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O Extravagante Castelo Novo de Edir Macedo

Réplica do primeiro templo citado na bíblia hebraica, o Templo de Salomão de São Paulo é quase a Terra Santa em solo brazilis, só que agora sob o comando do todo-poderoso da Igreja Universal do Reino de Deus.

Fotos por Alice Martins. 

Mais de 70 mil m² de área construída para acomodar cerca de dez mil pessoas sentadas. Um bloco de 11 andares, 56 metros de altura – aproximadamente duas vezes a estátua do Cristo Redentor – e dois subsolos de estacionamento para mais de mil carros. Um segundo bloco quase tão alto quanto o primeiro ligado a este por uma nave equipada com sistema de sonorização de última geração e videowall. Edifício Garagem com 11 pavimentos para facilitar ainda mais a vida dos visitantes na hora de estacionar – e para receber dezenas de excursões todos os dias. Escolas para 1,3 mil crianças, estúdios de TV e rádio, auditório e hospedagens. Tecnologia de ponta, matéria-prima de primeira qualidade, paisagismo, espelho d’água e efeitos 3D para arrematar. Essa podia ser a descrição do palácio de Saddam Hussein,da casa do magnata do Megaupload Kim Dotcom ou do centro de incubação e condicionamento de seres humanos do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, mas não, esse castelo tem outro dono: o todo-poderoso da Igreja Universal do Reino de Deus. E não se engane, não se trata da divindade máxima das religiões abraâmicas, mas de um homem de carne, osso e um grande patrimônio. O Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus, em São Paulo, cuja cerimônia oficial de abertura está marcada para amanhã, 31 de julho, é a nova empreitada do bispo Edir Macedo.

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O Templo se Salomão de São Paulo é uma réplica baseada em interpretações bíblicas do primeiro templo citado na Bíblia hebraica, construído no séc. XI a.C. para sediar o culto religioso de adoração a Javé, Deus de Israel, e consequentemente para receber os korbanots (sacrifícios e oferendas do judaísmo) e resguardara Arca da Aliança, caixa sagrada onde era guardada a Tábua dos Dez Mandamentos e outros objetos sacros. De acordo com os relatos bíblicos, o templo foi erguido essencialmente com madeira, prata, cobre e ferro; e revestindo inteiramente as paredes e o teto, ouro – luxo saqueado em cerca de 583 a.C. por Nabucodonosor II e levado à Babilônia. Algumas décadas depois, no mesmo lugar, foi construído o Segundo Templo, na era de Herodes, o Grande, destruído pelos romanos em 70 d.C. durante a Revolução Judaica – o Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus, seria a herança da epopeia. Assim, o Templo de Salomão de São Paulo (um Terceiro Templo) será como a própria Terra Santa em solo brazilis, só que agora sob o comando da IURD, igreja evangélica neopentecostal fundada por Edir Macedo no Brasil em 1977.

A fachada em construção do Templo de Salomão de São Paulo, no Brás, e quatro dos cerca de 1.800 funcionários contratados para a obra. 

Na capital paulista, o revestimento das paredes e do teto não será de ouro, mas foram garantidos 39 mil m² de pedras vindas especialmente de Israel (a ideia é que os fieis possam tocá-las durante as orações, como acontece no Muro das Lamentações), assim como 28 mil  de concreto e quase duas mil toneladas de aço – de dar inveja a Brasília. O Templo também receberá os korbanots, na forma do dízimo nosso de cada dia, e foi totalmente financiado pelos fieis: toda a grana gasta – segundo a assessoria de imprensa da IURD, cerca de R$ 685 milhões no total – saiu (e continua saindo) do bolso de milhares pessoas no Brasil e espalhadas mundo afora. E na luta para arrecadar o exército para bancar a reconstrução da edificação antiga, Edir Macedo apelou para infalíveis técnicas modernas: muita TV, rádio e internet. Na hora de distribuir informação (e coletar doação) de massa, ele chega pedalando.

