavam ali com aquela limusine tacando o foda-se.

EL-B: Garage virou sinônimo de conformismo pra mim: patético e pré-fabricado. A galera do gueto sempre curtiu se vestir de forma espalhafatosa, então quando você dava uma sacada na [balada do Vauxhall] Liberty e Twice as Nice, sempre tinha nego bem vestido, estourando garrafa de champanhe, a porra toda, mas aí ficou meio bizarro. Antes dos anos 2000, você curtia raves de garage com jogadores do Arsenal e Chelsea. Depois, uns maconheiros e estudantes só.

KODE9: Se tratando de dubstep nas boates, é preciso distinguir alguns diferentes estágios. Quando a FWD>> rolava no Velvet Rooms, por volta de 2001 a 2003, era mais uma galera do garage que frequentava: muitos DJs, produtores e gente da indústria mesmo, homens e mulheres, querendo curtir. Foi quando mudou para a [recém-fechada boate no leste de Londres] Plastic People que virou outro lance. Uma das coisas mais importantes a acontecer no processo de catalisação do dubstep é que, em um soundsystem como aquele, rolava de produzir faixas pesadas e mínimas como aquelas — que tinham uma caixa a cada hora, um chimbal a cada duas, e muitos graves ali no meio. Isso não funcionaria em nenhum outro tipo de som.

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"Antes dos anos 2000, você curtia raves de garage com jogadores do Arsenal e Chelsea. Depois, uns maconheiros e estudantes só." — El-B

ORIS JAY: Teve uma época entre 2002 e 2003 que a música começou a se dividir em diferentes tipos — o lado mais obscuro do garage — de onde [o dubstep] veio — e então os lances mais quebrados, broken beat e grime. Nenhuma dessas cenas era grande, mas todas tinham uma sonoridade única, e as influências de todos determinaram o direcionamento que o som tomaria. Pega por exemplo "138 Trek", do DJ Zinc: por mais que classificassem como garage, por mais que os caras do dubstep tocassem, tinha um breakbeat ali. Os caras do grime encaravam essas quebradas de outra forma, porque queriam uma batida que lhes desse um espaço para rimar. O broken beat tinha vocais, mas ainda era um lance bem underground. E tudo era feito com o mesmo tempo, tocado nos mesmos lugares — mas aos poucos ia ficando cada vez mais específico.

Esses detalhes, parcialmente, explicam porque boa parte do público era trainspotter [N. do T.: termo britânico pra designar aquele maluco que manja todas as músicas que o DJ tá tocando, e saca os samples obscuros das faixas e etc.]. Alguém pegava um som meu, por exemplo, mas quando eu a toco, talvez seja uma versão VIP dela, para que saibam que sou eu tocando. Aí os nerds vão e comentam coisas como "Eu sei o que é isso e deve ser o Oris Jay tocando agora porque nunca ouvi essa versão antes". Se você tocava na FWD>>, tinha que chegar bem foda. Não dava pra tocar o que rolou uma semana antes.

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"Grime e dubstep eram como uma família, e famílias nem sempre se dão bem" — Martin Clark

MARTIN CLARK: Todo mundo na FWD>> trazia seus sons, então rolava uma tensão dinâmica entre isso de todo mundo ter seu espaço e identidade, enquanto permaneciam ligados o bastante para serem relacionados: o mínimo em comum para deixar tudo coerente o suficiente, mas com espaço para exploração.

Mas isto não é algo que é ressaltado o suficiente nesta conversa: o fato de que o grime teve uma puta influência na evolução do dubstep. Geenus [DJ e cofundador da Rinse FM] em especial viu as possibilidades do dubstep; criando um relacionamento com Sarah [Lockhart], juntando Rinse e Ammunition, então indo à FWD>> com o [cofundador da Rinse FM e influente DJ] Slimzee lá atrás. As pessoas se ligavam e diziam "Caralho, o Slimzee tá aqui."

Grime e dubstep eram como uma família, e famílias nem sempre se dão bem. O grime surfou na onda da infraestrutura dos clubes de garage, mas quando a polícia saiu fechando tudo, o gênero perdeu o acesso e a grana que vinham com aquilo. Simpatizo com o grime. Eles queriam mais, né? É uma cultura voltada pro MC. Queriam ser estrelas. O grime deu uma pausa depois que [o disco de estreia de Dizzee Rascal] Boy in da Corner saiu, quando perceberam que não ia rolar um novo Dizzee tão cedo — ou [que] aquela indústria não aceitaria outro, melhor dizendo. Treddin' on Thin Ice do Wiley não era o sucesso que ele e os outros queriam que fosse. A cena não conseguia fazer jus, comercialmente, ao seu hype, e foi aí que o dubstep começou a se desenvolver mesmo.

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Até 2003-04, o grime era bem mais criativo que o dubstep. O que Wiley e Dizzee conseguiam fazer era muito chocante. O dubstep ainda estava naquelas de ser um garage meio 2-step malvado — deixando rolar, dependendo daquela obscuridade pra se destacar — e ainda não tinha uma identidade própria. Com o grime, rolava um choque quase viciante de quão esquisito era: a estrutura em oito barras e a energia dos MCs. O grime mandava em Londres, olhando pro dubstep e pensando "Quem são esses esquisitões nessa salinha em Shoreditch?"

Depois de 2004, não era o caso de um ser mais criativo que o outro — o grime inspirou muitos dos primeiros discos de Benga e Skream, com aquela batida crua e as linhas de baixo tortas, e o Plastician teve um período incrível no [selo] Terrorhythm. Mas o dubstep aos poucos se tornou um som mais transferível. O interlaçar intermitente [entre grime dubstep] era muito interessante e inigualável.

SGT POKES: A batida do grime sempre foi um canal para um ego durão. Os MCs de dubstep não eram MCs; eram anfitriões. "Estamos aqui para ouvir dubstep e você está aqui para nos apresentá-lo". As danças eram como zonas desmilitarizadas. Não era tipo "ele toca dubstep, ele faz dubstep" — todos nós somos o dubstep. Ninguém ligava se tocava primeiro ou depois, porque era parte da noite. "O que você trouxe aí…" o que importava era saber o que galera andava fazendo e qual seu papel ali tocando. "Se todos formos bem, então esse som vai bem."

