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Música

Faz Dez Anos que Percebemos que 'Hora de Voltar' É uma Bosta

Onze anos atrás, Zach Braff lançou esse clássico filme indie cult. Um ano depois, assistimos de novo e percebemos que foi um grande erro.

Este artigo faz parte da Semana 2005 do Noisey EUA, em que os gringos relembraram o melhor e o pior da cultura pop de uma década atrás e nós traduzimos só esta mesmo.

Hora de Voltar foi lançado há 11 anos, e em 2004, para uma nação de deprimidos jovens em processo de amadurecimento, foi o sucesso indie que esperavam. Era um filme para aqueles de nós que não tinham decidido o que fazer da vida, pensavam muito sobre o assunto e conversavam com seus amigos que também não sabiam o que fariam sobre como não sabiam o que fazer.

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E tinha esse tal de Zach Braff que estrelava o filme, o engraçado porém taciturno jovem médico de Scrubs, gente da gente, sensível, emocionalmente vulnerável aos vinte e poucos anos com dificuldades de sentir coisas porque ter vinte e poucos anos é muito, muito complicado. Braff vivia tristão, entediadão e sem se deixar levar e mais um monte de coisa que queríamos projetar nele, o que era fácil já que ele tinha esse charme de homem comum e tal.

Braff passava boa parte do filme tendo essas conversas mega-profundas que todos temos na época da faculdade – você sabe, sobre coisas profundas, tipo Deus e morte e perder aquela noção de pertencimento. Ele nos apresentou um pequeno elenco de personagens incomuns dos subúrbios de Nova Jersey, incluindo o ator indicado ao Golden Globe Peter Sarsgaard. O estilo de Braff enquanto diretor dramático o colocou no papel de próximo Woody Allen.

Para os espectadores homens que tinham uma queda por manic pixie dream girls, havia a outra personagem principal do longa, interpretada por Natalie Portman. Ela era bonitinha e cheia de manias, com um arsenal de tiques adoráveis, como por exemplo o fato dela ser uma amante de animais com um labirinto para hamsters espalhado por sua casa. Era massa, né? Em determina cena, ela e Braff promovem um funeral para seu hamster morto e Braff usou este momento para confidenciar à Portman que sua mãe havia acabado de morrer. Não tínhamos como não simpatizar ao refletirmos sobre nossas próprias tragédias.

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Em uma das cenas mais memoráveis, Braff e Portman estão empoleirados na beirada de uma pedreira gigante e aparentemente sem fundo, um abismo que por si só era uma metáfora para o vasto desconhecido da vida adulta. Lá eles estavam, na chuva, e Braff, que se sentia vivo de verdade pela primeira vez em anos, solta um urro primitivo. Era o momento decisivo do filme, e naquela hora, todos acordamos e deixamos de nos sentir amortecidos junto dele.

E aí tem a trilha sonora. Quantos hits! Era como se Braff tivesse fuçado no nosso iPod de terceira geração e escolhido cuidadosamente todas nossas músicas favoritas de nossas playlists indie e as tivesse juntado com clássicos como Simon & Garfunkel. Imagine a emoção que sentíamos, nós, blogueiros de LiveJournal, ao ouvir Iron & Wine em um filme grande. E era um cover do Postal Service, ainda por cima!

Além disso, quem conseguiria esquecer a cena dos Shins? Portman deixava de lado seus fones gigantes, porque ela curtia muito música e tal, e dizia a Braff: “Você tem que ouvir isso aqui. Vai mudar sua vida”. Ele ouvia e nós ouvíamos “New Slang” capturar aquele momento. Braff era o diretor que podia te fazer curtir sua nova banda favorita.

Na cena final, em um aeroporto, Braff mudava de ideia quanto a ir embora e deixar Portman para trás, descia do avião e ia beijá-la. Enquanto isso, “Let Got” do Frou Frou era a trilha perfeita.

De fato, era uma história de amor para uma geração de românticos indiferentes, com todos seus medos e incertezas.

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Mas um ano depois, um evento ainda mais monumental ocorreu. Em 2005, todos sentamos com nossas camisas desbotadas de Kerry/Edwards, desligamos a TV que só passava notícias sobre as guerras, colocamos o DVD de Hora de Voltar pra rolar em nossos Playstation 2 e percebemos: “Peralá. Esse filme é uma merda”.

Talvez aquela eleição de 2004 tenha sido um despertar para a futura geração de meia-idade dos EUA. As luzes foram ligadas no meio da festa e todos percebemos que estávamos de pau na mão. Porque como aquela eleição, a vida é uma derrota devastadora atrás da outra. Claro que não há nada pra “decidir” da vida. Ou se há, não iremos fazer isso ao assistir um filme com o cara que dublaria Chicken Little. De repente, Hora de Voltar parecia um espelho sujo em que refletia nossa imagem grotesca, envelhecendo rapidamente.

