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Música

Fizemos uma Rara e Gostosa Entrevista com os Residents

A seminal banda que influenciou o Devo e foi pioneira no uso do CD-ROM para música toca em São Paulo nesta quinta (17).

Vestidos de fraque e cartola, com gigantescos globos oculares usados como máscaras, três indivíduos sobem ao palco para uma apresentação surrealista, repleta de projeções de vídeo e cenários teatrais que denotam uma postura bastante crítica em relação à sociedade de consumo. Poderia ser um remake de um filme do italiano Federico Fellini feito por uma gangue de freaks com a cabeça cheia de LSD, mas é mais uma apresentação ao vivo dos Residents, veterana banda de São Francisco que finalmente se apresenta no Brasil após mais de 40 anos de atividade, com um show da turnê de Shadowland no Cine Joia, em São Paulo, nesta quinta-feira (17).

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Formada por um grupo de amigos de colégio na cidade de Shreveport, na Louisiana, a banda se mudou para a Califórnia no final da década de 1960, quando começou a enviar gravações demo para diversos selos em busca de um contrato. Como essas gravações eram enviadas sem o nome do remetente, uma das fitas foi enviada de volta com o nome "Residents" como destinatário, batizando assim o grupo. Após inúmeras tentativas de assinar um contrato, acabaram fundando sua própria gravadora, a Ralph Records, pela qual finalmente lançaram seu primeiro disco, Meet The Residents, em 1974, cuja capa parodia os Beatles.

Embora nunca tenham sido uma banda punk, o som experimental e a postura anárquica dos seus integrantes foram prontamente adotadas por diversos artistas do movimento, conquistando fãs como os integrantes do Devo, com quem foram bastante comparados ao longo da carreira, e Jello Biafra, do Dead Kennedys, entre outras bandas de São Francisco.

Pioneiros do videoclipe na era pré-MTV, criaram obras estranhas e surreais como "One Minute Movies", "Hello Skinny" e "Third Reich", além de se tornarem pioneiros em diversas mídias como CD-Roms e DVDs. Musicalmente, a obra do grupo vai desde as colagens dos primeiros discos, como Meet The Residents e The Third Reich’n’Roll (1975), que incluem versões satíricas para diversos hits dos anos 60, passando por projetos como Eskimo (1979), que soa como uma viagem temporária à um lugar ermo no Ártico durante em rigoroso inverno, e o "quase pop" do seu Commercial Album (1980), além de diversas obras temáticos e discos em homenagem à importantes figuras como James Brown e Hank Williams. Lançado no ano passado, o documentário Theory of Obscurity conta um pouco dessa longa e pouco comum trajetória na indústria musical.

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Embora os integrantes se mantenham no anonimato desde o início e nunca tenham aparecido publicamente de cara limpa, todas as entrevistas são respondidas pela Cryptic Corporation, entidade responsável por promover a banda. Muitas lendas já circularam sobre suas verdadeiras identidades, sendo que a mais antiga dizia se tratar de um projeto anônimo dos próprios Beatles, criado após sua separação oficial. A mais corrente, porém, é a de que os representantes da Cryptic Corporation são na verdade a própria banda.

Em entrevista por e-mail, Homer Flynn, da Cryptic Corp, fala um pouco sobre as influências da banda e o show que farão no Brasil, além de deixar escapar, conscientemente ou não, que é sim um dos Residents.

Noisey: Por que a banda demorou tanto tempo para se apresentar no Brasil?
Homer Flynn: Essa é a primeira vez que uma oferta realista para trazer os Residents ao Brasil foi feita.

A turnê Shadowland inclui músicas de todos os diferentes períodos da sua discografia ou os shows focam em períodos ou discos específicos?
Shadowland é a terceira parte da trilogia Randy, Chuck & Bob, e as três partes são uma celebração estendida dos 40 anos de existência da banda. Com essa perspectiva histórica em mente, o conteúdo da trilogia tem se focado quase exclusivamente no imenso catálogo de canções dos Residents; e como as diferentes partes da trilogia foram montadas, canções foram escolhidas para refletir o tema de cada segmento: Talking Light (2010-11) é sobre morte, The Wonder of Weird (2012-13) é sobre amor e sexo, e Shadowland é sobre o nascimento. Essa concepção da vida ao contrário foi o elemento estrutural básico da trilogia.

