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Música

Um Papo com Dave Parry, o Mago do Som e da Iluminação

Conversamos com o cara que criou o sistema de som e iluminação da Fabric, em Londres, a balada que ficou conhecida pelo seu pioneirismo em adotar novas tecnologias.

Além de ter tido um papel significativo no drum and bass e no crescimento da cena dubstep no começo dos anos 2000, a boate Fabric, de Londres, também foi – e ainda é – pioneira em adotar novas tecnologias. Era 1999, quando abriu as portas, o clube apareceu em um episódio de Tomorrow's World em que o DJ Kid Batchelor fez uma demonstração da pista vibrante da boate – a primeira do tipo – para o apresentador Jez Nelson. Desde então, a Fabric ganhou notoriedade por ter o melhor sistema de som de Londres, tornando-se parâmetro de comparação para outros clubes, como era o Ministry of Sound nos seus tempos áureos. Como o DJ Hype – cofundador do Real Playaz e residente do clube desde a abertura, tocando uma vez por semana – disse ao Resident Advisor ainda em 2009: "Não existe nada igual… A maioria dos clubes não estava bem equipado para sons como o drum and bass na época. Se o sistema de som não era bom, o drum and bass soava de um jeito terrível. Porque se você não consegue senti-lo, é inútil".

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A Fabric completou 15 anos no final de outubro e para saber mais sobre como o seu lendário sistema de som foi projetado, procuramos o seu criador, o mago do som e da iluminação Dave Parry. Parry trabalhou em boates por mais de duas décadas e estava em Shangai, trabalho em mais uma, quando respondeu ao nosso e-mail. Ele nos contou como conheceu Keith Reilly, sócio da Fabric, falou sobre a sua ambição de criar uma experiência sublime de pista e, ainda, sobre os convidados mais que especiais que chamou para testar a sua criação na Fabric.

THUMP: Para começar, pode me falar sobre a sua carreira antes da Fabric? Até onde sei, você já tinha trabalhado em várias boates lendárias, como Powerhouse, Koko e Ministry.
Dave Parry: Eu comecei dançando break, trabalhando na Powerhouse [em Birmingham] – a certa altura, supostamente éramos os campeões britânicos. Eu odiava a maneira como nos iluminavam enquanto nos apresentávamos. Também queria que as apresentações tivessem mais impacto visual, então comecei a trabalhar com o técnico de iluminação de lá e curti muito. Quando ele foi embora para trabalhar no Camden Palace [que mais tarde se tornou a Koko], me chamou para ir com ele. Naquela época eu também trabalhei na Heaven and Limelight e em alguns clubes corporativos. Depois um amigo meu se tornou gerente do Ministry of Sound e me chamou para trabalhar lá. Foi no Ministry que pude colocar algumas das minhas ideias em prática, redesenhando o sistema de som e luz.

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As raves foram importantes na sua formação ou influenciaram você? Ou foram outros shows de luz e sistemas de som que te marcaram?  
As raves nos permitiram fazer o que queríamos da forma que acreditávamos que devia ser feito. A cultura das raves também trouxe mudanças importantes, tanto na luz quanto no som, com o surgimento das luzes inteligentes. Trabalhei em algumas raves, e embora elas fossem muito divertidas e inspiradoras, no geral davam muito trabalho e, pior, muitas vezes não me pagavam. Eu gostava das festas underground que surgiram quando as raves deram uma desacelerada mais do que as próprias raves, mas nas boates eu pude experimentar, refinar ou mudar coisas, o que me deu uma visão melhor de como as pessoas se conectam à música e também me apresentou a pessoas que influenciaram muito o meu trabalho no que diz respeito à tecnologia.

Mas a turnê Pulse, do Pink Floyd, foi arrebatadora. A maneira como o Mark Brickman usou as cores e o movimento ainda está gravada na minha memória, e aquela parte com o globo espelhado ainda me dá arrepios.

Como você conheceu Keith Reilly? É verdade que você chegou de skate na sua primeira reunião com ele?
Conheci o Keith através do Nicky Smith, com quem tinha trabalhado antes no Club Coliseum e no Peach (Camden Palace). E sim, é verdade que cheguei de skate na nossa primeira reunião. Na verdade, ainda vou de skate para tudo quanto é lugar, e o meu skate está aqui do meu lado enquanto digito.

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A iluminação da Fabric a pleno vapor.

