A maravilha atemporal que é 'Oracular Spectacular' do MGMT

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A maravilha atemporal que é 'Oracular Spectacular' do MGMT

Uma década após o advento das leggings de neon, o disco de estreia da dupla segue sendo o filho pródigo de uma época gostosa e confusa.

Matéria originalmente publicada no Noisey US.

O ano de 2007 foi, das mais variadas formas, o último grito de um estilo de vida e o surgimento de outro. Era um caos sem limites em alguns dos países mais ricos do mundo. Um monte de celebridade despirocou, a febre aftosa explodiu, a bolha imobiliária dos EUA resultou em uma das maiores quebras do mercado financeiro desde a Grande Depressão. Tudo isso e: a Apple lançou o primeiro o iPhone, o Twitter começou a bombar horrores um ano após seu lançamento, bem como o Facebook tomou o lugar do Myspace. Era o começo do meu futuro, e a trilha de fundo era Oracular Spectacular, do MGMT.

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O MGMT fazia parte de um novo movimento musical muito verdadeiro que rumava para uma fusão de rock alternativo/synthpop e que começava a se infiltrar no mainstream. Lançado no mesmo ano que Neon Bible do Arcade Fire, o debut Wait for the Summer do Yeasayer e Myths of the Near Future do Klaxons, Oracular Spectacular combina uma euforia abstrata e nostálgica por coisas que não necessariamente aconteceram com pensamentos muito reais e todo um sentimento em torno desse negócio de ser jovem, humano e, no fundo, a existência do espaço-tempo. Você não precisava curtir o som para ser motivado ou tocado por ele — ainda era pop, mas agora com alma.

É quase irônico que o disco tenha sido lançado em data tão próxima ao iPhone, porque seu sucesso se deu em partes por conta do disco manifestar uma noção caricatural de futuro. Suas referências frequentes ao rock progressivo e psicodelia dos anos 70 fazem o disco soar como uma versão vintage e em ficção científica do futuro. Sua sonoridade alterna entre ser futurista de verdade (talvez desse só pra chamar de algo novo) e uma versão anacrônica, ou retrô, do futuro: esta última na forma de guitarras e a primeira com o uso de sintetizadores. Essa pegada retrô fazia parecer que você era o futuro, como se estivesse lendo 1984 ou De Volta para o Futuro. Mas não é um futuro metálico nem distópico — é gostoso como uma hidromassagem e te faz sentir coisas boas.

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Ajudava também o fato do disco ter sido lançado em meio à adolescência de muita gente. Oracular Spectacular é cheio daquela expressão juvenil que acertou em cheio a galera que chegava à puberdade em meio a seriados como Skins, drogas leves e confusão intensa. O álbum captura o sentimento de uma geração, otimista e aterrorizada, que refletia sobre seu lugar num futuro desconhecido. O disco inteiro engloba essa mistura de euforia, liberdade, depressão e restrições que vem junto com a transição da infância para a maturidade.

A fase Skins talvez não seja aquela com a qual se diagnostique os adolescentes de hoje, quando eles ficam meio bêbados antes da formatura do ensino médio. Essa era a época de Skins mesmo, quando a série foi lançada, e a tua escola inteira se identificava ou invejava aquilo que aquela galera na TV vivia. Não existia isso de maquiagem de contorno, nem ninguém chamava trancinhas de tranças de lutadora depois que Kim Kardashian deu uma de Colombo e descobriu o que já existia, nem filtros do Instagram — só umas latas vazias jogadas por ai, bongs feitos com qualquer fuleiragem espalhada pela casa e a prevalência digna de arrependimento das leggings. Ou você ainda tentando decorar a tabela periódica com a distinta sensação de que o tempo estava passando.