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Comecei até a pensar que os MCs começaram a lembrar DJs da mesma forma que cães começam a ficar parecidos com seus donos. Com o [MC] Task e Youngsta, não importava o hype: "Ah, fica de boa, mano". Task era tipo, o anti-MC. Já com o Hatcha nós sabíamos que era hora de farra, tudo na voz do [MC] Crazy D: o cara da cidade animadão, com aquela loucura tribal. Na real, lembro que o Spaceape até se escondia quando o bicho pegava o microfone. Era louco.

Daí quando Wiley, JME e Jammer colavam na FWD>>, rolando " Midnight Request Line" [do Skream], o impacto da qualidade das músicas importava para as duas cenas. Acho que muitos dos artistas com os quais os MCs do grime tentavam trabalhar eram aqueles com sons fodas destruindo nas boates, mas não necessariamente eram os melhores produtores para seu estilo. Rolava muita pirataria também: versões de músicas que nunca tinham sido aprovadas e que incomodavam muitos no dubstep. Rolou com o Skream, tenho certeza.

SKREAM: Na época dos bootlegs, você tinha "Pulse X" [do Youngsta], mas tinha também Pulse Y, Z, ABC e o caralho, além de várias versões de "Eskimo". "Midnight Request Line" surgiu quando tentei pegar o instrumental do grime e deixar mais malvado. Quando criei "Midnight Request Line", passei pro Hatcha e ele não curtiu. Tinham mais umas duas ou três faixas ali que ele preferia, e eu nem pensei muito naquilo. Youngsta também curtia, e depois mandei pro [DJ de grime e integrante do Boy Better Known] DJ Maximum, após Wiley, Skepta e Jammer terem comentado sobre ouvir o som na FWD>>.

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Hatcha não botou o som pra rolar até que fiz uma versão VIP pra ele, e Skepta por um tempão não botou fé que era eu quem tinha feito o som também. Suas palavras exatas foram "Você parece um estudante". Sendo justo, eu estava com uma camisa de rúgbi rosa e verde da Ralph Lauren, bermuda e sapatilhas. Não parecia ser o cara mais urbano do mundo. Demorou um pouco pra ele botar fé que eu tinha feito aquele som, mas aí acabou virando meio que um hino do Skepta por um bom tempo.

Por volta daquela época — e era um lance bem grime de ser, digamos assim — se você tinha um puta disco, lançava versões similares dele. Eu tinha umas seis ou oito [versões de "Midnight Request Line"] que tinham alguma coisa a ver com telefone — sei lá por que caralhos, não me pergunte — e trabalhei em cima delas junto com o JME. Lembro do Skepta me ligar, num mal humor da porra, falando "Por que você tá fazendo o esquema com meu irmão? Por que não comigo?" porque ele fez "Midnight Request Line" bombar para outro público. O bicho tava puto, mas eu disse "Mano, tentei entrar contigo em estúdio um tempão e você não foi nada profissional". Daí eu e JME acabamos fazendo "Tapped".

CAPÍTULO SETE: "Por que caralhos eu me importaria com a porra do seu CEP?"

Hijak na Rinse FM em 2006.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO
Kode9: Produtor escocês residente em Londres, também DJ, fundador e responsável pelo selo Hyperdub.
Skream: Produtor e DJ nascido em Croydon que foi tido como garoto-propaganda da cena dubstep.
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de baladas de dubstep por mais de 15 anos.

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KODE9: Tanto o grime quanto o dubstep eram apoiados pelo fato de que aqueles produtores não participavam da cena garage mais ampla. Eles pegaram aquele insulto que era o termo "grime" [sujeira, fuligem, encardimento] e transformaram em algo positivo. Outros tinham um histórico com a Metalheadz, tipo das raves [no Hoxton] Blue Note de 94-95, então todo mundo já tinha passado pelos mesmos lugares dez anos antes, mas não haviam se encontrado até o dubstep rolar. Era na verdade um encolhimento. Muitas vezes as pessoas dizem que o grime veio primeiro — o que pode parecer verdade para quem vê de fora — mas o dubstep já estava borbulhando. O problema é que todo mundo, com exceção de uma dúzia de esquisitões em uma ou duas boates, odiava aquela merda.

Pra mim, 2002 e 2003 foram o ápice do grime, e o período de 2003 a 2005 foi o ápice do dubstep, por mais que nenhum dos dois desse crédito para outro. E, sendo bem franco, acho engraçado o quão territoriais as turmas do grime e dubstep do sul de Londres eram. Sendo um escocês bizarro ali no meio, interpretava tudo como boa música, então me pareceu óbvio tocar grime e dubstep na FWD>> e na Rinse. Era tudo na mesma velocidade, da mesma cidade — por que caralhos eu me importaria com a porra do seu CEP?

Creio que a relação sonora entre grime e dubstep era um caminho que poderia ter sido melhor explorado. É estranho — além de "Midnight Request Line", os DJs de grime não se ligavam em faixas de dubstep até que o som ficou muito mais agressivo e raivoso — o que foi um puta de um desastre. Foi horrível ver DJs de grime — e eu adorava o que eles faziam antes — finalmente chegando no dubstep e só fazendo merda.

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Quando comecei lá na Rinse, era o único escocês com um monte de cockneys. Morria de medo de falar nos primeiros meses porque era um baita tiete de música londrina, então parecia errado estar na rádio pirata aqui. Por volta de 2003, porém, a Rinse me pediu para cuidar do programa da FWD>>. Acho que rolava uma vez por semana, às terças, logo após o programa da Roll Deep Crew [influente coletivo de grime de Wiley], das 19h às 21h. A Rinse [ainda uma rádio pirata] ficava nas torres lá em Bow. Era uma pocilga; uma sala dentro de outra, com um único "soundsystem", um ghetto blaster todo cagado com só uma caixa funcionando. O bagulho era nas coxas mesmo.

SKREAM: A Rinse era coisa de louco. Quando comecei com meu programa, o estúdio ficava num espaço bizarro na Limehouse, e no mesmo prédio rolava um esquema de produção de pornô com travestis. Caminhando ali pelas 2 ou 3 da manhã você via uma galera muito sinistra. Eu só ia fazer meu programa e caía fora, na maior parte do tempo. Aparecia uma galera do gueto mesmo lá, mas daí você só fumava um, tomava um negocinho, depois ia pra casa.

KODE9: Naquela época, a Rinse não guardava os sets, mas existia um site chamado barefiles.com. Quando eu chegava em casa, após meu programa, meu set já estava lá. Acho mesmo que junto com os textos no Hyperdub e o streaming no dubplate.net, o BareFiles teve uma puta influência em como o início do dubstep se espalhou pelo mundo.

