O supermercado do futuro sabe exactamente o que andas a comer
Fotografias por Alberto Mucci

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O supermercado do futuro sabe exactamente o que andas a comer

Escolhi um tomate, e um conjunto de dados apareceu no ecrã à minha frente, com informações sobre o sítio onde foi cultivado, as suas propriedades nutricionais e até mesmo a sua pegada ecológica.

Todas as fotografias por Fabio Sanna da Agência Multimedia Accenture, Accenture SPA

"É assim que vai ser o supermercado do futuro," diz-me Luca Setti, gerente da Future Food District Coop ao entrarmos num enorme edifício rectangular em Milão, Itália. Está um dia chuvoso e já estou uma hora atrasado para o meu compromisso. "É a meio da estrada principal da Expo, quando chegares ao pavilhão espanhol - é impossível perdê-lo - já chegaste" diz-me toda a gente a quem peço indicações. Mas não é uma tarefa fácil. A Feira Mundial de Milão (Expo 2015) estende-se por mais de 1,1 milhões de metros quadrados. O tema desta edição é "Alimentar o Planeta, Energia para toda a Vida", à minha volta excursões escolares e grupos de idosos correm de um lado para o outro emocionados, desde o pavilhão sudanês construído como uma casa do deserto (aparentemente de cimento), ao moinho dotado de um LCD gigante à entrada do pavilhão da Tailândia. Coop, a maior cadeia de supermercados de Itália, decidiu construir o protótipo de um supermercado do futuro para instalar na feira mundial de temática alimentar. Para implementar a ideia contratou a Accenture, uma empresa de consultoria de gestão, tecnologia da informação e outsourcing, e o Carlo Ratti Studio com a ajuda do MIT Senseable City Lab, administrado pelo próprio Ratti.

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Pergunto a Ratti via e-mail se tinha algo em mente que desejasse concretizar quando a Coop encomendou este trabalho ao seu estúdio. Ele tinha, e a inspiração veio da literatura. Como o próprio professor explica: "Uma imagem da qual sempre gostei é a de Palomar, de Italo Calvino, imerso numa fromagerie em Paris, que lhe parece um museu ou uma enciclopédia", diz ele. "Esta loja é um museu: o Sr.Palomar, ao visitá-la, sente o mesmo, como se estivesse no Louvre, onde por de trás de cada objecto em exibição existe a presença da civilização que lhe deu forma, e que ganhou forma a partir dela." Pode ser uma inspiração estranha, mas o resultado é surpreendente, e incrivelmente bonito. Adquirir alimentos nunca foi realmente sobre a experiência de comprar, era simplesmente uma acção instrumental de sobrevivência: entrar, comprar, e sair. Mas desta vez não. Se tivesse dinheiro, passaria horas dentro do Coop a comprar tudo o que têm para oferecer, do vinho às laranjas embaladas mesmo à nossa frente, por robots com mãos mecânicas.

Se normalmente um supermercado está organizado por três secções principais (alimentos frescos, super frescos e secos), o Coop, segue as cadeias naturais de produção. Ao entrar, encontro a secção de frutas e vegetais frescos organizada na primeira cadeia de produção. Vai dos tomates aos molhos de tomate em conserva, desde as uvas ao vinho engarrafado. Também não existem prateleiras no supermercado do futuro, e existe uma boa razão para isso. Comprar alimentos deve ser um momento de troca e de interacções, e não uma tarefa apressada, que, hoje em dia, é o que representa para a maior parte das pessoas. Como Ratti faz questão de me explicar: "Estamos interessados, acima de tudo, nas interacções humanas, interacções entre as pessoas e os produtos." Assim, ao comprar bananas no supermercado Coop, os clientes não serão somente capazes de ver a pessoa que compra o ananás enlatado à sua frente, como também, dar dois dedos de conversa. Esta interacção entre os clientes é facilitada pela decisão tomada pela Coop de substituir as típicas prateleiras de supermercados, por mesas de madeira compridas e não muito altas. "É como entrar num mercado local," diz com um grande sorriso Alfredo Richelmi, o Gerente Sénior da Accenture, acrescentando que "as pessoas precisam ser capazes de se verem umas às outras, e esta é uma das razões pela qual decidimos construir este tipo de mesas."