De qualquer forma, "Kids" era um hino que fazia você se sentir como se estivesse tomando umas com Chris mesmo que estivesse jogado no sofá dos seus pais fazendo tarefa de casa. Seu refrão cheio de "duh duh duh duh duuh duh-duh duh, duh duuuuh, duuuuuuuuuuh" era cantado aos berros em qualquer festa — um call to arms diferente de tudo que já tínhamos ouvido (pelo menos se deixarmos "Chelsea Dagger"", que saiu um ano antes, de lado). Era algo deliciosamente imaturo, como um moleque do fundamental se metendo a tocar um tecladinho de brinquedo todo fora de tempo. Com sua batida incessante, repetitiva e agressiva melodia sintetizada e uns riffões fudidos, "Kids" nos levou adolescência adentro e adicionou um toque de rebeldia a toda e qualquer situação — os gritinhos de fundo reproduzindo nossas emoções turbulentas, a faixa toda um grito contínuo de empolgação e frustração.

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Não era só "Kids" que batia forte para os millennials daquela época: Juventude é o tema central do álbum — vazando de tudo que é canto e letra, com o produto final se assemelhando a um borrão de tinta colorida num A4. "Kids" foi o terceiro e último single do álbum, e também o mais conhecido, capturando toda sua essência jovem e bem-humorada, ainda que intensamente nostálgicas, naquilo que se tornou um dos maiores refrões dos anos 2000. Mas não se trata da mais interessante ou melhor composta faixa de Oracular Spectacular. O restante apresenta energia e brilho semelhantes: "Time to Pretend", possivelmente a faixa mais poderosa do disco, é uma abordagem sarcástica dos fantásticos sonhos dos jovens e ingênuos — "I'll move to Paris, shoot some heroin and fuck with the stars / You man the island and the cocaine and the elegant cars"; "The Youth" surge mais reservada e melancólica; "4th Dimensional Transition" é viajandona e empolgante; já "Electric Feel" tem um andamento bacana e uma melodia quase hesitante que acaba chamando atenção pela sua confiança, antes de quebrar tudo com sua ferocidade. É uma pedrada das mais pedradas, levando o disco perfeitamente até "Kids", rumo a uma pegada mais pantanosa de synths psicodélicos.

Produções refinadas passaram a ser lugar-comum na indústria nos últimos anos, mais ou menos como o look neutro com base em iluminadores das Kardashian. Se levarmos essa analogia adiante, Oracular Spectacular é tão relevante visualmente quanto sombra azul da marca Barry M Dazzle. A produção do disco soa confusa perto da profundidade de J Hus ou dos instrumentais encorpados de Mura Masa. Bandas com pegada psicodélica parecem vir de um uma perspectiva mais excêntrica, soando deliberadamente caóticas (caso da dupla revelação de 2016 Lemon Twigs, obcecada pelos anos 60 e 70). E talvez o sentimento do disco esteja um pouco desatualizado também: a irresponsabilidade de Skins não é mais algo idealizado, dando lugar a uma alta na ansiedade e valorização do bem-estar. Mas o emocionado e catártico disco do MGMT — ainda que lhe falte refinamento — saiu em uma época significativa demais para ser esquecido.

Por mais que Oracular Spectacular seja um fruto claro de sua época, trata-se de uma época em que a fusão de eletropop e rock alternativo rendeu demais — Empire of The Sun, Miike Snow, The Naked and Famous, CHVRCHES, pra citar alguns nomes. O MGMT e seus contemporâneos acabaram até mesmo seguindo o rumo de coisas como Temper Trap, pelo mesmo motivo.

Oracular Spectacular era o tipo de som que ouvi tarde da noite, no repeat, em alguns dos meses mais cruciais da minha vida. Na mesma época, ouvia também For Emma, Forever Ago do Bon Iver, Speak For Yourself do Imogen Heap e Grace de Jeff Buckley. Era uma época sensível, de muitas emoções. Mas o som eletrônico animado de Oracular Spectactular não destoava destes discos mais emotivos. Ele os complementava, na verdade. Era um olhar para o futuro sem tirar os olhos do passado. "Kids" nos lembrava de sermos inconsequentes. O disco representou a juventude da época de minha juventude e sempre será importante pra mim e para minha geração, mas trata-se de um disco que sempre será capaz de representar outra época, ou mesmo outra dimensão. É um disco sobre deixar rolar, mergulhando de cabeça em uma experiência – seja ela hoje ou há dez anos, na sua juventude ou no seu futuro.

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