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SGT POKES: Cacete [risos] — nem fale pra Sarah [Lockhart] sobre o BareFiles. Rolou um lance muito sinistro uma vez: o BareFiles era coisa de um moleque que pirava no som, um maconheiro recluso com uns servidores em casa, que hospedava um site de apostas para um cara mais velho, que começou a guardar tudo junto desse mano chamado Boom Noise. De primeira o nome era Bare Noise Files, daí a galera do Rinse deu uma de fodões pra cima deles falando "Vocês não podem hospedar nossas transmissões" e tal — e tiveram que tirar tudo do ar. A ideia era preservar o momento, então…

KODE9: Quando eu dava aula na Universidade de East London, saía direto da aula para apresentar o FWD>> na Rinse. Certo dia eu estava encerrando a aula, em janeiro de 2006, quando me ligaram, do nada. Era Wiley. Ele disse "Ei mano, tem problema se eu for no seu programa como convidado hoje?" Meu queixo foi ao chão — chocado. Desde que havia começado com a Hyperdub e parado para pensar no que o dubstep poderia ser, e o que o grime poderia ser, foi a primeira vez que pude botar essas ideias na prática. Foi um choque pra ele também, porque não sei se ele sabia bem onde estava se metendo. Mas foi o máximo de diversão que tive apresentando um programa de rádio. De certa forma, foi o programa que teve o efeito mais duradouro. Ainda recebo emails sobre ele, dez anos depois.

CAPÍTULO OITO: "A Skull Disco era tão engraçada que só faltavam os sapatos de palhaço, mano."

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Pista da DMZ, 2005.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de baladas de dubstep por mais de 15 anos.
Loefah: Produtor, DJ e um dos principais integrantes da DMZ, também responsável selo Swamp81.
Chef: Dub cutter e engenheiro de som no Transition Studios, de Croydon, também foi um dos principais DJs da cena dubstep, fazendo parte da turma da Smooth Criminals de Skream e Benga na adolescência.

SGT POKES: A FWD>> foi com certeza o primeiro lugar que você iria para ouvir dubstep mesmo, mas rolavam outras baladas também. A Warp [Records] fazia uma balada chamada Rebel Bass na Electrowerkz [na região de Angel], com gente como Mala e eu, assim como umas paradas mais industriais tipo Slaughter Mob e Vex'd. Então Plastician e seu amigo Filthy Dave e Dave Carlisle começaram uma balada chamada Filthy Dub no final de 2003; de primeiro foi numa boate meio brega de Croydon chamada One92One, mas aquele lugar não estava pronto pro som. Tentamos então fazer uma balada no Black Sheep chamada Dub Session, enquanto eu ainda trabalhava, em 2004 e 2005. Botávamos alguém para tocar reggae e dub tradicional às 19h, daí por volta das 22h ou 23h, quando os clientes regulares iam embora, metíamos uma hora ou duas de dubstep.

LOEFAH: É, Pokes e eu trabalhávamos no bar lá no Black Sheep. Era o único lugar em Croydon que você não precisava estar de camisa social e sapatos. Acabou virando uma noite de domingo no Old Blue Last [em Shoreditch], chamada Pub Sessions: uma caixa de Red Stripe, por 25 libras, tocando 7" de dub, e então dubstep mais tarde da noite, quebrando tudo. Durou uns seis meses, lá por 2004.

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Também rolava o Blue Note em Hoxton Square, com a parte principal da rave rolando no porão, passando por uma escadaria, com um puta som. Foi bacana demais pra mim: eu só tinha ido a umas raves jungle meio toscas em Croydon, e de repente estava em Hoxton. Aquele clima jungle era ressaca dos anos 90, quando o bicho pegou com drogas. Você zuava até não aguentar mais mesmo. O que eu gostava mais nas primeiras festas de dubstep é que elas eram mais controladas. Na Metalheadz a gente pegava umas garrafas de Guiness e fumava uns, e o dubstep seguia na mesma.

SGT POKES: Não esqueça das baladas da Skull Disco [gravadora de dubstep], em um clube de operários na N16 [Stoke Newington]. Vou te falar quem eram esses caras — os primeiros de Bristol a colarem numa rave de dubstep em Londres e realmente dançarem. Eles ficavam bem na frente na Third Bass [parte da Mass, em Brixton, onde nasceu a DMZ], perto das redes de proteção e sob a luz UV, e quando chegavam pra dançar, botavam pra dentro umas garrafas de bebida e mandavam ver; uma coreografia bizarra de techno. Eles deram confiança pr'uma galera não se importar com como dançavam ou com sua aparência. A Skull Disco era tão engraçada que só faltavam os sapatos de palhaço, mano.

CHEF: Lembro de ver o Shackleton [produtor e cofundador da Skull Disco] enfiando a cabeça nos falantes na FWD>> e pensar "O bicho tá doido — os tímpanos dele devem ser de aço". Então claro que as festas da Skull Disco em Stoke Newington eram uma piração. Tinha acabado de sair o DMZ001, e o Mala chegou com uma caixa com 40 cópias pra vender na boate. Acho que ele cobrou cinco paus por cada. Quando Skream e eu chegamos lá, rolava "Judgement", que tinha saído uma ou duas semanas antes, e o Skream despirocou. Acho que ele só ficou feliz que alguém tinha comprado o disco dele, né não.

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CAPÍTULO NOVE: "A pressão era tanta que seus olhos tremiam."

MC Dangerous na DMZ, 2005.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO
Pinch: Produtor e DJ de Bristol, fundador e responsável pelo selo Tectonic.

PINCH: A primeira vez que colei na FWD>> foi a primeira noite que saí pra curtir em Londres. Eu tinha 22 ou 23 anos, e cheguei com uma galera de carro, vindo de Bristol. Era bem menor do que eu esperava — o ar coberto por fumaça de maconha, pista lotada, mas quase ninguém dançava. Pensei "Mas que bizarro". Peguei alguma coisa pra beber, me meti no meio da galera, acendi unzinho e fiquei mexendo a cabeça no ritmo do Kode9. O set do bicho me fez viajar — polirritmos de jungle, drum and bass, techno, aquela amplitude dub e o grave completamente absurdo — e decidi, naquela hora, que esse era um som que funcionaria em Bristol.

