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Música

Ouça o Novo Álbum de Martyn, ‘The Air Between Words’

"O que eu tentei fazer foi deixar minha guarda baixa e permitir que outras pessoas me influenciassem".

Ao falar com Martin, a primeira coisa que chama a atenção é a sua sinceridade. Ele fala livremente ao mesmo tempo em que não há pressa em seu discurso, certificando-se que quer mesmo dizer aquilo. Essa é uma característica que, se pensarmos bem, deve ter lhe caído muito bem ao longo dos anos; compondo música, tocando discos e guiando gostos com a mesma sinceridade que o tornou uma das pessoas mais respeitadas na cena de música eletrônica atual. Tendo feito sua fama primeiramente como DJ na Europa, Martyn então lançou discos através do seu próprio selo, o 3024 (Greath Lengths, de 2009), do louvado selo de Los Angeles Brainfeeder (Ghost People, de 2011) e agora, neste mês, lança The Air Between Words, disco o qual estamos empolgadíssimos em trazer para você com exclusividade.

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Com a data de lançamento oficial marcada para 16 de junho pelo selo Ninja Tune, em The Air Between Words temos Martyn fazendo jus à insistência de que ele "flutua" entre gêneros para criar um clima com o qual dialogue; um amor perpétuo ao techno e ao house, com toques de dubstep, ghettotech, electronica – de fato, tudo se parece mais com um caldeirão bem fundo de influências ao invés de uma lista. Ouça o streaming completo de The Air Between Words.

THUMP: Em minha opinião, The Air Between Words é um album muito interessante, já que é seu primeiro disco que (talvez por fatores cronológicos apenas) sinto que une sua história nas cenas techno e house holandesa e europeias, bem como sua vida nos EUA. Tendo tocado tantos anos na Europa, e vendo a dance music estourar na América do Norte, que mudanças você observou nestes últimos anos?
Martyn: Quanto a tocar nos EUA, muito mudou. Moro aqui há cerca de cinco ou seis anos. No início, tocava em um monte de eventos ligados ao dubstep porque era onde as pessoas me encaixavam. Foi ficando cada vez mais difícil fazer bons shows porque aqui rolou aquela transição entre o dubstep antigo e o que agora chamam de dubstep ou EDM, que seja.

Na maioria das vezes me via preso em line-ups em que quem tocava antes ou depois de mim fazia esse som brostep ridículo. Com o tempo, foi ficando deprimente. Se você toca esse som incrível, profundo, se o primeiro disco do cara que vem depois de você é essa explosão climática, ele acaba tomando tudo que você fez nas duas horas anteriores. Depois fiquei desiludido com tocar nos EUA. Não corri mais atrás de shows por uns dois anos.

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O que você fez durante esse tempo? Agora você toca bem mais, o que mudou?
Bem, aquele lance EDM sumiu das boates e foi parar em festivais e raves ao ar livre. Os Skrillexes? Esses caras não tocam mais em clubes. Acho que isso foi ótimo pra cena noturna. A maioria dos lugares – especialmente nas grandes cidades – voltou a agendar shows com bons artistas, em busca de um som diferente. Agora que voltei a tocar mais nos Estados Unidos, percebe-se que a qualidade das noites melhorou muito e realmente tornou-se divertido tocar por aqui.

Deixando os shows de lado, por que você se instalou nos EUA ao invés de lugares com mais oportunidades como Berlim?
Queria construir uma vida pessoal aqui. Por isso não quis ir para Berlim. Ainda estava tocando aqui e ali – no Decibel Festival ou algo da Red Bull, por exemplo – mas só nesses últimos seis a oito meses tenho feito mais shows nos EUA de novo. É algo bem saudável, também passei a usar cada vez mais discos de vinil, o que gera uma reação muito boa aqui, te deixa com uma atitude mais positiva e você aparece como DJ, no sentido de que todas aquelas horas pra carregar suas paradas até a boate e tocar fazem valer o dinheiro de alguém.

Bem, dizem que para você ser mestre em qualquer coisa é preciso 10 mil horas de prática.
Tem isso e também o fato de você ter que dar exemplo. Entendo perfeitamente porque tantos moleques querem ser DJs agora. Se você aparece com um pendrive e balança as mãos no ar, parece tudo bem fácil e não é necessária nenhuma prática. Agora se você chega arrastando 70 discos e troca cuidadosamente as agulhas, colocando os discos pra tocar e certificando-se de que tudo está perfeitamente mixado, acaba demonstrando uma dedicação que fará as pessoas pensarem: "Uau, isso é uma arte. É algo que outros vem tentando aperfeiçoar há anos antes de chegar até a gente".