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A logística, na base de um ambiente como este, não é simples. "Aqueles ali", explica Setti, "são elevadores instalados para ajudar o processo de reposição. Permitem que as mesas tenham menos produtos de prateleira, e pareçam mais agradáveis." Em cima dos expositores estão o que Richelmi, com um sorriso embevecido, denomina as "velas". Trata-se de uma série de ecrãs pretos colocados uns ao lado dos outros, que flutuam em cima de toda a cadeia de produção. Ao aproximar-me dos expositores, as "velas" iluminam-se. Assim que escolho um tomate, um conjunto de dados aparece no ecrã à minha frente, com informações sobre onde o tomate foi cultivado, assim como as suas propriedades nutricionais (vitaminas, minerais, etc.) e até mesmo a sua pegada ecológica.

Na noite antes da minha visita, comi radicchio ao jantar. Ansioso para saber mais sobre a minha refeição, procuro chicória roxa e branca. Assim que a encontro descubro que contém vitamina B1, B2, B3, B5, C, E, K, J, e até mesmo P, e que as emissões de carbono associadas a este producto também são muito baixas. Esta informação é apresentada através da silhueta verde brilhante de um pé numa escala percentual. Vitaminas amigas do ambiente, que pechincha. "Está a ver aqueles?" Pergunta-me Alberto Pozzi, o responsável da venda a retalho da Accenture, enquanto aponta para três pequenos pontos vermelhos que aparecem no canto inferior direito do ecrã. "É a Kinect, uma tecnologia que reconhece os movimentos. Para criar as tabelas interactivas e as prateleiras verticais usámos a tecnologia existente nos jogos de computador, mas com outros objectivos". O supermercado do futuro parece estar destinado a ser um paraíso para os freaks da saúde. Os consumidores têm a opção de fazer o download de uma app, seleccionar a sua dieta preferida (vegetariana, baixa em carboidratos, etc.), e um algoritmo irá sugerir-lhes os melhores produtos que o supermercado tem para oferecer, e que correspondam às suas preferências. Se tens curiosidade em saber o que as outras pessoas estão a comprar, os clientes podem ver os gráficos que reúnem todas as informações do supermercado numa parede enorme em cima das caixas registadoras, com a lista dos produtos mais comprados. No dia em que eu estive - numa terça-feira ao meio-dia - a cerveja estava em segundo lugar. Os gráficos, as infografias, e os mapas projectados na parede do supermercado fazem com que a tecnologia do Vanilla Sky pareça de brincar.

Mesmo atrás de mim, estando eu de frente para o ecrã, está uma unidade de armazenamento a frio que contém embalagens de carne e peixe, protótipos de como as embalagens serão em 2020 e em 2050. "A ideia", diz Setti, "é a criação de um local capaz de embalar os alimentos para que estes durem muito mais tempo, e assim, tanto os clientes como o ambiente possam sair beneficiados - pensem na quantidade de comida que vai para o lixo porque se estragou -. Menos desperdício, menos emissões, menos embalagens." Pergunto a Pozzi, se o supermercado do futuro é para ricos ou para toda a gente. "Basta olhar para os preços", responde. E é verdade, os preços são os de um supermercado normal. O que é caro é o próprio supermercado. Cerca de 15 milhões de euros, diz-me ele, depois de alguma resistência inicial. De momento, não existe nenhum plano definido para transformar o protótipo num supermercado real. Como Ratti conclui, elegantemente, no final da nossa troca de e-mails: "É uma experiência através da qual todos nós podemos retirar lições importantes. Alan Kay costumava dizer. 'A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo.' Se isso for verdade, então é essencial que todos possamos contribuir para este objectivo: construir um futuro que pertença a todos nós". Este artigo foi inicialmente publicado em Munchies.