A festa semanal que eu havia criado, a Context, rolou de janeiro a dezembro de 2004, inicialmente. Até 2005, a Context não passava de 100 pessoas na pista. No começo, a cena dub e roots era bem provinciana, e muitos dos frequentadores não achavam uma boa mexer com a fórmula consagrada das coisas, então essa galera não via o dubstep com bons olhos. Mas no começo de 2006 — mais ou menos na época que o programa Breezeblock Dubstep Warz de Mary Anne Hobbs [programa de edição única da Radio 1 que marcou o momento em que o dubstep se revelou ao mundo] — foi como, literalmente, abrir as portas para um porão que ninguém visitava há anos.

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O segundo aniversário da Subloaded [balada dubstep em Bristol cofundada por Pinch e DJ Blazey] foi o mais lendário, provavelmente. O Black Swan [em Bristol] era um lugar meio tosco, mas eles não ligavam de você botar um puta soundsystem lá, administrado por uma galera chamada Dirt, que levava 12 Syko [subwoofers] de uma empresa chamada Void. Isso rolou antes da compra de cogumelos virar ilegal, e, de forma completamente inesperada, colei lá e tinha um hippie de meia-idade vendendo cogumelos — o que foi bizarrão.

Como não rolavam muitos eventos de dubstep — isso foi logo depois da primeira DMZ, em abril de 2005 — a turma de Londres colou também. Skream, N-Type — eles não iam tocar, mas gostaram dos cogumelos. O Dissident [equipe de soundsystem] estava na neura naquela noite. A pressão era tanta que seus olhos tremiam. Quando entravam os graves, virava uma confusão só. Foi foda.

Era tanta pressão ali naquele palco que rolava um retorno dos falantes. Loefah tocou o remix de "I" em um dubplate, e ele jura que enquanto estava lá, todo mundo muito doido, ele abriu os olhos e a agulha estava no finalzinho do disco. O cara se desligou mesmo. Outro jurou que estava alucinando com os graves. Era como uma câmera de pressurização. As pessoas saíam de lá de dentro depois de 20 minutos dizendo que precisavam de um intervalo. Mala e Loefah tocaram um após o outro, e, quando um tocava, o outro descia do palco para descansar.

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Aquela pressão toda definiu muito da técnica envolvida no som também. Quando toquei em Berlim em 2005, antes das primeiras Tectonic Plates [série de coletâneas lançadas pelo selo de Pinch, Tectonic] serem lançadas, estava com " Bahl Fwd" do Skream comigo, em dubplate. Toquei num lugar esquisitão, que era tipo um cofre de banco e ainda tinha uma sala de depósito com grades e tudo: lugar pequeno, com paredes muito grossas e um puta equipo. Quando eu estava tocando, o Jammer [MC de grime] e sua galera passaram, daí alguém pegou o microfone e começou a rolar um negócio esquisito.

Os graves estavam ridículos e o mixer pulava na mesa. Quando botei "Bahl Fwd" pra rolar, um monte de flyers voou feito confete e tive que segurar o mixer. Achei que tínhamos chegado na frequência de ressonância do lugar. Saquei que sempre que o MC chamava a atenção da galera, ficavam na frente do falante enquanto o grave do microfone tava no máximo; o feedback do grave passava pelo microfone e deixava o lugar tão na loucura que parecia que você estava sendo esmagado. Eu achei que ia morrer ali. Aquela faixa é uma das mais pesadas de dubstep de todos os tempos, porque não rolou equalização nenhuma nos graves: estava lá, intocado.

Agora falando de baladas em Bristol, provavelmente o lance pegou em 2007 com a Subloaded — quando me juntei ao [DJ] Stryda do [grupo de dub de Bristol] Dubkasm, onde ficamos no andar de cima e [a equipe de soundsystem] Teachings in Dub lá embaixo, na [boate] Clockwork — uma boate com capacidade para mil pessoas, com 1.200 a 1.300 em uma sala e umas centenas na porta, do lado de fora. Chegou ao ponto dos seguranças não darem conta do pessoal do lado de fora. Lá pela meia-noite, cavalos da polícia corriam pela rua, tentando afastar as pessoas do trânsito. Se você achou isso loucura, nem se compara com o primeiro aniversário da DMZ.

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CAPÍTULO DEZ: "Um monte de marmanjo pulando e se abraçando."

Chef, Sgt Pokes e Crazy D na DMZ, 2005.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO:
Mala: Um dos fundadores da balada londrina e gravadora DMZ, também metade da dupla de produtores Digital Mystikz, junto de Coki, bem como DJ e produtor solo.
Joe Nice: DJ de Baltimore, Maryland, criador da primeira balada de dubstep dos EUA, Dub War.
Pinch: Produtor e DJ de Bristol, fundador e responsável pelo selo Tectonic.

MALA: Fizemos nosso primeiro baile [DMZ] em janeiro de 2005. O dono da casa noturna dizia "Vocês são loucos. Festa pra quê? Semana passada foi réveillon, ninguém vai aparecer". Minha mentalidade era "Só dá pra ouvir esse tipo de música em um lugar do mundo", então estava confiante. Naquela noite, o público foi recorde. Daí a coisa estourou; a transmissão do Dubstep Warz Breezeblock de Mary Anne Hobbs rolou em 10 de janeiro de 2006 e o primeiro aniversário da DMZ foi em sábado, 4 de março.

JOE NICE: Lembro disto claramente: Mala e eu fomos até Mass em Brixton juntos, e perguntei pra ele "Cara, alguma coisa que deveria prestar atenção hoje, mano?", aí Mala olhou pra mim e respondeu "Joe [Coki] me mostrou esse som novo e comecei a rir na hora do drop. Não acreditei. Vai por mim, bicho — vai ser foda". Entrar na Mass foi impressionante. Para um cara como eu, dos EUA, não tínhamos esses equipamentos sem limitadores, em um lugar com teto de 10m, botando pra foder com os graves assim. A fila era gigantesca. Nunca tinha visto uma balada com tanta gente pirando com um só gênero. "Algo de bom vai sair daí", lembro de ter pensado.

