Meia dúzia de coisas sobre a vitória por goleada da família Sobral

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Festival Eurovisão

Meia dúzia de coisas sobre a vitória por goleada da família Sobral

Salvador e Luísa iam sendo engolidos por uma multidão no Aeroporto de Lisboa. Enquanto a poeira assenta, reflectimos sobre a conquista "contra natura" de “Amar Pelos Dois”, no meio da habitual xaropada da Eurovisão.

Fez-se história na história da Eurovisão. Pela primeira vez, Portugal venceu um concurso onde, invariavelmente, foi ao longo de 52 anos e 49 participações o parente pobre. O melhor resultado tinha sido um sexto lugar (em 1996, com Lúcia Moniz) e, na última década, somente os Homens da Luta conseguiram chamar a atenção do público pela paródia explícita do seu número musical.

Neste 13 de Maio de 2017 houve várias goleadas que mexeram com o quotidiano português - do Benfica, à passagem rápida, sem percalços, do Papa -, mas esta foi a que teve um impacto talvez menos esperado. Há uns meses poucos acreditavam na vitória e agora há um sentimento de que deixámos uma marca indelével no evento, sem precisar de ter alguém repleto de aparato ou, o mesmo é dizer, de barba e vestido de mulher.

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Nada contra a livre escolha de Conchita, tudo ainda mais a favor do cantor Salvador Sobral e da sua irmã e compositora Luísa, que fizeram dueto no regresso ao palco para a consagração. Amar Pelos Dois valeu brilhantemente por si, abrindo, de certa maneira, o interesse que o estrangeiro pode ter pela produção nacional.

DO FOLHETIM PRÉ-FINAL DA EUROVISÃO À NOITE DA CONFIRMAÇÃO

A propósito do tema ter tido um efeito multiplicador nas redes sociais, ouvimos o seguinte, antes da Final. "Não fui tocado pelo misticismo do futebol, não fui tocado pelo misticismo da homeopatia, não sou tocado pela fé Mariana da Cova de Iria. Eu sou um triste, limito-me a comer e a gostar muito de fornicar".

Estas palavras foram debitadas por Luis Pedro Nunes (director do Inimigo Público), no programa Irritações, na SIC Radical. Compreendemos que LPN seja pouco dado a religiões e não ligue ao futebol, que seja indiferente à medicina alternativa, mas esperamos que a sua irónica tristeza se tenha sentido mais acompanhada pelo excelente resultado do representante português e, evidentemente, dê uma segunda oportunidade à canção – ele enfatizou que não o tinha "tocado".

Tal como o também comentador do Eixo do Mal, na SIC Notícias (que presumimos não ter visto a cerimónia), deve haver muita gente surpreendida com a vitória de Salvador. Nós explicamos. Amar Pelos Dois é aconchegante, leva-nos a fechar os olhos e a voar para os braços de alguém que, por alguma bela razão, nos faz sonhar. É a simplicidade em si - melodia mais a letra - e tem condimentos que nos remetem para as atmosferas íntimas de Caetano Veloso, ou mesmo Björk, que faz dela uma vencedora.

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Aliás, o cantor brasileiro tweetou mesmo que Salvador "É bom de mais". Algo que fez o músico rejubilar de felicidade e preferir esse elogio ao troféu que tinha recebido há minutos. Clarificador de uma personalidade pouco dada a vedetismos, que no seu breve e incisivo discurso de aclamação desejou menos atenção dada ao "fogo de artifício" em muita da música actual. É um "anti-star", como referiu o inconfundível crítico Álvaro Costa, aos microfones da RTP.

Mais do que ter marcado esta Eurovisão - e as futuras, espera-se -, o feito alcançado por este cantor de 27 anos, que já pensa no seu segundo álbum, relembra ao grande público que há música para além da que se ouve na rádio mainstream, ou entre as mais visualizadas no youtube, ou a que tem maior número de downloads.

