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Tecnologia

A primeira camgirl de realidade virtual

Ela programa, dirige filmes e se masturba. Às vezes nessa ordem.
camgirl realidade virtual
Crédito: imgur

A realidade virtual (RV) está mudando a maneira como vemos a mídia, interagimos uns com os outros e gozamos. A atriz pornô Ela Darling manja muito de tudo isso e, de uns anos para cá, lidera as experiências imersivas mais criativas do mercado adulto.

Ela é a diretora criativa, estrela e coproprietária do VRtube, uma empresa bem-sucedida de videogame pornô em RV. Depois de ter ganhado mercado com vários conteúdos eróticos originais, a companhia lançou, nesta semana, a primeira oferta de webcam de realidade virtual 3D via Oculus Rift.

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Conversamos sobre performances em webcams, sobre como a pornografia abastece desenvolvimentos tecnológicos e o que os grandes nomes da realidade virtual acham de colocar conteúdo XXX no meio.

MOTHERBOARD: Há quanto tempo você trabalha na indústria pornográfica?
Ela Darling: Cerca de seis anos.

E aí como você foi se meter nessas de realidade virtual?
Semestre passado, conheci uns caras no Reddit que postaram que queriam fazer pornografia com realidade virtual e estavam atrás de alguém com experiência. Sou escolada em pornografia. Tenho muitos contatos na indústria. Conversei com eles, fiquei muito empolgada e eles me pagaram uma passagem para a costa leste para filmarmos.

"Admitam ou não, a possibilidade de bater punheta é uma parte importante da adoção de novas tecnologias."

No fim das contas, eram garotos de 20 anos de idade e filmamos no alojamento do meu sócio. Foi inesperado. A primeira vez que o vi, pensei "será que é falta de educação pedir para ver o RG dele?". Parecia uma criança. Mas ele é um gênio. Escreveu todo o código para o programa da webcam em cerca de um mês.

Com o que ele trabalhava antes?
Física quântica.

Como a RV chamou sua atenção?
Me interesso por RV desde pequena. Sempre achei fascinante. É o futuro do entretenimento e de diversas outras áreas. A pornografia é o meu meio de vida, é tudo para mim, então quando me deparo com tecnologias emergentes, analiso-as através das lentes da pornografia. Abordo-as com as questões "como posso usar isso para transar?", "como posso transar com isso" e "como as pessoas podem me ver transar por meio disso?"Reparei como a RV está cada vez mais em voga. A Oculus está virando uma grande empresa e nós estamos à beira da revolução em RV. Quis fazer parte.

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A pornografia vai mal das pernas há anos. O dinheiro não é o mesmo e tem sido um período dramático para muitas pessoas. Vi então como oportunidade para me envolver com uma nova forma de pornografia, uma nova onda de produção pornográfica.

Qual a diferença entre pornografia em RV e tradicional?
A diferença entre a pornografia tradicional em 2D e RV, na minha opinião, é como a lacuna entre televisão e teatro. As mesmas questões emergem.

Quando a televisão surgiu, não pegou logo de cara porque as pessoas transmitiam peças de teatro ao vivo, e não é o uso ideal do meio. Com a televisão, é preciso adotar uma abordagem narrativa totalmente diferente. Diferentes ângulos de câmera, diferentes perspectivas, aproveitar a câmera e a montagem e as técnicas que não estão disponíveis no teatro.

É a mesma coisa com realidade virtual: filmamos pornografia de diversas maneiras. Existem muitas técnicas e várias abordagens que não funcionam em RV. Quando você pensa em um filme pornô qualquer, tem o quadro aberto, o zoom na penetração, pontos de vista diferentes; com a RV, você tem que escolher um. Não dá para fazer uma cena de plano fechado porque em realidade virtual vira uma penetração colossal que consome o campo de visão por completo ou um zoom desconexo e esquisito nos genitais de duas pessoas.