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Lá dentro, Benny Ill e Kode9 tocavam uma espécie de vodu eletrônico. Chef tocou junto com Skream e então o Digital Mystikz tocou com Loefah por três horas. Foi uma parada implacável. Eu estava num casulo de subfrequência. "Anti War Dub" [do Digital Mystikz], "Bury Da Bwoy" [de Mala] e "The Goat Stare [de Loefah] e "Root" foram tocadas ao vivo pela primeira vez. Quando ouvi "The Goat Stare", com aquela caixa dando na cara e aquele baixo, em cascata, como se rolasse morro abaixo…

Lembre-se: dubstep era algo de outro mundo na época. O house fica entre 120-130BPM, ou seja, o dobro do ritmo cardíaco em repouso. Drum and bass chega aos 170BPM, mas geralmente rola uma esticada, chegando a 180BPM: três vezes o ritmo cardíaco. É fácil dançar com house e drum and bass. O dubstep toca a 140BPM, mas parece que você se move a 70BPM. É o planeta se movendo. Saca, em termos lógicos, você está rodando rápido demais, mas parece que o tempo não passa. Nascemos com uma noção de ritmo e é difícil ajustar um hábito com o qual você nasceu.

Mala dá um fade-out num som e começa a tocar "Haunted". O público surta. Um monte de marmanjo pulando e se abraçando. Joga lá em cima. Rola o drop de novo. Alguém por trás dos decks cola lá e para tudo. Sgt Pokes pega o microfone. Mala rola o drop pela terceira vez, mas antes disso, Benny Ill chega nos decks vindo do público e bota pra foder. A galera grita.

Coki nem está na mesa. Está no canto, fumando, vendo a desgraça que criou com uma música feita há uma ou duas semanas atrás. Deixamos o burburinho acabar, Mala põe a agulha no disco, aí Skream chega lá e para tudo — quatro paradinhas até agora. Só na quinta que deixam o som rolar. Quando chega a hora do set de Coki, no espaço de 30 minutos, só cinco ou seis faixas são tocadas. Achei que as paredes iam cair.

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PINCH: Havia uma compreensão profunda do que estava acontecendo, então muitas vezes aquela volta era mais tipo "Porra, não ouvi isso antes—– preciso ouvir de novo como começa!" Por isso pediam tanto. No primeiro aniversário da DMZ, tinha muita gente pedindo [para voltarem] sons que já conheciam; era muita empolgação no ar, o público explodiu. A filosofia por trás desses pedidos de replay antes tinham mais a ver com novidade — porque poderiam passar meses antes de ouvir aquilo de novo, na próxima DMZ. Mas isso mudou naquela noite. Acho que as coisas nunca mais foram as mesmas na cena, também.

MALA: Lembro quando rolavam certas linhas de baixo; era como uma reação mais lenta na dança. O tempo que demorava para que a frequência mais baixa passasse pelo corpo de alguém, você observava a reação das pessoas levemente mais lentas que as outras quanto mais pro fundo fosse, com a onda de grave passando fisicamente por todo mundo: esta "sacada" crua que rolava quando vinha o drop. Antes da DMZ, só tinha visto isso acontecer em bailes do Jah Shaka [soundsystem lendário de reggae roots].

CAPÍTULO ONZE: "Acertando a frequência, todo o resto é perfumaria."

(Da esquerda para a direita, no fundo) Mala, Coki, Crazy D, Benga, Hatcha.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO:
Martin Clark: Jornalista e DJ londrino que trabalhou para uma série de revistas britânicas e agora é responsável pelo selo e festa Keysound.
Mala: Um dos fundadores da balada londrina e gravadora DMZ, também metade da dupla de produtores Digital Mystikz, junto de Coki, bem como DJ e produtor solo.
Coki: Metade do Digital Mystikz, junto de Mala, Coki é um dos principais integrantes do selo e balada DMZ.

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MARTIN CLARK: O apelo da DMZ enquanto balada, selo e com o Digital Mystikz era sua oposição a como o drum and bass havia se desenvolvido. O drum and bass sofria com gente que achava que a produção era mais importante que a música. Não tem nada de errado em se preocupar com isso, mas produzir um som de forma a ser o mais impactante possível significa gerar uma reação física e emocional. Se tratando de dubstep, não há como subestimar o Mystikz ter feito disso o padrão.

COKI: O estilo era muito minimalista, então estava aberto a sons mais atmosféricos, com vozes que ampliavam certas vibrações. Meu estilo vinha das escalas. Talvez haja uma faixa de dub com uma escala em E agudo e eu diga, "Eu não manjo essa escala, estou acostumado com C", então passei a fazer um som melódico diferente que pra mim vinha da mesma raiz que o dub. Na maior parte do tempo, o dub usa escalas menores, e estou acostumado com as maiores, e foi isso que deu uma aura diferente ao som do Mystikz. Acho que tentei fazer algo a partir do dub, mas não rolou como eu queria.

MALA: Quando eu estava fazendo batidas, sempre tocava nas teclas pretas. Do jeito que eu via a música não se tratava só de destruição, mas ao mesmo tempo, tudo estava meio nebuloso. Lembro de ser bem militante: para provar algo pra mim e pro mundo. [Eu estava envolvido com como] a sociedade diz que você tem que "ser adulto" — ter um carro, pagar hipoteca, essas porras. Então parte desta exploração canalizava-se ao fazer aquele som. Com certeza estávamos simplificando tudo, deixando só uma estrutura básica e uma melodia de três notas. Acertando a frequência — conseguindo canalizar aquela energia em sua verdadeira forma — o resto é perfumaria.

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Acho que muita gente pensa que ao fazer uma contribuição em um som eles querem tentar "adicionar algo", mas pode-se contribuir ao remover alguma coisa. Não disse "Estou no estúdio, compondo coisas". Eu disse "Estou no estúdio, construindo batidas". Por isso, no selo central de cada disco da DMZ, está escrito "construído por Mala", "construído por Loefah". Joe Nice me disse algo há uns anos atrás quando entramos no estúdio que sempre gostei: que se ele tivesse que descrever minha música, ele diria que era "como Bruce Lee: a energia é bem controlada, mas você sabe que a qualquer minuto, pode destruir tudo."

CAPÍTULO DOZE: "Eles ficavam jogando ideia errada"

MC Task, Loefah e Youngsta na Rinse FM.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO:
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de baladas de dubstep por mais de 15 anos.
Coki: Metade do Digital Mystikz, junto de Mala, Coki é um dos principais integrantes do selo e balada DMZ.

SGT POKES: Durante um bom tempo, genuinamente, com aquela harmonia entre os primeiros no dubstep, demorou muito para que rolasse alguma treta. O movimento todo passou por momentos de transição, mas Mala era, e sempre foi, o ícone da unidade do som: ele é preto e branco, e ele faz música que é preta e branca. Eu costumava brincar que Mala e Skream eram cara e coroa do dubstep, respectivamente.

