A visão de um gringo sobre o plano de dominação internacional do funk

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Música

A visão de um gringo sobre o plano de dominação internacional do funk

O gênero vem ganhando a mídia mundial ao passo em que revela o histórico da guerra de classes e racismo no Brasil.

Oi gente! Meu nome é Phil Witmer, faço parte da equipe do Noisey Canadá, onde publiquei esse artigo originalmente. Antes que vocês perguntem “Que porra que esse gringo canadense quer falando de funk?”, deixe-me dizer quem sou. Sou filho de mãe brasileira (baiana) e tenho tios e primos que amam demais a música daí. Portanto, acabo conhecendo muita coisa boa do Brasil. Eu entendo português 100%, falo um pouco e com sotaque, mas não escrevo muito bem. Me desculpem os erros!

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Estive há uns anos no verão do Brasil e curti muitos shows, ouvi muita música e senti os movimentos. Portanto, esta é a perspectiva de alguém de diáspora brasileira, que não está tentando falar pelos próprios brasileiros.

Fazer parte da diáspora latina é uma coisa esquisita: somos conhecidos por sermos extrovertidos e sempre animados, por mais que nossos países de origem quase sempre estejam metidos em alguma crise. Enquanto escrevia este texto, boa parte de Porto Rico seguia sem energia elétrica, a Venezuela se encontrava no meio de protestos violentos ao longo de um ano inteiro, e o Brasil, de onde metade de minha família vem, está prestes a entrar numa corrida eleitoral que deixará o país nas mãos de políticos de centro-esquerda ou de agitadores da direita cujo maior anseio é retroceder nos avanços promovidos até então. Levando em conta este histórico recente e a retomada do orgulho branco pelo mundo ocidental, é irônico que a música latina aos poucos venha se tornando a trilha de balada de quem quer fugir dessa bagunça toda não só nos EUA, mas também no mundo todo. Em 2017 vimos crossovers com reggaeton deixarem sua marca nas paradas da Billboard e Spotify, uma tendência orgânica que pelo jeito não tem nada a ver com saudosismo por conta de “Gasolina”, apesar de que a faixa possa muito bem ter algum envolvimento nisso. O amor por pedradas de pegada latina é muito bem-vindo e pode estar prestes a ser transferido para outra sonoridade marginalizada.

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O funk carioca pode vir a ser o próximo subgênero a despontar no mercado mundial: com base em batidas repetitivas contagiantes e letras simplistas sobre curtição, é o tipo de som que cai bem em qualquer playlist de festa, especialmente ao lado de gêneros como rap. O gênero começa a ganhar tração fora do Brasil graças a “Vai Malandra”, uma faixa cheia de participações especiais liderada por Anitta, sendo esta a primeira música brasileira (e a primeira em português) a entrar no Top 50 Global do Spotify neste último mês de dezembro. Esta é uma das evidências mais aparentes da expansão do funk, mas há também outros indícios.

A participação da cantora e drag-queen Pabllo Vittar na paulada I Got It” de Charli XCX, faixa de destaque em sua mixtape Pop 2, é marcada por uma batida de tamborzão típica do funk moderno, quase como se a música tivesse que se acomodar à brasilidade que Vittar traz consigo. Em Fresh Air” , faixa de HNDRXX, disco de Future lançado no ano passado, o rapper também brinca com um tamborzão sampleado de Mulher do Poder” , de MC Pocahontas. O cara pirou tanto no som que logo se meteu num remix de “Bum Bum Tam Tam”, do MC Fioti, ainda em dezembro, mais ou menos quando “Vai Malandra” bombou.

Por mais que “I Got It” e o remix de “Bum Bum Tam Tam” não tenham sido grandes sucessos, todo esse cruzamento e vontade dos artistas de mergulharem no funk é algo promissor. Há tempos o Brasil é visto como um grande exportador cultural, no mesmo nível da China ou Coreia do Sul, mas até então o maior sucesso recente do país foi Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló em 2011 e 2012 que olha… pelo menos rendeu aquele remix do Pitbull. Além do que, o funk está muito distante da onipresente música sertaneja de Teló, com toda sua sujeira e força, vinda das favelas de onde se originou. Expor tudo isso para um público mundial, porém, tem sido problemático.

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O clipe de “Vai Malandra”, gravado na favela do Vidigal, sofreu críticas por diverso motivos (o maior destaque vai para a celulite de Anitta, mas não falaremos disso aqui), dentre estes, o fato de Anitta aparecer de tranças. A artista, que é mestiça, começou na música fazendo funk antes de mudar para um estilo mais pop, cantado em inglês e espanhol. A mudança veio acompanhada de acusações de branqueamento e outros procedimentos estéticos que teoricamente a deixariam com uma aparência mais branca, tendo maior apelo junto ao público. Como dito pela escritora e arquiteta Stephanie Ribeiro em artigo para a revista Marie Claire, “ser vista como negra é carregar um estigma” dentro da sociedade brasileira e na maioria das vezes as pessoas se identificam como brancas, a não ser que seja conveniente agir de outro modo. O resultado disso? Novelas em horário nobre e afins retratam um país mais branco do que realmente é e Anitta retomar suas raízes mais humildes (e negras) em “Vai Malandra” após colher os louros de sua “fase branca” é um problema, mesmo tendo trazido funkeiros e funkeiras de verdade para participarem de seu clipe, o que já é alguma coisa.

De forma mais ampla, muitos brasileiros que creem que ter “Vai Malandra” e o funk no general como embaixador cultura do seu país seria algo digno de vergonha, acaba por trazer a luz um ponto de discórdia que tem dominado a história do país por mais de meia década. Graças a uma disparidade de renda, a classe média brasileira entre favelas cada vez maiores, acompanhadas de toda a sua violência, e as mansões de barões do petróleo e empreiteiros. Para estas pessoas, o funk sempre estará associado a traficantes e criminosos que acabam dando ao Brasil sua má fama. Claro que quem leva em consideração essa tal fama normalmente também acha que nós falamos espanhol e não português, então suas opiniões não fazem lá muita diferença. De qualquer forma, uma visibilidade global maior do funk acabaria levando à perpetuação do estereótipo de que o país é só favela, ou seja, armas, drogas e rabas balançando, uma imagem reducionista e prejudicial quando aplicada ao país como um todo, ainda que representativa de grupos que de fato existem e merecem ser criticados, não apenas ignorados ou jogados para escanteio.

Além do que, podemos encarar a mensagem de “Vai Malandra” como feminista, pegando a figura do malandro, muitas vezes celebrada, e colocando uma mulher em seu lugar. Faixas como “Mulher no Poder” não diferem muito de “Bodak Yellow” em sua narrativa de empoderamento de mulheres marginalizadas. Cabe notar que tais hinos tem uma forte tradição no funk, mesmo quando adaptado por não-brasileiros. Ainda assim, Terry Richardson, seguidamente acusado de abusos sexuais, dirigiu “Vai Malandra”, então os problemas nunca acabam nem para esta música nem para o gênero como um todo. Porém, caso o funk continue crescendo, não seria só o Brasil entrando na discussão, o que não é bom nem ruim, como tudo que envolve o tema, só tornando ainda mais complexa uma cultura fascinante e em processo de crescimento e que merece ser reconhecida.

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