Por que acontece isso? É assim que as câmeras funcionam?
Sim, é como se você estivesse lá, pessoalmente. Imagine que você está assistindo à vida real. Pense no total de ângulos de câmera necessários. É avassalador. Montagem e cortes também são mais difíceis. Sabe quando você está no YouTube e o vídeo dá um salto, quando cortam alguns segundos? Volta e meia, acontece isso. Mas se acontecesse isso na vida real, ou em realidade virtual — estudos mostram que, quando você vivencia a realidade virtual, o cérebro a percebe como realidade —, imagine que você está conversando com alguém, e começam a cortar pedaços, fica parecendo um filme de terror japonês, é bizarro. Não dá para editar.

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Esse é um dos problemas que enfrentamos com os hologramas. Quando a atriz pornô faz merda e fala alguma coisa que não quer repetir ou se ela acidentalmente diz seu nome verdadeiro, precisamos começar do zero. Se cortarmos um trechinho, vai ficar parecendo uma bug de Matrix.

Ela Darling atua no primeiro programa de webcam em RV da história (Créditos: Imgur)

Você já trabalhou como camgirl no passado. Qual é a diferença entre atuar para uma webcam de RV?
Não é tão diferente assim, do ponto de vista da atriz. É diferente porque preciso ter em mente a questão do campo visual da câmera. Preciso monitorar e garantir que meu corpo não vai sair do campo para não parecer que meus braços foram amputados do nada. É uma visão estereoscópica, há duas câmeras filmando ao mesmo tempo para me gravar em 3D, então preciso me posicionar para ambas. Tirando isso, é parecido com o trabalho que eu costumava fazer com webcams tradicionais. A maior diferença é o hardware. De resto, não é tão diferente assim para a atriz.

Quando você filma pornografia em RV, que equipamentos você usa? E como funcionam as webcams? É diferente?
Para a pornografia em RV, usamos o Microsoft Kinect, uma câmera infravermelha que cria uma nuvem de pontos. Basicamente, a câmera demarca nódulos infravermelhos e registra onde você está no espaço com base na sua proximidade a esses pontos. É assim que o equipamento apreende profundidade. No caso das webcams, são só duas câmeras filmando em 3D, não há registros de posição. Com a nuvem de pontos, a câmera determina onde você está e estabelece o ponto de vista.

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Estão tentando desenvolver um software para habilitar live streaming com o Microsoft Kinect, mas ainda não chegaram lá. No nosso caso, oferecemos um feed de vídeo, mas a tecnologia não chega a capturar um vídeo ao vivo de fato; criam-se hologramas, que são parte de um ambiente renderizado em 3D. Meu sócio basicamente criou uma câmera em 3D a partir de vários produtos prontos para uso, sensores de câmera, uma broca e um punhado de esperança e ingenuidade. Então, não é exatamente holografia, embora a experiência seja similar até certo ponto. O que o espectador vê é uma atriz em frente a um fundo verde de chroma key, e não a sala em que realmente estou. É uma imagem que criamos. Basicamente colamos como papel de parede em um ambiente de videogame.

A experiência dos usuários com a câmera de RV é muito mais imersiva e envolvente que a câmera 2D tradicional porque eles sentem que estão dentro do ambiente junto comigo. Então, quando olho para a câmera, eles sentem que estou olhando para eles. Quando chuto em direção à câmera eles comentam que dão um pulo para trás porque parece que vão levar um chute na cara.

Como é ponto de vista? A perspectiva é 360?
Quando você coloca o Oculus Rift, o equipamento captura uma visão em 360 graus, mas não estamos filmando ao vivo em 360 por diversos motivos. Você olha para os lados e parece que está em um jardim, à beira da piscina de uma casa linda, ao ar livre, e há uma pessoa na sua frente. Sob a atriz, surge uma caixa de chat. Não tenho tela verde o suficiente, então o quadro mostra dos meus peitos para cima, e todos os presentes podem participar do chat e eu posso responder. É isso que o espectador vê.

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"A diferença entre a pornografia tradicional em 2D e RV, na minha opinião, é como a lacuna entre televisão e teatro."

Não trabalhamos com câmeras 360 porque capturam muitos dados, e ninguém precisa de tudo isso. O espectador está pouco se fodendo para a estética da lareira atrás da câmera. O que ele quer ver é a garota que está conversando com ele ou se masturbando. O resto do ambiente é importante para estabelecer a imersão, mas não importa como o espectador vê o ambiente em 360 graus exatamente. Além disso, quando você filma um campo de visão em 360, você lida com a quantidade de dados de 12 câmeras. É dado pra cacete, e a transmissão ficaria muito mais pesada do que o necessário para algo do tipo.