Todo mundo era muito apoiador — e ia contra a maré às vezes, também. Lembro que ali pela época da Winter Music Conference em 2006 ou 2007, quando dois grandes nomes do drum and bass tentaram zoar uns caras novos do dubstep, como Quest e Silkie. Eles pensavam "Ah, esses caras são promissores. Vão ser os próximos grandes". Eles ficavam jogando ideia errada tipo "Esses caras — Mala, Loefah Skream — estão sacaneando vocês. Vocês deviam estar fazendo shows enormes" — falando merda pra que eles entrassem nessa agência que tinham acabado de fundar. Eles queriam criar um clima ruim pra garantir um investimento. Não rolou com a gente, ficamos juntos.

Outra coisa é que os produtores fazendo o som mais quebrado não faziam parte da galera de Croydon. Não era nem questão de norte e sul. Era o som de Croydon. Antes do AIM [AOL Instant Messenger, programa de troca de mensagens da AOL] a galera não saía distribuindo sons tão livremente, rolavam menos shows — o pessoal cuidava um do outro, saca? Depois do AIM, de repente rolavam mais shows, mais emails, mais músicas sendo espalhadas na rede — e essa união começou a se desfazer.

Lembro que a gente fazia a DMZ na Third Bass, [os produtores] Search and Destroy estavam trabalhando junto com o Caspa quando ele ainda se apresentava como Quietstorm e fizeram uma balada na Mass. A gente pensou "Peraí, o Caspa é do oeste de Londres. Por que estão vindo até aqui, com tantos outros lugares?" Queríamos mais baladas de dubstep, claro, mas era algo implícito. Talvez não devêssemos ter nos levado tanto a sério, mas achamos que rolou uma malícia ali. Resumindo: por isso que Caspa nunca tocou na DMZ.

Enquanto etos, não dá pra culpar, mas uma coisa que nos atingiu mesmo, creio, era que Coki não estava fazendo shows. Ele colava nas apresentações e nem tocava, então era eu, Mala e Loefah, mas sabe como é — uma corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco. Coki é um gênio, acho que precisávamos dele mais do que imaginávamos.

COKI: Tinha muita coisa na minha cabeça na época. Meu filho nasceu em 2003, e eu ainda tinha um emprego de tempo integral. Não rolava uma relação com o que estava acontecendo além da DMZ e FWD>>. Naquele tempo chegavam e me diziam "Mano, você é dos grandes, saca? Por que fica num escritório?" — e eu nem fazia ideia. Eu estava cego. Mesmo quando fiz "Night" com Benga: ouvi no rádio, vi meu nome na TV, tocava em Ayia Napa e tudo, então pensei "Por que estou trabalhando?", mas não larguei meu emprego até 2011.

CAPÍTULO TREZE: "Tínhamos que competir com uma nova geração que nunca tinha ouvido falar da gente."

Youngsta em 2005.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO
Martin Clark: Jornalista e DJ londrino que trabalhou para uma série de revistas britânicas e agora é responsável pelo selo e festa Keysound.
Sgt Pokes: O principal MC das baladas da DMZ, tem sido mestre de cerimônias de baladas de dubstep por mais de 15 anos.
Loefah: Produtor, DJ e um dos principais integrantes da DMZ, também responsável selo Swamp81.
El-B: Produtor e DJ de grande importância no período de transição entre garagem e dubstep, fazia parte da dupla de garage Groove Chronicles.
Oris Jay: Também conhecido como Darqwuan, o produtor e DJ de Sheffield ajudou a levar as quebradas para o dubstep.
Mala: Um dos fundadores da balada londrina e gravadora DMZ, também metade da dupla de produtores Digital Mystikz, junto de Coki, bem como DJ e produtor solo.
Coki: Metade do Digital Mystikz, junto de Mala, Coki é um dos principais integrantes do selo e balada DMZ.

MARTIN CLARK: Digital Mystikz era uma puta dupla de produtores, mas eles também haviam criado um centro de poder com a DMZ. Tem gente cuja carreira morreu ali. [o produtor e DJ londrino] J Da Flex devia ter tocado na primeira DMZ e pegou o último horário, o que foi considerado como uma grande honra. Ele disse "Não vou tocar por último" — e nunca mais tocou na DMZ. Ele não é uma grande influência no dubstep por diversos motivos. Ao passo em que o dubstep enquanto veículo cresceu, J Da Flex tornou-se um agitador do lado break do lance — "essa parada aí é muito morta, muito calma, minimal demais, esquisita" — mas essa questão acabou sendo esquecida.

O que as pessoas encaram como dubstep agora é só metade do que a cena realmente era. A outra parte era um grupo bem menor, porém intenso, de pessoas que queriam pegar a percussão do garage e deixá-la mais quebrada, basicamente construindo em cima de "138 Trek". No começo, esses segmentos se davam bem, mas em 2004-05, quando o half-step virou uma receita de bolo, começaram a não se dar mais tão bem assim.

Gente como Caspa, Search and Destroy, Oris Jay e até certo ponto selos como o Hotflush, estavam no mesmo barco. Como tudo estava evoluindo enquanto se desenvolvia, tinha gente que ficava entre as duas cenas e era chamada pra tocar nas mesmas boates, mas naquele esquema, digamos, de como o som do Plasticman difere, sei lá, do Digital Mystikz, o Search and Destroy era diferente de Loefah. Rolavam muitos conflitos internos.

O que acabou acontecendo é que não só a turma que ficou conhecida como "dubstep" recebeu esse título, mas também se concentraram em torno da DMZ: chamar ou não certas pessoas pra tocar, tocando e deixando de tocar certos discos, lançando ou não certos discos. Quando você vê os lineups da DMZ, não se vê muita gente de lá da rua de baixo. Apesar de que falamos da "rua de baixo", todo mundo ainda curtia junto na FWD>>.

Os lances quebrados eram quase um brostep [termo depreciativo para um tipo de som influenciado pelo dubstep feito por gente como Caspa, Rusko e Skrillex ouvido por universitários babacas musculosos metidos à gostosões] naquela época, mas a parada foi ficando cada vez mais distorcida, cheia de overdrive e compressão demais. Bem antes dessa mudança, pedia pra galera da Fabric [superboate londrina] em 2002 ou 2003 para que lançassem um CD do Hatcha, que teria sido algo seminal, mas aí acabamos fazendo o Dubstep Allstars. Observando tudo agora, não mudaria nada naquelas coletâneas, mas não se pode subestimar o efeito que o mix Fabriclive de Caspa e Rusko teve na progressão da sonoridade — e não de um jeito bom.