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Edir Macedo não é Deus, mas é quase onipresente. Para começar, o fenômeno religioso mais bem-sucedido do Brasil é o feliz proprietário da Rede Record, a mais antiga emissora de TV em atividade no país, controlada por pastores, bispos e outros membros da IURD, como o vice-presidente Marcelo Silva e o diretor de dramaturgia, Leandro de Assis Furtado de Oliveira. De acordo com o mapa de cobertura oficial, são 108 emissoras entre próprias e afiliadas produzindo e transmitindo conteúdo sob controle evangélico, cobrindo 92% da população brasileira (o mapa de cobertura da Rede Globo, líder no país, mostra 122 emissoras e cobertura de 99,51% da população), apesar de a nosa legislação não permitir que igrejas sejam donas de empresas de radiodifusão – mas ok, porque a Record é de Edir Macedo, não da IURD, foi ele quem desembolsou os cerca de R$ 45 milhões para comprá-la, em 1989. À Record, somam-se a TV Universal, a Rede Família (controlada pela IURD) e programas transmitidos em outros canais, como Band, Rede TV e TV Gazeta. Outras frentes de ação são a Rede Aleluia – com mais de 64 emissoras de rádio AM e FM com transmissão em 75% do território nacional, um fenômeno da radiofusão – o portal Arca Universal, a gravadora gospel Line Records, aeditora Unipro – com muitos milhões de livros vendidos com a palavra do senhor Edir e companhia – e algumas variedades de jornais e revistas impressas espalhadas em território nacional. Isso sem mencionar a Record Internacional, presente em mais de 150 países – na Europa, está em todos e é o único canal brasileiro disponível sem nenhum pagamento de assinatura.

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Ocasionalmente, a IURD realiza o Jejum de Daniel, também chamado de Jejum de Jesus, uma “faxina espiritual” de 21 dias ou mais de abstenção de qualquer informação midiática que não venha da igreja – a faxina muitas vezes rola quando a igreja Universal está sendo criticada na imprensa, ou passando por momentos de fragilidade, é só ficar ligado para sacar.

Em se tratando da IURD tudo é superlativo: são 6.272 templos e, de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, 1.8 milhão de fiéis em território nacional. No exterior, são cerca de 2.400 templos em mais de 100 países, segundo a assessoria de imprensa da oficial – muitos bispos, incluindo Edir, e veículos da imprensa, no entanto, dizem que seriam quase 200 países. Tanto no Brasil quanto no exterior, a expansão aconteceu em tempo recorde – como afirma o doutor em sociologia pela USP Ricardo Mariano, nenhuma igreja evangélica cresceu tanto em tão pouco tempo como a IURD –e a atuação é sempre forte nas camadas mais pobres e menos escolarizadas da população. E o Templo de Salomão segue a tendência (fica no Brás, distrito popular de fácil acesso voltado à indústria e ao comércio, no centro da cidade) e deve aumentar esses índices.

Na guerra pela expansão da Reino de Deus, o céu é o limite para Edir Macedo. Ele joga o War direitinho e, desde 1986, participa ativamente da política com alianças estratégicas, apoiando (e elegendo) candidatos em diversos estados. Já foram centenas de deputados estaduais e federais, vereadores, senadores, secretários, candidatos a prefeito, a governador e à presidência. Ao longo dos anos, para citar algumas das conexões, apoiou Celso Russomano, Fernando Collor de Mello e Lula. Para a inauguração do novo templo, foram convidados a presidente Dilma, Geraldo Alckmin e os outros 26 governadores do país, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, alguns ministros, o presidente do Congresso, o senador Renan Calheiros, e outros senadores, além de lideranças empresariais e da sociedade civil e, claro, dos artistas da Record. O Palácio do Planalto já confirmou que Dilma deve comparecer; o evento também deve ser prestigiado pelo atual ministro da Pesca e Agricultura, Eduardo Benedito Lopes, do Partido Republicano Brasileiro (PRB): Lopes faz parte da IURD (já foi apresentador de TV, radialista e presidente do jornal Folha Universal),  assim como 66% das lideranças do PRB, segundo levantamento feito pelo Terra –  “quando é levado em conta o envolvimento com o grupo Record, o número sobe para 73%”, diz a matéria.  Não há informações se outros candidatos à presidência,como Aécio Neves, Eduardo Campos e Levy Fidélix comparecerão, mas o atual governador de SP Geraldo Alckmin vai sim. Além de investir na blindagem preparada, Edir Macedo tem estratégia.  E uma das boas, que num ímpeto de Snowden um ex-bispo decidiu dividir com a Rede Globo, que fez a reportagem-denúncia clássica que segue aí embaixo.

