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Foto: Alexia Fidalgo / Divulgação / Companhia das Letras

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Identidade

Em novo livro, Alexandre Vidal fala como é viver à sombra da homossexualidade

Romance do escritor e diplomata do Itamaraty conta a trama de um homem reprimido desde a infância que reconta sua história ao chegar no limbo.

Em menos de dois dias terminei de ler Cloro, de Alexandre Vidal Porto, recém-lançado pela Companhia das Letras. O universo do livro passa por um contexto rico em detalhes e fidedigno a realidade, mas com um contexto que nunca vivi: uma vida no armário.

Essa trama fictícia pertence a Constantino Curtis, um advogado que começa uma segunda jornada na meia idade. Percebe que não viveu como deveria, lida com o luto perpétuo devido a perda de um filho, um casamento morno e um desejo escondido e reprimido desde a infância ao ouvir que é bicha. Curtis morre no ápice da sua jornada enrustida e, no limbo, sua vida é revisitada e compreendida. Constantino narra sua trajetória de vida numa perspectiva de quem viveu sob uma excitação curiosa e oculta.

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Na tarde da última quinta-feira de novembro, na correria da semana de lançamento, encontrei Alexandre, que, além de escritor, é diplomata do Ministério das Relações Exteriores e homossexual. O papo foi (quase) um encontro de amigos, mesmo nunca termos nos vistos antes. Vindo de uma roda de conversa e autógrafos, Vidal primeiro me pergunta o que achei do livro, já que fui uma das primeiras pessoas a ler, segundo ele. Contei tudo, rimos e, a seu pedido, nossos comentários ficarão entre nós.

Ilustro a Alexandre a minha relação com o lance de "estar no armário", considerando que nunca vivi nesta situação, exatamente o oposto de como Constantino é retratado. O autor detalha que o livro fala de uma categoria de homossexual que a gente sabe que existe, conhece, mas não sabemos realmente quem é.

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No final do livro, você consegue entender do porque se chama 'Cloro'. Imagem: Divulgação / Companhia das Letras

Na epígrafe da primeira parte, há uma citação de Aquele Eu, de Konstantínos Kaváfis, um poema que trata a homossexualidade como algo degradante, depressível. "A gente transou, cada um foi pra um lado, ninguém se viu mais. Tchau, não fale comigo se a gente se encontrar na rua" - assim Alexandre explica o poema.

O personagem principal leva o nome do poeta grego por estar inserido num contexto do poema por ser um homossexual no armário, escondido, que não se assume e que, no entanto, tem uma vida dupla. “Quero falar da possibilidade de não ser esse homem porque é uma vida muito complicada você ser um gay no armário e não precisa isso”, enfatiza.

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E em Cloro, apresenta-se o oposto, sendo uma obra otimista, de afirmação. "Nós, homossexuais, existimos, nós estamos em volta de vocês. Somos o padeiro que fez o pão que você comeu no café da manhã, o farmacêutico que te deu remédio quando você foi na farmácia, o garçom que te serviu, o motorista de táxi que te levou. Participamos [da sociedade], portanto, precisamos de respeito".

"Porque sou bicha, nasci bicha e preferi ser quem eu era.”

O personagem passa maior parte da sua vida em dúvida com a sua sexualidade. Se questionando, observando, negando. É o oposto de Emílio, um personagem mais novo e assumido, que cruza e marca a história de Constantino. Emílio também é uma composição inspirada na literatura, pois, no capítulo de apresentação, a epígrafe do personagem é do último parágrafo do romance pré-socialista Germinal, de Emílio Zola. “Fala de uma greve, dos tempos novos, mais justos, mas, no fundo, está falando de direitos humanos”, justifica Vidal, que imprime ao Emílio uma personalidade mais libertária e reflexo das novas gerações.

Aos poucos que fui devorando o livro, percebi que Constantino tinha semelhanças com o que havia pesquisado sobre Alexandre. O autor menciona que o personagem principal é uma possível narrativa que poderia ter vivido. Hoje casado há quinze anos, foi um dos primeiros diplomatas assumidos do Itamaraty e teve sua primeira experiência homossexual aos 30 anos, para ter certeza do que sentia. "Eu vinha dessa cultura de que ser bicha não é bom. Mas ou era ser bicha ou nada. Porque sou bicha, nasci bicha e preferi ser quem eu era”, expõe o escritor, que acredita que seu papel, ao compor este livro, é se solidarizar com que ainda vive na situação de não poder se assumir.

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Cloro é um livro que fala de homossexualidade e chega às livrarias num ano que Jair Bolsonaro (PSL), autor de declarações homofóbicas ao decorrer de sua vida pública e política, foi eleito presidente. A publicação, segundo o autor, foi publicada este ano por mera coincidência, já que ele vem compondo o livro há anos. Questionado se, no governo de Bolsonaro, a pressão ou censura pode ser um agravante para essa categoria de literatura, o diplomata responde que os homossexuais devem tornar a nossa vida mais respeitada possível nessa situação. “Se for mais intolerante, se o discurso apertar para o nosso lado, nosso discurso tem que apertar também para o lado deles.”

"Tem que ter coragem porque se você não for quem você é, se não tiver coragem de afirmar, você não é nada."

“A gente tem que ser visível. Essa é a minha luta. Faço isso no Itamaraty e não sou o único. Tem vários outros diplomatas que são abertamente gay”, revela o autor, que diz que no Ministério de Relações Exteriores, hoje é impensável qualquer tipo de discriminação. “ É feio ser homofóbico no Itamaraty. Nesse discurso novo eu não sei como vai ser, mas lá é uma coisa já consolidada.”

Essa possível consolidação evoluiu com o passar dos anos, mas, para Alexandre, muito se deve aos jovens. “A sensação que tenho hoje é que as únicas pessoas que têm a cabeça no lugar são os jovens. Então, eles têm uma obrigação de prestar atenção no processo político, de participação, nos processos sociais, de mostrarem o que eles querem, de quem são, de indicar onde querem ir, de mostrar o Brasil que eles querem que se construa, isso é importantíssimo”, declara.

E é com o Cloro que Vidal transforma uma história baseada no medo com uma proposta de viver livremente. “É para mostrar a importância de ser quem você é. Tem que ter coragem, porque se você não for quem você é, se não tiver coragem de afirmar, você não é nada. Você não significa nada e o nada não é considerado, não existe para ninguém”, finaliza.

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