Quanta liberdade Keith deu a você para projetar o sistema de som da Fabric? Havia algum precedente que você quisesse reproduzir ou melhorar?  
Keith é uma das pessoas mais inspiradoras que já conheci e me deu liberdade total para fazer o que quisesse. Na verdade eu não estava muito contente com o sistema original, e passamos os seis primeiros meses adaptando-o às nossas necessidades. Preciso mesmo agradecer Keith por me apoiar. Trocar tão cedo um sistema caríssimo por outro ainda mais caro parecia insanidade, mas ele me apoiou nesta decisão, mesmo sob pressão, porque acreditava que, sonicamente, era a coisa certa a fazer – e aquele sistema de som continua lá até hoje.

Sempre quis inovar e fazer alterações técnicas constantes. Queria manipular os aspectos sônicos e visuais do clube para mexer com a cabeça das pessoas, tirá-las do seu cotidiano e imergi-las em uma música bonita tocada em sistema de som sonicamente incrível. Também queria dar aos DJs a melhor plataforma para tocar, fazer com que tivessem acesso a um equipamento de ponta que os permitisse manipular o sistema e, com um bom engenheiro de luz, acentuar a música visualmente.

O sistema de vanguarda da Fabric nos anos 90.

Você pode me contar um pouco sobre as inovações que fez no sistema de som da Fabric?
Algo importante para mim era a habilidade de controlar o sistema digitalmente, isto me permitia movimentar o som e passar esse controle adiante para os DJs. A sala 2 da Fabric era um exemplo de como pegar a tecnologia existente (um processador de som Timax originalmente criado para ópera) e usá-lo para dar aos seus ouvidos um feedback em estéreo, estivesse você na sala ou no lugar de sempre, no centro, o que significava que você poderia ter sempre uma experiência sônica completa!

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Além disso, modelamos a sala em 3D, o que permitia ao DJ "mover" o som pela pista em qualquer direção. DJs são artistas, e tudo o que tento fazer é dar a eles as melhores ferramentas para que façam a melhor apresentação possível. Cabe a eles decidir quão longe vão ir, mas sempre estarei lá quando precisarem. Outra coisa importante que fiz foi contratar um engenheiro que garantisse que o som permanecesse consistente ao longo da noite: o fato de Sanjeev [Bhardwaj, responsável técnico] ainda estar lá confirma isso.

Uma das inovações mais famosas da Fabric foram os transdutores embaixo da pista, talvez porque o conceito parecesse muito futurístico na época (e ainda pareça hoje, até certo ponto). De onde veio a ideia, e quão importante foi isso para dar aos clubbers uma experiência física?
A ideia originalmente veio do Japão, mas foi mais usada nos assentos do que no piso. Luke Pepper (que trouxe o equipamento) e eu o modificamos ao longo dos anos, a tal ponto que agora podemos baixar muito os sub graves e produzir uma experiência eufórica. Você já esteve em uma catedral com um grande órgão de tubos e percebeu que, quando tocam um certo acorde, os pelos da sua nuca arrepiam? Isto acontece devido às vibrações subsônicas, e é isto que a pista simula. Para fazer um experimento, trouxemos trinta crianças surdas para o clube e as colocamos sentadas na pista. No instante em que ligamos o som, todas se levaram juntas e começaram a dançar, e é basicamente isso que a pista foi feita para fazer. Sempre quis envolver as pessoas na música que amo, não só com os ouvidos, mas também com a visão e a vibração subsônica, e a pista é só uma das coisas que posso usar para imergir as pessoas na experiência.

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Você tem uma visão do que busca quando cria uma experiência? Qual é?
Sempre acreditei que, ao longo da História, sempre existiu uma necessidade fundamental de dançar e que, ainda nos primórdios da humanidade, as pessoas se juntavam para dançar ao som de alguma batida. As festas de hoje, eu acho, são só uma evolução do homem das cavernas dançando ao som de um tambor; a luz da fogueira era o equivalente ao nosso show de luzes. Acho que este desejo de dançar serve para escapar da canseira do dia-a-dia. No passado, o escapismo era uma experiência mais religiosa, com a batida e o movimento constantes da música devocional levando os adoradores a um estado de transe, permitindo a eles comungar com os espíritos e atingir um estado de euforia. Este estado de euforia é o que eu sempre busquei atingir, e pesquisei muitas coisas esquisitas e incríveis para tentar recriá-lo, incluindo cromoterapia, terapia vibracional e as teorias de Wassily Kandisky sobre vibração e cor.