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Edir Macedo – investidor estrangeiro do Banco Renner com participação de 49% do capital–  já foi acusado de inúmeros crimes, entre eles estelionato, falsidade ideológica contra a fé pública, sonegação fiscal, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Por ser uma instituição religiosa, de acordo com o artigo 150 da Constituição Federal, a IURD é isenta de pagar impostos ao Estado, desde que as doações arrecadadas sejam utilizadas para garantir as finalidades essenciais da entidade – segundo muitas [denúncias](http:// http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copyofcriminal/12-09-11-2013-mpf-denuncia-edir-macedo-e-mais-tres-por-lavagem-dinheiro-e-evasao-de-divisas), no entanto, essas quantias estariam sendo transferidas para contas no exterior, como as Ilhas Cayman, ou para beneficiar outras empresas. Em 1992, Edir chegou a ser preso por 11 dias, mas todas as vezes foi inocentado por falta de provas. Quem se pergunta se as companhias tiveram alguma coisa a ver com as absolvições deveria ficar curioso também para saber quanta grana a IURD faz girar no país. Fora remessas de dinheiro enviadas ao Brasil das sedes da igreja em outros países, ainda de acordo com Ricardo Mariano, inúmeros outros negócios envolvem a IURD, como construtoras, seguradoras, empresa de táxi aéreo, agências de turismo, consultorias e empresas de processamento de dados…

A IURD prega a Teologia da Prosperidade, doutrina que defende que a prosperidade financeira é vontade de Deus e cuja ênfase é sempre colocada no dízimo: para receber, primeiro tem que dar, e o máximo possível. Edir na capa da IstoÉ em 1995, prosperando.

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Em estudo publicado na revista eletrônica Protestantismo em Revista, do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia, Eduardo Guilhereme de Morua Paegle, Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, fala sobre uma “McDonaldização da fé” em relação às igrejas neopentecostais. Faz sentido. Em qualquer lugar do mundo, ao entrar numa IURD, você pode vivenciar o mesmo culto e escutar as mesmas palavras – é tipo pedir um BigMac, como ele mesmo diz. E como qualquer boa rede de fast-food, a IURD tem lojas 24h e sistema de delivery: algumas igrejas ficam abertas 24h e, não podendo ir até uma delas, é possível acessar o serviço Pastor Online, com atendimento também 24h. Quanto ao Templo de Salomão, toda a evolução da obra pôde ser acompanhada ao vivo no site oficial, de duas câmeras diferentes, que continuam sempre ligadas. Para os que preferem saborear a experiência ao vivo, o rolezinho está sendo marcado no Facebook, em página especial para a inauguração e na página oficial do Templo, onde também é possível fazer doações online – serão diversas celebrações de abertura ao longo de um mês, que teve início no último sábado para pastores. É indicado vestir roupas confortáveis e se preparar para uma multidão e para um trânsito infernal, pois serão 10 mil pessoas a mais circulando no bairro, inclusive em horários de pico.

Por determinação da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), a IURD teve que cumprir uma série de melhorias na região para minimizar o impacto no trânsito, como a instalação de semáforos e iluminação específica nas faixas de pedestre. Apesar disso, de acordo com o presidente executivo da ABEETRANS, Associação Brasileira das Empresas de Engenharia de Trânsito, Silvio Médice, o empreendimento deve causar impacto à região, “que mesmo servida por trem e metrô, irá receber dezenas ou mesmo centenas de ônibus e veículos em um sistema viário que já opera acima da sua capacidade”. O trânsito de SP agradece – e muitos já se preocupam com o tempo a mais que levarão para chegar em casa. Não é o caso de Leandro Bernal Macedo (sem parentesco com o bispo), vendedor de 31 anos que, no dia em que nos encontramos por acaso na frente do templo, tinha ido a pé do Morumbi até lá (cerca de 15 km) para apreciar a nova construção. E andaria o que tivesse que ser: “Tô me sentindo no céu”, ele disse, totalmente maravilhado, numa adoração quase pagã à edificação monumental.