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A banda se formou originalmente no estado da Louisiana mas logo se mudou para São Francisco, na Califórnia. Por que a decisão de se mudar para lá? Havia uma vontade de participar de alguma maneira da cena psicodélica? Os Residents poderiam tomar forma em qualquer outra cidade do mundo?
Em 1968, os Residents estavam fugindo do clima político conservador da Louisiana ao mesmo tempo em que estavam atraídos pela música experimental que estava sendo criada em São Francisco. Acho que eles teriam adorado ter feito parte da cena psicodélica da época, mas achavam que o melhor disso já tinha acabado quando chegaram lá. É certamente possível que os Residents pudessem ter se formado em outra cidade, mas parece óbvio para mim que a atitude permissiva e progressiva de São Francisco foram uma grande influência para o grupo. Os Residents de Nova York ou Los Angeles ou Toledo teriam sido bem diferentes dos Residents de São Francisco.

Quando a banda começou, ela enviou algumas fitas demo para o produtor do Captain Beefheart. Considerando que parte do antigo material da banda lembra Beefheart, você acha que havia uma vontade consciente de emular a sua música?
Os Residents foram certamente influenciados por Captain Beefheart, assim como por muitos outros artistas, mas eles nunca tentaram conscientemente imitá-lo. E o estilo de música de Beefheart, que era focado em torno do elemento central de uma "banda", era completamente diferente da prioridade dos Residents de usar o estúdio como sua principal ferramenta de composição.

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Os Residents já foram fãs dos Beatles? Quando vocês decidiram gravar "The Beatles Play The Residents and The Residents Play The Beatles" (single composto de diversos samples do quarteto de Liverpool) e parodiá-los na capa de Meet The Residents, havia um elemento de admiração além da chacota?
Os Residents de fato eram fãs dos Beatles. Não há dúvida de que há um sentido de admiração misturado com o sarcasmo e a chacota na música. Os Residents definitivamente apreciavam os riscos que os Beatles tomaram e o fato de que eles continuaram a mudar e crescer em vez de apenas manter uma fórmula que era obviamente de sucesso.

Vocês tiveram ou ainda têm algum problema legal por conta da capa de Meet The Residents?
Houve alguns problemas com a capa e foi a ameaça de um processo legal que levou a arte a ser mudada na segunda prensagem do disco. Depois disso, houve a decisão de ignorar a ameaça e voltar a usar a arte original com as edições seguintes, mas nada aconteceu.

Por que o filme Vileness Fats (projeto rodado entre 1972 e 1976) nunca foi lançado? É verdade que vocês chegaram a gravar quase 15 horas de material?
Houve aproximadamente algo entre 14 e 16 horas de filmagens em vídeo para Vileness Fats, mas mesmo então apenas algo entre 60 e 75% do roteiro estava completo. Houve duas razões para ele não ter sido finalizado: em primeiro lugar, conflitos internos surgiram entre o grupo, e depois eles também perceberam que a imagem de vídeo P&B em baixa resolução que eles tinham usado era de um formato tão inferior, que eles nunca poderiam exibi-lo na televisão ou no cinema.

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A banda foi pioneira em lançar vídeos promocionais na era pré-MTV. Com isso havia o desejo de atingir uma audiência maior ou os integrantes queriam apenas experimentar com diferentes formatos?
Os Residents sempre estiveram interessados em experimentar com muitas formas diferentes de mídia, então os primeiros filmes promocionais eram principalmente uma consequência desse interesse. Eles sempre foram grandes fãs de cinema.

A banda também sempre pareceu interessada em novas tecnologias, lançando muitos projetos pioneiros em CD-ROMs e DVDs, e os shows ao vivo têm um forte elemento de teatro e arte performática. Sempre foi parte das intenções do grupo atuar em diferentes mídias?
De fato, atividades multimídia sempre fizeram parte da visão do grupo, e sim, essa ideia aparece de maneira forte nas performances ao vivo dos Residents.