É só você que atua hoje ou já apareceram mais pessoas interessadas?
Por ora, sou só eu, mas assim que descobrirmos como monetizar a pornografia em RV e decolarmos, começaremos a fazer apresentações pagas. Quando chegar a hora, trarei duas garotas por semana. Por ora, sou só eu, mas em poucos dias, ou semanas, começaremos a colocar outras atrizes frente às câmeras.

Qual é o seu papel no processo de desenvolvimento? Você aprendeu a programar com essa experiência ou você já sabia?
Estou aprendendo a programar, meu sócio está me ensinando. Nunca o substituirei como programadora, provavelmente sequer vou suplementá-lo, porque ele trabalha em um nível muito mais avançado do que valeria a pena para a mim. Mas estou aprendendo a programar, e estou aprendendo bastante. Aprendi bastante sobre RV, aprendi bastante sobre tecnologia, aprendi bastante sobre o funcionamento dos olhos e como os olhos percebem realidade virtual, e como essa informação é disseminada pelo cônsul. Ou seja, aprendi bastante, e estou aprendendo programação aos poucos. Tem sido uma experiência incrível de aprendizado nesse sentido.

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Créditos: Wilferd Guenthoer

Você conhece o Palmer Luckey, fundador da Oculus? O que ele pensa sobre pornografia em RV? Qual é a percepção geral dos desenvolvedores?
Conheci o Palmer rapidinho. Por acaso, nós nos seguimos no Twitter. Eu o conheci em uma conferência de Realidade Virtual do Vale do Silício, dois meses atrás. No início da conferência, promoveram um painel de debates, e o Palmer participou junto de outros dois caras renomados em realidade virtual, um cara do Google e outro da Samsung. O moderador mencionou pornografia, e desviaram do assunto. Depois, abriram o painel para perguntas da plateia, aí questionei.

Eu disse: "Olha, vocês não são obrigados a gostar de conversar sobre isso, não são obrigados a gostar do assunto. Mas a pornografia em realidade virtual existe, é fato, está acontecendo agora e é sensacional. Vocês acham que a indústria da RV tende a banir ou tolerar a pornografia?"

A única pessoa que se pronunciou foi o Palmer Luckey, e ele disse: "A Oculus é e sempre foi uma plataforma aberta, e isso é muito importante." Achei que soou incrível. Contanto que não censurem, a pornografia encontrará seu caminho. A pornografia sempre encontra um caminho. E se não conseguir, a tecnologia também não vai conseguir. Quantas pessoas você conhece que possuem um Google Glass?

Não muitas.
Pois é, o Google baniu pornografia do Google Glass. Admitam ou não, a possibilidade de bater punheta é uma parte importante do uso de novas tecnologias. As pessoas compram aparelhos que permitem o consumo que bem entenderem. Quando uma empresa acredita que precisa banir um conteúdo que não casa com a sua imagem, é como se dissesse que sua reputação como empresa é mais importante do que oferecer um produto útil a mim, consumidora, e se isso for mais importante para eles mesmos, então consumirei um produto de um concorrente que valorize a maneira como uso o aparelho e os aplicativos que eu quero.

Qual a importância da RV para o futuro da pornografia?
Acho que a pornografia em RV pode mostrar um novo lado da pornografia às massas. Acho que pode impulsionar a indústria. Com a apresentação que fiz outro dia, recebi toda sorte de críticas positivas. Muitas pessoas comentaram que não costumam pagar por pornografia, mas que certamente pagariam por isso. É uma constatação e tanto, as pessoas estão dispostas a pagar por conteúdo em RV, especialmente se baixar ou piratear soar proibitivo. Elas precisam ter o aparelho certo para assistir e não vale a pena piratear os hologramas que fazemos, custa cinco dólares. O nível de envolvimento, imersão e intimidade é tão vasto, que acho que fará com que as pessoas queiram abrir as carteiras de novo e voltem a gastar.

Esta entrevista foi editada por questões de extensão e clareza.

Tradução: Stephanie Fernandes