Olhando para o futuro, a ascensão do vídeo aumentou o número de ferramentas à minha disposição, mas como acontece com tudo, precisa estar em sincronia e dialogar com a música, não ir contra ela, como é o caso muitas vezes. Mas, usado corretamente, pode aumentar sua percepção e fazê-lo viajar.

Na música, sempre tem uma certa canção que o leva a um determinado lugar no tempo e, quando você a escuta, lembra de todas as emoções e sentimentos que vivia naquele período: é isso que eu sempre quis criar, uma memória e uma emoção que você vai levar com você para sempre.

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A Fabric começou com uma noite de drum and bass e teve um papel importante na emergente cena de dubstep. Como a música que tocava no clube influenciou o modo como você projetou e programou o sistema?
Tudo começa com os componentes e o tanto de controle que você tem. Os alto-falantes que usamos cobrem todas as frequências de uma maneira razoavelmente baixa, o que quer dizer que podemos adicionar ou tirar algo para criar o melhor som para cada noite e, até certo ponto, para cada DJ. Um sistema construído inteiramente para determinado gênero não funciona quando a cena muda e aparece outro estilo. Gosto dos alto-falantes feitos na Inglaterra porque eles tendem a ser baixos, permitindo que você os customize de acordo com a sua necessidade. Tenho uma teoria de que os alto-falantes construídos em outros países são feitos para determinados estilos [voiced to that style]. Os alto-falantes americanos geralmente funcionam com rock, os franceses com lounge e jazz, mas enfim, isso é só uma teoria e provavelmente estou falando bobagem.

Qual era a importância do volume e dos graves para você na Fabric? A cultura e música do sistema de som influenciaram você?O volume é só pavoneação, não significa nada, e o mesmo geralmente se aplica a quantos watts você tem, o que, de novo, não quer dizer absolutamente nada. E quanto aos graves… Qual é, onde eu estaria sem eles?

Na maioria das vezes, um sistema parece ter um volume alto porque distorce o som. O sistema da Fabric não. Se aumentássemos o volume a ponto de distorcer o som, você não ficaria por perto.

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Ainda assim houve uma vez que, quando estávamos instalando o novo sistema de autofalantes, tentamos abrir os subwoofers; descobrimos que ficava muito difícil respirar devido à quantidade de ar que eles soltam, mas é para isso que temos limitadores.

Desculpe perguntar, mas teve algum artista em particular que te deu muito trabalho ou causou muito estresse na Fabric? Ou talvez levado o sistema ao limite?
Deus, que pergunta. Quanto tempo você tem… Eu adoraria mencionar pessoas específicas, mas acho que a discrição é o melhor caminho… Teve um DJ que usava o sistema no limite  e, por mais que pedíssemos, se recusava a baixar o volume. Basicamente, ele me disse que era um artista e quem diabos era eu para dizer a ele como soava. Então, na próxima vez, não mexemos nas equalizações e ganhos e, cerca de meia hora depois dele se pavoneando todo, dissemos a ele que ele obviamente não sabia de nada e tinha um ouvido pior ainda.

Também teve outro DJ que não via problema nenhum em jogar suas bitucas de cigarro no chão da nossa nova cabine, feita com madeira envelhecida de 200 anos, mesmo tendo um cinzeiro do lado. Eu queria que o Sanj não tivesse me segurado.

A luxuosa cabine de DJ da Sala 1 da Fabric.

Que conselho você daria aos DJs e bandas que tocam no seus sistemas de som?
Só porque está no vermelho não quer dizer que você esteja detonando. Sistemas de som utilizam compressores, então, se você ultrapassar o limite do sistema em um decibel, o volume vai diminuir muito mais do que isso. Então, quando um engenheiro diz "abaixe o volume", é porque assim o som vai ficar mais alto.

Para encerrar de forma mais positiva, alguma noite se destacou para você na Fabric, teve alguma que foi particularmente especial?
Não consigo pensar numa noite especifica, mas teve alguns momentos loucos no meu escritório com os caras que trabalhavam com luz e som (Sanjeey, Chris, Phydeaux e o Fly). Acho que só olhar e ver um monte de gente se divertindo, sabendo que tive um pequeno papel nisso, sempre vai ser a minha lembrança mais marcante. Obrigado, Keith, e feliz aniversário, Fabric.

Para saber mais sobre o Dave Parry, visite o site e o Facebook dele.

Tradução: Fernanda Botta