SGT POKES: Sendo justo com Caspa e Rusko, a história de seu CD Fabriclive é que haviam pedido pro Justice [a dupla de house francesa] para fazer aquele mix, e eles entregaram um monte de música francesa bizarra. Daí a Fabric saiu ligando pra uma galera falando "Isso tem que ficar pronto logo" e pediram pra um monte de gente do dubstep, mas ninguém queria fazer aquilo fora Caspa e Rusko. Eles se queimaram com aquele lançamento. Levaram boa parte da culpa pelo direcionamento do som. A maioria das músicas ali eram boas, mas não era uma representação legítima de uma balada de dubstep. Eram faixas de destaque que gostaria de se ouvir entre um set e outro, não uma atrás da outra por mais de uma hora. Era como um megamix para raves.

LOEFAH: Aquele CD de mix da Fabriclive foi ofertado para muitos de nós e muitos falamos "Não" — e aí uns caras que não eram de Croydon embarcaram na parada. Tenho duas interpretações dessa parada. Sendo pragmático, penso "Foda-se, eles fizeram a parada deles assim como fizemos a nossa. Eles chegaram ali sozinhos e botaram pra foder". Mas quando alguém que era DJ e fazia dubstep há menos tempo que você e de repente estava na Fabric, foi aí que pensamos "Caralho, não estamos mais no controle". O som surgia de produtores que não eram de Croydon. E nós pensamos "Você não entende. Nunca falamos com esse seu pessoal". A galera diz que faixas como "Spongebob" e "Haunted" mudaram tudo, mas elas ao menos tem batidas interessantes. Quando Caspa e Rusko surgiram, comecei a perder o interesse naquilo.

"Se não fosse por Sarah Lockhart e Mary Anne Hobbs, não existiria nada disso. Os moleques corriam atrás, mas foram estas duas mulheres que fizeram a parada rolar." — Oris Jay

EL-B: Quando Noodles [Steven Jude, da dupla de produtores Groove Chronicles junto de El-B] e eu nos separamos, por volta de 2000-01, ele me ligou. Ele poderia ter dado uma de rancoroso, mas disse: "Você e sua cena dubstep são como um pequeno lago. O som não tem dinâmica". Quando voltei em 2006, com a galera da Ghost [Recordings, selo de El-B] pras boates de dubstep, todo mundo estava puto que cada DJ queria ser o mais durão que podia: o groove tinha sumido e havia sido substituído por barulho. Um groove nem sempre é necessário, mas variedade sim. Eu, Oris Jay e Zed Bias: nosso som tinha ficado de fora. Só tinham passado três ou quatro anos, mas tínhamos que competir com uma nova geração que nunca tinha ouvido falar da gente.

ORIS JAY: Assim que você tivesse dinheiro e status, a parada tinha que mudar. Era como o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda: todos tínhamos nossos papeis. Daí Arthur começou a ganhar uma grana, tudo foi ficando mais exclusivo e os DJs viraram estrelas. Não foi de propósito, mas Mary Anne Hobbs foi nosso Rei Arthur. Todos estavam na mesma pegada, e a maioria tinha chegado ao dubstep por um belíssimo acaso — daí a parada tocou na Radio 1.

Quando se pensa no contexto da época, o máximo que se conseguia com uma faixa era que tocasse na Rinse FM às 3 da manhã, ou em um ou dois porões de Londres. De repente, explode na BBC. O Dubstep Warz Breezeblock foi ao ar entre 2-4 da manhã aqui, durante o dia ou começo ou de noitinha nos EUA, o que fez com que os americanos prestassem atenção. Essencialmente aquilo fez do som algo grande nos EUA, que por sua vez fez a parada estourar no Reino Unido. Em 18 meses, todo mundo que tocou naquele programa ganhou status, de cara.

E tem outra coisa que não é tão falada quanto deveria: quando observo a cena como um todo, praticamente não haviam mulheres, mas se não fosse por Sarah Lockhart e Mary Anne Hobbs, não existiria nada disso. Os moleques corriam atrás, mas foram estas duas mulheres que fizeram a parada rolar. Era todo um ecossistema musical que ninguém conhecia, e elas decidiram contar ao mundo que aquilo existia. Nenhum de nós chegaria a lugar algum sem Sarah, e a exposição nunca teria acontecido sem Mary Anne.

SGT POKES: Olha, eu vejo as coisas assim: o drum and bass perdeu sua dinâmica por conta da forma como era produzido, mas o dubstep perdeu a sua lá pelo final dos anos 2000 por conta da forma como era tocado. Se Mala tocasse "Thief in the Night" e "Hunter" e então "Spongebob", era como se Mike Tyson entrasse na boate e te nocauteasse. Se você toca "Spongebob", então "Tree Trunk", depois "Sea Sick", tudo se destacava mas sem uma amplitude dinâmica.

Àquela altura, a visão também era muita estreita: o pessoal escondia seus trabalhos — eram anos de paranoia. Rolava muita droga também. Sacamos isso na DMZ e FWD>>, especialmente após proibirem fumar. É triste dizer que isso era uma parte essencial da coisa, mas se você fumava, estava acostumado com aquilo, e quando tiravam isso de você, muda como você age. Rolavam drogas mais pesadas entre os ravers, então os artistas começaram a devorar essas paradas.

LOEFAH: A rave mudou porque de repente não tinha mais maconha e só droga pesada. Se você cheirou e tomou umas balas, não vai querer viajar. Você está ali pra surtar. O som se uniformizou depois disso. Foi um período terrível pra mim. Deixei de compor e passei a tocar um monte de coisa nas raves que nem curtia. Por isso fundei o [selo] Swamp81: eu precisava de algo novo — mais uma vez.

MALA: Acho que a proibição de fumar teve um impacto no som e no baile. Numa equipe com fumantes hard, o que rola quando proíbem fumar é ter um público que não presta atenção no set todo. É gente entrando e saindo e isso atrapalhava porque encurtava o período de atenção das pessoas; músicas rápidas e de impacto levavam à reações rápidas.

Mas olha só, podemos discutir os detalhes do que rolou com o dubstep, mas sua força foi incrível. Acho que tomando como foco a qualidade do som — não a moda, não as revistas escrevendo sobre a gente — aquilo capturou a imaginação das pessoas que estavam às margens. Não quero dizer que a maior contribuição do dubstep foi isso, mas o termo "bass music"? Não existia antes do dubstep.