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Na ocasião, Leandro contou que era obreiro da igreja (voluntário que realiza diversas atividades e auxilia nos cultos diariamente), que dava uma boa parte de seu salário no dízimo (quando precisa de alguma coisa, dá mais), e que fazia tudo isso por livre e espontânea vontade: “É tudo na base do crer. Se você acredita, então dá, se você não acredita, não precisa dar. Ninguém obriga. Ele [Macedo] fala: 'Você vai pegar o seu propósito e vai colocar a oferta. Se você acredita, Deus vai te abençoar’”. Quando perguntei sobre o que ele achava do bispo Edir Macedo ser um dos 65 bilionários do país, como divulgado na revista Forbes, a resposta foi categórica: “Se ele é rico, é rico lá em cima, porque aqui eu sei que ele não é”.

Na hora de apontar o dedo acusador, é justo dizer que muitos fiéis e pastores da IURD desenvolvem muitas ações humanitárias no Brasil e em outros países, e que inclusive o Templo de Salomão pode ajudar no combate ao antissemitismo, como já destacou o New York Times. O que não parece justo é a boa índole, a ignorância e o desespero de muitos ser usada como combustível numa fábrica de dinheiro que não tem nada a ver com fé, mas sim com habilidade persuasiva, insistência e apelação a bizarrices sobrenaturais. Enquanto a ideia absurda de ter que fazer trocas com Deus, a coisa do “toma lá dá cá” (como Edir diz) – para ter tudo de Deus, tem que dar tudo primeiro – é propagada, o que se perpetua é a apatia e o delírio incessante de milhares de pessoas que são manipuladas para dar tudo que têm à igreja e ainda achar que assim estão exercendo seu livre arbítrio.

Um dos momentos mais importantes dos cultos da IURD, usados principalmente para fins de divulgação, são os testemunhos de fiéis, que relatam as graças alcançadas na igreja, que regularmente incluem a realização de promessas e milagres como a cura de doenças (inclusive AIDS ou câncer, acredite), o sucesso profissional, o fim da insônia… Junto com os testemunhos, os exorcismos de demônios causadores do mal, realizados no altar, são os principais trunfos para demonstrar o verdadeiro poder da igreja em pôr fim a todo tipo de opressão que atinge os seres humanos. 

Para terminar, dois fatos interessantes. O primeiro é que, segundo o último Censo do IBGE, de 2010, a Igreja Universal do Reino de Deus vem perdendo fieis nos últimos anos: de 2000 a 2010, perdeu 229 mil adeptos no país (o número passou de 2.102 milhões para 1.873 milhão). Precisou de mais de uma década de acusações e enriquecimento duvidoso para que houvesse essa queda, que foi acompanhada de uma outra estatística: o aumento de fieis de outras denominações pentecostais, como, por exemplo, a Igreja Mundial do Poder de Deus, do bispo Valdemiro Santiago – ainda de acordo com a Forbes, o segundo bispo mais rico do país, com uma fortuna estimada em R$ 400 milhões.

O outro fato curioso é que, ao que tudo indica, o Tempo de Salomão – que segundo reportagem da Folha de São Paulo divulgada hoje,  foi construído com base em licenças falsas que burlaram a legislação municipal –  não será um espaço para cultos comuns. Os obreiros que encontrei não souberam explicar exatamente como seria lá dentro, mas estavam bem avisados de que não seria fácil visitar o Templo: a maioria dos fiéis do Brasil já tinha dia e hora de visitação marcados – em ônibus de excursão por cerca de R$ 45,00 – e, perdendo a oportunidade, “só daqui a três anos”, disseram. Segundo eles, no início as visitas estariam reservadas a pessoas internacionais, gente importante do exterior, lá de fora. Além disso, estariam sujeitas a diversas regras (agora já detalhadas), incluindo revistas físicas e a proibição da entrada com qualquer tipo de equipamento eletrônico. Como disseram, o templo é especial, exclusivo, não é para qualquer um. Um legítimo objeto de desejo — e quem sabe uma boa jogada de marketing para esmagar os concorrentes.