Hiran quer plantar a semente da mudança no rap
Foto: André Iosolini/VICE

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Hiran quer plantar a semente da mudança no rap

O rapper baiano quer ocupar os espaços e emudecer as vozes da homofobia no hip hop.

Historicamente, o rap é política: desde a sua gênese, o gênero evidencia a realidade das periferias urbanas e denuncia o preconceito sofrido por seus expoentes. Mas a própria cena sempre foi — e ainda é — predominantemente heterossexual e machista. Contexto muito diferente do que é visto em outros estilos musicais (como o pop), em que a presença de artistas LGBT+ cada vez mais em ascensão. Às vésperas de uma eleição presidencial com cada vez mais discursos retrógrados inflamados, a importância da resistência hip hop contra a homofobia é ainda mais crítica.

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A presença de gays no rap não é inédita. Nos Estados Unidos o estilo foi apelidado de queer rap e nomes como o do Rico Dalasam foram precursores do movimento aqui no Brasil. O paulistano foi o primeiro rapper LGBT+ a chegar no mainstream (ou muito próximo dele) rimando sobre sua vivência repleta de militância e preconceito. Com isso, a cena tem se transformado e angariado outros rappers que tem como ponto comum a missão de tornar obsoletos esses estereótipos. Um deles é o baiano Hiran, de apenas 23 anos. Seu álbum de estreia Tem Mana no Rap foi lançado em março deste ano e sua segunda faixa, "Muda", acaba de ganhar o próprio clipe.

Ele nasceu na Alagoinhas, cidade a 100km de Salvador, e por lá morou a maior parte de sua vida. O rapper conta que desde cedo foi incentivado pela família a estar próximo a música — já na adolescência escrevia poemas e rimas —, mas o rap nem sempre foi uma pretensão. “Eu tinha aquilo de não poder fazer rap intrínseco em mim, porque eu não via alguém como eu fazendo rap, ou falando sobre as coisas que eu queria falar, da forma que eu queria falar”, conta. Hoje, Hiran vive entre São Paulo e Salvador (o tempo livre ele dedica à família e amigos em Alagoinhas) e diz que não conseguiria viver de outra forma, sem o rap.

Aos 17 anos Hiran se assumiu gay e esse foi o ponto de partida de sua trajetória lírica. Ele conta que ainda sente na pele o preconceito que existe dentro da cena. "É tipo quando você vai na batalha de rap e te chamam de 'viadinho', ou falam sobre questões que envolvem o mundo gay de forma pejorativa. E existe o preconceito mais velado. Fiz cerca de 30 shows do disco e desses, só um era um evento de rap em Alagoinhas. [Evento de rap] é um lugar que não posso ocupar. E o próximo festival de rap que vou tocar, são vários homens héteros e eu."

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Foto: André Iosolini/VICE

Ele também diz que o termo “rapper queer” ao qual é frequentemente associado pode nem sempre funcionar como um meio de fortalecer a militância. Hiran afirma que levantar a bandeira e expressar a diversidade são pontos importantes para trazer mais representatividade à cena, mas nem sempre essa separação fortalece o movimento em si. "Não é pelo termo, mas sim pela forma como as pessoas o utilizam, para segregar e separar. Mais afasta do que junta", diz. "Se você fala 'rapper queer', também deveria falar 'rapper hétero'? Se você denomina um, denomina todos. Mas rap é rap, mano."

Hiran, em menos de um ano, já dividiu o palco com grandes nomes como BaianaSystem, Ludmilla e BNegão. Também marcou presença na Virada Cultural, e participou de projetos como o RapJazz. Ele diz que têm sido "uma jornada para dentro, de me compreender, me conhecer. Mas eu preciso achar esse lugar onde posso botar o pé no chão e saber de onde eu vim”, conta.

"Muda" foi escrita em um contexto político, em reação à notícia de que o prefeito de São Paulo, João Dória Jr., pretendia oferecer uma espécie de ração humana para a população mais pobre da cidade. "Achei tão absurda essa história que escrevi essa música. Ela tem um tom de deboche, mas é séria,” comenta. A letra fala sobre estar "fora do sistema", uma estrutura que força o indivíduo a ter uma vida “quadrada”, dentro de padrões pré-estabelecidos. O contexto é pertinente ao primeiro turno da eleição presidencial, que acontece neste domingo (7).

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Em uma atmosfera fantástica, Hiran interpreta diferentes personagens que mostram as diversas facetas que compõem esse sistema. "O clipe traz uma perspectiva de mudanças necessárias no ápice dos tempos caóticos. O nome da música explora três sentidos da palavra: muda, de 'calada'; muda, de planta, que vem da transformação da semente em planta; e muda, como o imperativo para o verbo mudar. Os três estão intercalados se a gente olhar onde os meus semelhantes se encontram no meio dessa loucura. Estamos sendo silenciados e necessitamos buscar mudança, em nós, ao nosso redor", explica o rapper.

O clipe foi idealizado e produzido pela BlitzKriegContent, um coletivo audiovisual que faz a sua estreia com esse trabalho.

Assista o clipe de "Muda" no player abaixo:

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