The Residents parece ter uma forte influência dadaísta/surrealista. Você concorda ou diria que há outras influências mais fortes? Os Residents se consideram modernistas?
Enquanto há definitivamente um forte componente surreal e absurdo no trabalho dos Residents, é difícil dizer que eles são realmente dadaístas. Eles foram provavelmente mais influenciados por Fellini, Kurt Vonnegut, Sun Ra e Captain Beefheart do que pelo dada. Eu não sei se os chamaria de "modernistas", mas eles gostam de se manter atuais. O conceito de Randy, Chuck & Bobé, de algumas maneiras, a resposta dos Residents para a pseudo-personalização e a falta de privacidade ditada pela internet e as mídias sociais.

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Os Residents foram de certa forma adotados pela cena punk e pelo pós-punk quando esses movimentos começaram, embora vocês já estivessem lançando discos antes desse período. Por que você acha que isso aconteceu, e qual a opinião da banda sobre o punk rock?
Pessoalmente, eu podia apreciar os aspectos anarquistas e a energia do punk, [mas] sempre achei a música honestamente chata. Enquanto o cover dos Residents para "Satisfaction" foi um óbvio precursor para a estética punk, o grupo nunca se viu como uma banda punk, e não viu nenhum motivo para continuar nessa direção. A boa coisa sobre a era punk no final dos anos 70 foi que ela abriu a porta para que muitos novos artistas fossem reconhecidos e ganhassem exposição, e a Cryptic Corporation certamente usou essa porta para promover e fazer o marketing dos Residents, mais como um grupo "new wave" do que como uma banda "punk".

Como surgiu a ideia de usar as famosas máscaras de globo ocular?
No início, os Residents queriam ter um visual diferente para cada lançamento, e as máscaras de globo ocular foram simplesmente o próximo novo disfarce. Eles apenas tiveram a intenção de usá-las para o lançamento de Eskimo, em 1979, e então mudar para outra coisa, e os integrantes estavam completamente despreparados para a reação que tiveram do seu público.

A indústria musical mudou muito desde que a banda começou, e agora é considerada por alguns quase extinta. Ouvir música se tornou uma experiência mais interessante e recompensadora do que antes ou ocorreu o contrário? A banda tem ouvido algum novo grupo ou artista?
Pessoalmente acho que existe tanta música nova interessante sendo criada como sempre houve, mas também é mais difícil do que nunca de encontrar. O acesso e a facilidade do uso de ferramentas para criar música significa que qualquer um com um laptop ou até um smartphone pode criar música agora. Por um lado isso é ótimo, mas por outro significa que há mais porcaria do que nunca, então encontrar as coisas boas não é fácil. Meu grupo novo favorito é o Alamaailman Vasarat, eles são da Finlândia.

Algum interesse em música brasileira que não passe por "Garota de Ipanema"?
Não sei muita coisa sobre música brasileira, mas tenho ouvido bastante o Bixiga 70 atualmente. Também tenho um disco de Suba que ouvia bastante no começo dos anos 2000 - é uma pena que ele morreu.

Você tem algum disco favorito dos Residents?
Sou muito próximo para ter um favorito, mas tenho muita afeição por Not Available (1978), God in 3 Persons (1988) e Demons Dance Alone (2002).

O que você diria para as pessoas que argumentam que os representantes da banda e seus membros são as mesmas pessoas?
Eu enxergo duas possíveis respostas para esse argumento: 1) é absolutamente verdade; 2) se os Residents e a Cryptic Corporation não são as mesmas pessoas e o trabalho da Cryptic é proteger a identidade do grupo, então fazer com que as pessoas acreditem que nós somos os Residents é a fachada perfeita. Cada um acredita no que quer, então faça sua escolha.

Quais são os próximos projetos da banda após o fim da turnê?
Os Residents estão trabalhando num disco novo e numa produção teatral para God in 3 Persons.

The Residents em São Paulo
Quinta (17), 22h
Cine Joia (Praça Carlos Gomes, 82 - Liberdade)
Ingressos: R$ 80/R$ 160