Hora de Voltar foi lançado 11 anos atrás, e em 2005, para uma nação de bebês-adultos mimados, era o tedioso filme indie bocejante que já havia sido feito trocentas vezes e seria feito trocentas vezes mais como resultado de seu sucesso, possivelmente estrelando Zooey Deschanel e/ou Michael Cera. Era um filme para aqueles que se sentiam mal consigo mesmos, pensavam muito sobre isso e ficavam conversando com seus amigos que também se sentiam mal sobre como se sentiam mal.

E esse cara que estrelava, esse Zach Braff, o cotonete falante de Scrubs, era igual a nós, jovens de vinte e poucos que tomavam remédios demais e dependiam de terapia, sofrendo com sentir coisas porque buáááááá. Ele era chato e tedioso e enchia o saco e mais um monte de coisa que queríamos projetar nele, o que era fácil, já que ele era destituído de qualquer característica, como um avatar em branco.

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Braff passava a maior parte do filme tendo essas conversas banais com as quais todos sofremos na época da faculdade – blábláblás sobre, você sabe, problemas sem-graça de gente branca, tipo nadar e Coldplay e ser um ator em dificuldades. Ele nos apresentou um elenco de personagens igualmente atrofiados emocionalmente com problemas de personalidade e também aquele cara do Bazinga!. A imagem de Braff como um moleque sensível meio deprê e sem querer engraçado o colocou no papel de próximo David Schwimmer.

Para os homens que assistiram ao filme e tinham uma perversão predatória por novinhas de idade questionável e possivelmente autistas, havia a tela de projeção de fantasias masculinas, interpretada por Natalie Portman. Ela era chata e infantil e com uma série de alertas, tipo o fato de que todo o seu quintal servia de cemitério para todos os animais de estimação que ela matou por pura negligência. Quão mórbido é isso? Em determina cena, ela e Braff fazem um funeral para seu hamster morto e ele finalmente diz algo interessante sobre como sua mãe paralítica acaba de morrer. Não deu pra não rir com a boca-mole de Braff ao falar do assunto.

Em uma das cenas mais porcamente realizadas, Braff e Portman estão na ponta de uma pedreira em CG muito falsa, um abismo que por si só serve como metáfora para atuar como um emo virgem reclamão. Eles ficam ali na chuva e Braff, que deixa de ser um crianção por um segundo para ser ainda mais crianção, abre sua boca para ter a imagem que precisam pro pôster do filme. Foi momento decisivo do filme, e naquela hora, todos acordamos e pegamos a caixa do DVD pra ver quanto tempo ainda faltava.

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E aí tem a trilha sonora. Quanta merda! Era como se Braff tivesse pego uns rejeitados de um filme do Wes Anderson e juntasse todos com as músicas do provador da Urban Outfitters. Imagine a emoção que nós sentíamos, os nerds do indie rock com os quais ninguém treparia, ao ver nossos gostos tediosos enfiados em um grande filme. E numa boa, ainda por cima!

E também quem esqueceria aquela porra de cena dos Shins? Portman deixava de lado seus fones gigantes, porque ela vivia mesmo aquela vida alterna, e diz pro Braff: “Você tem que bláblábláblóóóó que vai te blarrrrhhhhhh”. Ele ouve, e percebemos então que esse filme se baseia inteiramente em ouvir uma música do Shins. Braff era o cara que tentava te comer ao gravar um CD.

Na cena final (VALEU DEUS), em um aeroporto, é claro, Braff se ligou que não tinha nenhuma outra opção e que namorar com Portman seria melhor que voltar pro seu emprego em um restaurante tão racista que fazia garçons brancos se vestirem como vietnamitas, então ele sai do avião, coisa que não se faria depois do 11 de setembro, e voltou pra sugar a cara dela para dentro de suas narinas horrendas e eles soltam um monte de frases aleatórias típicas de comédia romântica, levando o clímax do filme à ridícula duração de 20 segundos apressados. Enquanto isso rola aquela música do Frou Frou na qual você gastou uns centavos no iTunes no desenrolar dos créditos, aqueles mesmos que você achava que nunca chegariam.

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De fato, esta era uma história de amor para uma geração de psicopatas socialmente ineptos, com suas poupanças e problemas com papai.

O filme não era culpa de Zach Braff. Nem de Natalie Portman. Mas a culpa era sim toda nossa por criar essa cultura indie cool feita por ególatras sofredores que permitiu que obras de puro entretenimento narcisista como este filme e trilha tornassem-se bem-sucedidas comercialmente. O problema é que só percebemos um ano tarde demais.

Hora de Voltar não era tão profundo quanto o abismo 3D no qual Zach Braff gritava. Era tão raso quanto a cova que Natalie Portman cavou para seu hamster morto. Acabou que não estávamos olhando para um abismo e sim nossos próprios umbigos.

Dan Ozzi tem um DVD do filme. Siga-o no Twitter - @danozzi

Tradução: Thiago “Índio” Silva