O som lembrava às pessoas que música diz respeito à liberdade, sobre não se conformar aos padrões e normas da época. A mediocridade é inevitável, porque tudo se satura, mas também serve ao seu próprio propósito: as pessoas criarão algo porque elas também ficarão de saco cheio.

COKI: O dubstep colocou as pessoas em outro nível — chega aí e fuma com gente, nessa vasta atmosfera. Por isso nossos bailes eram zonas desmilitarizadas. Parecia que você estava curtindo debaixo d'água. O que o dubstep estava se tornando no final dos anos 2000… Só nunca foi esse tipo de curtição pra mim. Falando com Skream, Benga e Hatcha, e Artwork também, sobre o que eles queriam fazer… Eu sei que não lidaria bem com aquilo.

CAPÍTULO QUATORZE: "O dubstep fez direito tudo aquilo que ele poderia fazer."

Skream na Rinse FM.

BIOGRAFIAS DESTE CAPÍTULO
Artwork: Espécie de figura paterna para uma série de jovens DJs de dubstep, Artwork é produtor, DJ, engenheiro de áudio e um terço do Magnetic Man, ao lado de Skream e Benga.
Skream: Produtor e DJ nascido em Croydon que foi tido como garoto-propaganda da cena dubstep.

ARTWORK: Demorou uns dez anos pro drum and bass dar a volta ao mundo, de boate pequena à boate pequena, mas o dubstep explodiu porque foi a primeira vez que a música e a internet realmente atuaram juntas pra gente. Lembro de ir até a casa de um amigo e ele falar "Tem essa parada aqui que posso ver qualquer coisa do mundo" e eu mandei ele se foder e tal. "Não, se liga", ele disse, "a CIA tem um site". Eu não entendia nada. Vi a coisa evoluir de mandar emails para em poucos anos ver nego ripar discos e postar no [fórum de dubstep] dubstepforum.net. Foi a morte da Big Apple, na real: você deixava de vender 2000 discos pra vender 200 por que quem caralhos ia comprar algo quando dava pra pegar de graça?

Sou completamente contra falar "Você não pode fazer isso, não pode fazer aquilo" na música, porque a música tem uma velocidade incrível. E ainda bem que sim, senão estaríamos entediados pra caralho. Não dá pra pará-la ou policiá-la e quem tenta fazer isso é um otário. Quando começou a rolar o grime, os caras das antigas do garage fizeram uma reunião em East End sobre dar um fim àquilo: falando para as lojas de discos não terem estoques daquilo, porque estava matando o garage. Eu me mijei de rir. Disse algo como "Isso é a coisa mais imbecil que já ouvi na vida". Dali em diante, disse a mim mesmo que nunca agiria daquela forma. E por isso amava o que fizemos com o Magnetic Man [supergrupo de dubstep composto por Artwork, Skream e Benga].

Depois que fizemos nosso primeiro show do Magnetic Man na FWD>>, Sarah Soulja nos descolou 10 mil libras do conselho de artes porque eles queriam investir em "nova música ao vivo" ou algo do tipo. Compramos três notebooks, alugamos uma van e contratamos um tour manager, daí partimos em uma turnê de dez shows pelo Reino Unido. Chegou ao ponto de, um ano depois, estarmos em festivais, a Sony ver um vídeo nosso e perguntar "Que música é essa? E por que essas pessoas estão tocando diante de outras 15 mil?"

Quando disseram "Vão lá e gravem o disco" já era aquela época em que o dubstep ficou muito agressivo e pop: com drops enormes que seguem uma fórmula. Falamos pra Sony que não queríamos gravar em Londres, então eles alugaram uma mansão gigantesca em Cornwall pra gente — fora de temporada, de janeiro a março. Isso rolou numa época em que uma gravadora dizia "Quem você quer nesta faixa?" e nós responderíamos "Hm, John Legend?!" e eles voltavam com o John Legend. E a gente pensava "Caralho", então aproveitávamos a onda.

Queríamos uma mansão com piscina aquecida para que Benga aprendesse a nadar. Enquanto estávamos lá, chegavam uns caminhões toda semana. E eu ficava pensando pra que serviam aquelas merdas. Era combustível pra piscina aquecida. A Sony gastou 9 mil libras em combustível pr'aquela merda de piscina. Piscina essa que ficou soltando vapor por dois meses. A gente tava pirando claro. Não dávamos a mínima pro que rolava com o dubstep na época também: o som tinha se transformado em uma corrida de menor denominador comum para quem tinha o volume mais alto, e a gente só queria fazer uns sons pro rádio.

Benga em Brixton.

SKREAM: Todos nós piramos. Quase arrancamos a cabeça uns dos outros. O lance é que somos bichos urbanos. A parada da mansão era impedir que a gente saísse, mas a gente não tava acostumado em passar longos períodos de tempo compondo — a gente ia fazendo como dava em casa. Farreávamos demais ali, passavam três ou quatro dias sem que fizéssemos nada.

Eu também estava compondo dois discos ao mesmo tempo: Outside the Box para mim mesmo, e o disco do Magnetic Man. Eu trabalhava com Artwork e Benga durante o dia, daí dormia e fazia meus lances solo no notebook enquanto todo mundo dormia. Era bem estressante: tinha tanta grana envolvida com o Magnetic Man, e se eu tinha uma boa ideia pro meu disco, me sentia mal em não compartilhar com os caras, mas no final, Outside the Box se perdeu nas sombras e o disco do Magnetic Man bombou. Mais que qualquer outra coisa, pra mim, foi um baita alívio. Tinha esse rótulo de "garoto-propaganda do dubstep" em mim, então amei o sucesso do Magnetic Man. No final das contas — e independente do que dizem sobre a música, a cena e como tudo mudou — acho que o dubstep fez direito tudo aquilo que ele poderia fazer.

ARTWORK: Vejo tudo o que fazemos e foi bem incrível estar ali no começo de algo, saca? Quando Benny Ill bateu na porta do meu estúdio e disse "criei uns sons garage" — e estava tudo errado. Agora, nas boates de todas as cidades, terá alguém tocando algo afiliado a esse momento. Pode-se dizer que é um som global, mas ele pode ser definido como algo que surgiu um dia, em uma loja, com um grupo de cinco ou seis pessoas — e eu era uma delas. É de chapar o côco, de verdade.

@codeinedrums

Tradução: Thiago "Índio" Silva