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Se visse algo assim, pagaria numa boa 15 ou 20 paus por noite, mas aí chega um cara todo desinteressado com a parada? Não quero pagar pra ver isso. Eu posso fazer isso. Acho que é algo diferente não só em questões de experiência como de percepção mesmo. O que você vai mostrar como DJ e amante de música? Estou ali para envolver as pessoas.

Se você quer fazer isso, ao menos demonstre algum esforço próprio. Especialmente em shows menores ou clubes em cidades pequenas, por exemplo. As pessoas gostam mesmo. Você chega com a bolsa e todo mundo fica tipo:  "Cê vai tocar vinil hoje?", elas ficam felizes mesmo e olha que ainda nem ouviram nada. Elas amam isso e é perfeitamente compreensível.

Tive uma conversa bem interessante com Jeff Mills recentemente em que ele disse sentir que o techno aos poucos tem deixado de ser algo para a boate e se voltado para "audição". Acredito que isso tenha uma ligação (talvez um pouco tênue) com o como muitos produtores e DJs veem a "utilidade" do techno; "essa faixa posso rolar na pista e curtir em casa". Estive pensando, por que tem que ser os dois? Qual o benefício exato disso?
Quando Jeff começou, os discos que eram feitos eram apenas músicas. Alguns eram tocados por aí e outros só ouvidos em casa, mas não havia uma distinção bem definida – especialmente se você para pra ouvir algumas coisas antigas da Underground Resistance. Alguns dos sons são brutos, mas há profundidade o suficiente e o material é interessante o bastante para ser ouvido em casa.

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Já eu nunca faço essa separação. Nunca faço música para as pistas ou para curtir em casa. É o mesmo quando toco como DJ. Acho que qualquer faixa pode servir pra pista se você faz o serviço direito. Toco David Bowie, Pet Shop Boys, músicas sem batidas – dá pra fazer isso se você inserir esses sons na hora certa, quando as pessoas estiverem prontas pra isso.

De volta à sua música. Com The Air Between Words sendo seu terceiro disco, como você vê a relação entre a mentalidade de produtor e de DJ? Sei que isso pode soar um pouco vago, mas acho que você é um dos poucos que posso pensar de primeira e é conhecido e admirado tanto pela produção quanto como DJ.
Acho que as pessoas me veem mais como produtor do que DJ. Mas talvez seja o contrário, porque toquei muitos anos como DJ antes de pensar em criar minhas próprias músicas. Foram cerca de nove anos antes de minha primeira faixa. Só decidi tentar criar algo quando senti um grande lacuna a ser preenchida no tipo de música que gostaria de tocar.

O que você acha que faltava naquela época?
Quando comecei, no início dos anos 2000, o drum'n'bass estava dividido em duas facções, basicamente. Uma era realmente obscura, mais pesada, próxima do techno, com gente como Optical e Bad Company, já a outra era bem melódica, com toques de jazz, estilo Hospital Records. Pra mim não havia nada no meio que combinasse ambos; que fosse mais pesado e tivesse sentimento, que é o que compõe muito do que há de bom no techno.

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Eu queria mesmo fazer algo desse jeito, e não havia material o suficiente para fazer a transição entre meus sets. Então pensei que teria que fazer tudo eu mesmo, logo, o fiz e tentei criar coisas que fossem pesadas e sensuais, mas com melodias fortes, que você pudesse cantarolar. Foi assim que comecei a fazer música, tentando criar uma ponte entre estes elementos.

Depois, passei a trazer esta ideia para outros gêneros sem saber – até mesmo pro que as pessoas chamam de dubstep. Fazia essa ponte entre o techno e o dubstep mais puro, influenciado pelo reggae. Mesmo o que componho agora flutua entre diferentes gêneros. Não é exatamente techno, não é bem house ou electronica – se você quiser chamar assim. É algo que fica ali pelo meio.