Esperemos é que nas próximas edições não haja demasiadas colagens à faixa dos irmãos Sobral. Já sabes como é que é. Quando toca a ganhar, não falta quem use todos os meios (e cópias) possíveis para atingir a glória. De resto, houve duas canções que se destacaram por serem fora dos cânones do evento. A portuguesa, no lado da excelência; e a da Ucrânia, em sentido "horribilis".

O "THE VOICE" IRRITANTE NA BOCA DOS COMENTADORES, UM RABO À SOLTA E A APOSTA EM CATARINA FURTADO

Os comentários na RTP estiveram a cargo de José Carlos Malato, popular apresentador, e de Nuno Galopim, reputado jornalista de cultura (podes ler as suas opiniões na BLITZ, ou no site Máquina de Escrever). As suas observações foram esclarecendo, de forma assertiva, o percurso dos artistas em questão, mas a partir de determinada altura começou a ser repetitivo salientar que este ou outro tinham feito uma "perninha" no "The Voice". Eram tantos que mais valia terem dito, logo de início, que a maior parte dos participantes tinha marcado presença no famoso concurso televisivo. Também não se percebe como é que se omite o facto de Salvador Sobral ter marcado presença nos Ídolos, da SIC. Puro esquecimento ou, por causa de ter sido num canal da concorrência, o melhor era cortar do guião? Que seja a primeira excuse.

Em 2004, na cerimónia do Super Bowl, o mamilo de Janet Jackson"saltou" para os ecrãs dos telespectadores aquando de um dueto (e dança) com Justin Timberlake. A partir desse momento, são muitas as transmissões de grandes eventos nos EUA que fazem um delay entre aquilo que está a acontecer e o que se está a ver na TV – em alguns casos chega a atingir 10 minutos. Os organizadores da Eurovisão não se precaveram e, consequentemente, não evitaram o visionamento de um espectador que saltou para o stage acompanhado de uma bandeira australiana, baixou as calças e mostrou as nalgas na maior das descontras.

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O incidente aconteceu durante a performance da ucraniana Jamala, vencedora do certame no ano passado, que actuou antes das votações do júri de cada país. Por falar em matéria de votos, não podemos deixar de realçar os looks à "Zézé Camarinha" do porta-voz grego, da "Madonna" da Bielorússia, da punk reformada do Reino Unido, da "gata BONDiana" da Eslovénia, ou do "gajo que acabou de vir do bar e escreveu a morada do engate na mão", da Geórgia.

Quando obtivemos os 12 pontos provenientes de Inglaterra e de França, começou a vislumbrar-se a vitória de Amar Pelos Dois. Foram 758 pontos, contra 615 do segundo classificado (Bulgária), tendo sido o tema preferido tanto do júri, como do público através do televoto. Como até esta edição o vencedor nunca tinha passado os 534 pontos, a coisa tornou-se ainda mais espectacular!

Maio, Portugal 2018. A organização será entre portas e abrimos desde já a casa de apostas. Quem é que vão ser os/as apresentadores/as? Provavelmente, Catarina Furtado é uma das que estará na linha da frente.

RESUMO TELEGRÁFICO DA IMENSA PIROSICE EM PALCO

Parabéns ao Salvador e, como não podia deixar de ser, honra aos vencidos - se bem que não faltou xaropada para dar e vender. Eis o que vimos e ouvimos.

ISRAEL - Ricky Martin tem um rival paupérrimo, oriundo do Médio Oriente.

POLÓNIA - Há um episódio do Walking Dead em que torturam um prisioneiro com a repetição de uma mesma canção (nada má, diga-se). O tema desta polaca, com uma bela pernoca, também podia servir para isso.

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BIELORÚSSIA Folk com alguma piada, num casal a lembrar o Jack e a Meg dos White Stripes.

ÁUSTRIA – Para perder tempo com isto, mais vale rever a parte do filme em que o som de Ronan Keating rola no filme Nothing Hill.

ARMÉNIA – Um visual gótico das três performers (uma cantora e duas a dançar) e um toque pop a piscar o olhos às múmias do Egipto. Não nos parece que estas se tenham mexido um centímetro.

