"O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. A intolerância agride. A arte resiste." VRÁ! A sentença tapa-na-cara abre o novo clipe “Absolutas” (assista ao vídeo abaixo) de Linn da Quebrada com As Bahias e A Cozinha Mineira. A música foi lançada na última semana, durante a festa Art Resistance, que rolou na galeria subterrânea junto ao Theatro Municipal, no centro de São Paulo.O vídeo dirigido por Lua Voigt, tem produção musical de Badsista e é parte do projeto Art Resistence, da Absolut, que apoia movimentos artísticos de resistência desde a década de 1970. Bem nessa linha, a música e o vídeo são quase um statement político da comunidade LGBTQIA+: a causa é traduzida por um mashup de sucessos da Linn - "Pirigosa", "Talento" e "Submissa do 7o. Dia" -, interpretadas por ela mesma, Assucena Assucena e Raquel Virgínia com muito, muito, mas muuuito talento."Ser bicha, trava, sapatão, trans, bissexual é também poder resistir", dizem as cantoras nesse manifesto de 2017, em resposta às pressões conservadoras que têm rolado no país. As imagens também incluem a participação de Patrick Rigon, artista que, com o grafiteiro Renan Santos, assina o mural Resistir & Existir junto ao Minhocão, em São Paulo, que tem as três cantoras como personagens. Uma projeção da pintura, aliás, aparece no fim do vídeo.Arte para gritar que toda vida vale a pena"A arte está aí em pílulas diárias que ou mantêm as coisas como elas estão ou transformam a maneira como a gente vê e constrói a si mesmo e, em consequência, o mundo", dispara Linn, enquanto é maquiada para o pocket show que faria durante a festa da Absolut. Para ela, a manifestação artística é uma forma de criar um novo imaginário social, de colocar seu corpo em evidência para mostrar que as vidas das transexuais valem a pena. "Estamos vivas!", diz ela.Para Raquel Virgínia, uma das Bahias, a visibilidade artística ajuda a questionar também o papel social das travestis. "Esse projeto é fundamental, porque sinaliza para sociedade e para o mercado que a gente existe, que a gente tem dignidade, potencial criativo e não tem que, necessariamente, estar nas esquinas fazendo programa". Assucena Assucena, a outra Bahia, vai além: "A gente não quer só representatividade, queremos proporcionalidade no mercado de trabalho e nas universidades".A cantora baiana vê na arte uma potência ilimitada e cita as novelas como um meio importante para que as travestis possam entrar no "corpo familiar" do brasileiro, a exemplo do que aconteceu com a inserção da personagem trans Ivan/Ivana, vivida por Carol Duarte, em A Força do Querer. "Isso ajuda a romper uma série de estigmas e barreiras. Existe uma expressão de marginalidade social com a maioria de nós. Somos poucas dentro de um nicho de humanidade e dignidade", lembra.Podemos ser tudo, podemos ser arteAinda mais se for negra, ressalta Raquel. "Quem não me conhece olha e pensa: é puta. É difícil demais, porque a gente sempre tem que estar provando tudo para os outros. As pessoas não acreditam que eu fiz USP." Aliás, foi na Universidade de São Paulo, no curso de História, que a cantora conheceu Assucena e Rafael Acerbi, o Cozinha Mineira. "As pessoas te subestimam tanto que você começa a se subestimar", afirma.Por isso, arte é um instrumento de resistência dentro e fora de si, acreditam as três cantoras. E, assim, suas manifestações se tornam instrumento e ponte de interlocução entre o eu e o outro, como define Linn. "Isso eu faço não só para o meio LGBT, faço para mim mesma, me convencendo todo dia da minha própria importância, de que a minha vida vale a pena. Se a arte é diálogo, ela deixa de ser ficção para se tornar fricção, para que haja o contato e a partir dele possa surgir um movimento."Como não podia deixar de ser em tempos de obscurantismo e posicionamentos políticos, sociais e culturais tão polarizados e extremos, essa fricção tem sido um tema espinhoso. Os protestos contra exposições e tentativas de censura de mostras e obras de arte tão aí pra constatar essa triste tendência."Existe um grande problema quando você começa a censurar a arte, que é a vanguarda da sociedade", comenta Assucena. A cantora, porém, vê uma luzinha de esperança: "Ter marcas e iniciativas que apostem na pluralidade, na diversidade sexual e de identidade de gênero é maravilhoso. O tema #ArteResiste tá aí para provar. A expressão do nosso corpo é uma expressão de resistência."
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