"Flutuar" com certeza é a palavra certa para falar de sua música. Pensei isso a respeito de seu trabalho colaborativo em específico no decorrer dos anos: Dbridge, Modeselektor, Mike Slott, Spaceape – você conseguiu acumular um pequeno, porém robusto e variado arsenal, sem perder sua identidade.
Ah sim, é tudo bem divertido também! É o mesmo que gravar pra diferentes selos. Sempre considero tudo como uma conquista porque poder gravar discos para vários selos diferentes uns dos outros é algo que tenho como objetivo – ao invés de ficar ligado a uma sonoridade ou cena. Digo, obviamente você também precisa dessas pessoas, senão não haveria cena, mas eu não conseguiria me prender assim. Me refiro a artistas como Hatcha e Mala no dubstep, ou da Underground Resistance ou o Jeff Mills no techno. Não me vejo como essas pessoas, gosto desse lance de flutuar entre gêneros.

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Ainda sobre colaborações, você trabalhou com o Four Tet e Inga Copeland em The Air Between Words. Ambos são ótimos, muito diferentes – não esperava mesmo a trilha com Copeland. Como essas faixas surgiram?
Martyn: Com o Four Tet foi interessante porque ele tem um background muito diferente do meu, mas com o passar dos anos nos aproximamos. Ele começou como um artista meio "folktronica", ou como um cara esquisito dos samples, então pegou essa influência house e um pouco mais britânica. Venho de um mundo completamente diferente, composto basicamente por drum'n'bass e um pouco de dubstep e a partir disso cheguei onde estou agora. É divertido ver como ambos chegamos a um ponto no meio do caminho. Mandei a ele um rascunho que havia criado de uma melodia e nada mais. Ele me deu alguns toques e assim a faixa foi se criando. Seja dita a verdade, nunca fui muito fã de colaborações.

Como assim?
Eu era um pouco inseguro com minha música. Sempre pensei que ao colaborar estaria mostrando meus truques pra alguém e não queria isso. Também temia porque parcerias nunca saem tão boas. Raramente soam como a soma das duas partes.

Tenho pensado muito sobre isso. Acho que há muitas colaborações rolando, mas poucas me inspiraram e suepreenderam. Além disso, passei a desgostar dessa ideia de parcerias super-rápidas/aleatórias como Songs from Scratch. Há algum mérito nessa velocidade? Nem todas as tangentes tem que se encontrar…
Não tem nada a ver com música. Primeiro, eu sou muito lento e nunca conseguiria fazer nada rápido assim e, segundo e mais importante, são coisas totalmente desinteressantes. Quando você compra um álbum você quer um puta disco, não importa se foi feito em dez minutos, meia hora ou sete dias, não importa.

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Mas, voltando às colaborações, o que tentei fazer foi baixar minha guarda e deixar que outros me influenciassem. Algumas pessoas simplesmente têm ideias melhores que as minhas, haha, é um saco. É difícil admitir isso, porque quando se está fazendo música, supostamente você tem que estar muito seguro de suas habilidades. Agora, vejo que talvez você esteja mais confiante de seu trabalho ao deixar os outros se aproximarem.

O que passava na sua cabeça durante o trabalho com Copeland? Vocês trabalharam juntos em estúdio? O que a maioria de nós sabe sobre Copeland é que não sabemos quase nada sobre ela. Sou fascinada por essa mulher.
Bem, ela tem habilidades bem diferentes das minhas e é por isso que dá tão certo. É uma grande compositora e dona de uma voz incrível como ninguém. Ela grava muitas demos e me envia, e eu lhe envio de volta alguns sons. É por isso que é divertido tocar com ela ao vivo. Em algumas faixas que fizemos lhe mandei algumas ideias de música e ela apareceu com letras e melodias. O resto é baseado em suas demos, depende da faixa.

E finalmente: como você descreveriaThe Air Between Words?

Acho que é uma versão mais enxuta de tudo que fiz antes. Na minha cabeça, a música é toda bem simples. Tem melodias e linhas de baixo fortes, mas sem muita gordura. É um álbum magrinho, acho que isso o deixa bem natural também. Estou feliz com o que fiz porque foi uma longa caminhada até chegar aqui. A única coisa que me preocupa agora é o próximo álbum.

Martyn - The Air Between Words sairá pela Ninja Tune em 16 de junho

Siga Lauren Martin no Twitter: @codeinedrums

Traduzido por: Thiago "Índio" Silva