MOLDÁVIA – Querem mesmo something cool to dance ao ritmo do saxofone? Venham connosco até à Baker Street dos 90.

HOLANDA Nuno Galopim avançou com um cruzamento entre as irmãs Wilson Phillips e as Spice Girls. Check.

ITÁLIA - Diziam que era um dos favoritos, mas, em termos qualitativos, fica a léguas da nossa. Além disso, ficas a saber que é preciso ter um Macaco Adriano por perto, se é Karma que procuras ( wtf!).

HUNGRIA - O The Guardian descreveu-a como um "mix of hip hop and gypsy". Yah, can be.

DINAMARCA Com esta Capuchinho Vermelho com Copa acima do D, não nos importávamos de ser o lobo mau. Temos que falar de música, certo? Nahh.

PORTUGAL – Sensibilidade e bom gosto. Se juntares ao Cucurrucucú Paloma, de Caetano (ver vídeo abaixo), numa compilação toda caprichada para impressionar alguém especial, tens meio caminho conseguido.

CROÁCIA – Reconhecemos que tem uma voz bastante aceitável. Não entendemos, no entanto, esta versão numa só pessoa de Dr. Jekyll e Mr. Hyde; com meia roupa clássica e outra de cabedal; a cantar pop e, de seguida, laivos de ópera. Dupla personalidade, perhaps

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AZERBEIJÃO – Alguém que diga à Lorde que tem uma irmã neste país.

AUSTRÁLIA – Epá, outro a tentar subir à Ronan Keating league?

GRÉCIA - Boa pernoca parte 2. Começa medíocre e descamba num EDM piroso, para delícia de quem gosta de ver deuses gregos a chapinhar na água.

ESPANHA - Os quatro rapazes, que parecem a versão millennial do American Pie, soam a um Jack Johnson mal amanhado.

NORUEGA Quer ser pop, quer ser electrónica, acaba por ser semi-foleirada – ainda por cima, fala de uma "voice" qualquer. Vale pela indumentária (great masks!) a cargo dos responsáveis pelos instrumentos.

REINO UNIDO - Canção choramingas, que nos leva a pensar que preferíamos ver a Lúcia dos Pastorinhos a interpretá-la.

CHIPRE - Três modelos que parecem ter saído de uma loja da Zara e decidem ser músicos para justificar a roupita.

ROMÉNIA – Facialmente, ele parece o Dave Navarro, antigo guitarrista dos Red Hot Chili Peppers; Ela (outra Capuchinho Vermelho), por segundos, uma Alanis Morissette de terceira linha. Tentam uma pop no campeonato dos Fun e assim até o José Figueiras a cantar O Tirolês é fixe. Com dois canhões em palco, pensávamos que ambos iam ser disparados dali para fora. E aquele beijo final todo repenicado (ou será forçado e apertado)?

ALEMANHA – Pior vestido do evento e a música para aí caminhou.

UCRÂNIA - Rock sem inspiração e a deixar poucas saudades, parecendo que necessitam de voltar à garagem para milhares de ensaios.

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BÉLGICA – Se não ganhasse Portugal, esta era a nossa escolha – que o Salvador não nos leve a mal. Vê porquê (vídeo abaixo).

SUÉCIA – Pop demasiada lavadinha, com referências a J. Timberlake e uma coreografia interessante a condizer com o MTV lifestyle.

BULGÁRIA - Cantor andrógino com um nome a terminar, obviamente, em "ov" (Kostov), andou a ouvir muito One Direction e não se saiu nada mal.

FRANÇA - Com um reluzente vestido negro, que parecia saído de uma joalharia, misturou o francês com o inglês e pediu para que a levassem para o "paraíso". Contem com a nossa candidatura.

Enclave final: Já que Portugal vai "tomar conta" da Eurovisão, why not sugerir que todos os concorrentes cantem na sua língua materna? A diversidade, realmente, ficava a ganhar.