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Música

Amigos Relembram o DJ Rashad

Valeu mestre, vamos sentir sua falta.

A primeira vez, pelo que me lembro, de ter visto o footwork foi aos 18 anos. Tinha acabado de começar a sair à noite e um amigo tinha me levado a uma festa. No começo, só havia gente parada de pé e parecia que a festa seria bem fraquinha. Mas então a galera formou um círculo e começou a fazer o footwork – com uma música que com certeza não tinha sido feita pro footwork. Fiquei super impressionado. Eu passava longe de ser um dançarino, e não conseguia conceber como eles podiam se mexer daquela maneira. Era uma das coisas mais maneiras que eu já tinha visto na vida.

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Em Chicago o footwork está em todo lugar, mas acaba por ficar um pouco fora do radar das pessoas, fazendo aparições fugazes em shows e influenciando outros estilos musicais enquanto permanece no ponto cego para muitos dos residentes da cidade. Me lembro de ouvir umas músicas de house acelerado que eventualmente deram origem ao footwork na rádio quando era um infante e quando era um adolescente, no primeiro baile da minha escola, me lembro de ouvir músicas como “Bounce” do DJ Clent e “Bang Bang Bang, Skeet Skeet Skeet” do DJ Chip. Mas passar meus anos formativos longe das áreas da cidade onde o footwork se originou, eu entrava em contato com ele muito raramente mesmo que estivesse ciente da sua existência no início e ao longo dos anos 2000.

Chicago é, particularmente em relação a sua dance music, uma cidade frequentemente desinformada do seu próprio valor cultural. Mas se Chicago nem sempre esteve a par disso nos últimos anos, o mundo exterior estava, e crédito seja dado, em grande parte pelo DJ e produtor pioneiro de footwork, DJ Rashad, que foi encontrado morto em seu apartamento alguns dias atrás. A causa da morte, segundo a polícia de Chicago, foi causada por um coágulo na perna.

Infinitamente prolífico, com mais de 20 lançamentos oficiais apenas na última década, DJ Rashad foi um produtor inovador que, principalmente no ano passado, estava atingindo o pico de sua carreira. Ao fazer uma música que bate forte e rápida, que é ao mesmo tempo alucinantemente complexa e completamente implacável, Rashad estabeleceu seu nome na cena de baladas underground de Chicago por anos antes de finalmente chegar ao topo da visibilidade mundial. Muitos dos que fazem música tão extrema quanto essa, principalmente música dançante, tendem a ser ineficazes ou irrelevantes. Por trabalhar com muita frequência e refinar o seu som, ao lado de contemporâneos como DJ Spinn, Traxman e RP Boo, Rashad escapou de ambas estas armadilhas.

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Rashad Harden, também conhecido como DJ Rashad pelos fãs, nasceu em Chicago no dia 9 de outubro de 1979. Músico desde o princípio, ele se tornou multi-instrumentalista muito jovem, dominando a guitarra, bateria e teclado desde cedo. Dedicado à música como era, ele fez testes como DJ para a WKKC 89.3 aos 11 anos, e então começou a colocar músicas das cenas emergentes de Chicago e subúrbios. Estes estilos de música – ghetto house e juke –influenciaram ele e o som que ele futuramente ajudaria a criar.

Além de ser um DJ quando era pré-adolescente, ele também se tornou uma figura proeminente do circuito dance, fazendo seu nome ao dançar em turmas como House-O-Matics, The Phyrm e Wolf Pac. Na altura que entrou no colegial, entretanto, ele largou a dança pra se focar inteiramente em ser DJ. Começou a produzir faixas de ghetto house e o que depois viria a ser conhecido como footwork quando conheceu o amigo e colaborador de longa data, DJ Spinn, na Escola Secundária Thornwood. Juntos eles circulavam pela cena juke/ghetto house, tocando em festas com outras sumidades do footwork, RP Boo and Gant-Man, além dos rolês de Dance Mania que incluíam DJ Funk, DJ Deeon e Jammin Gerald. Foi membro da camarilha Beatdown House antes de fundar a sua própria com o Spinn, a Ghettoteknitianz. Atualmente este coletivo, mais conhecido por Teklife, ainda reina supremo, com muitos produtores veteranos e novatos em sua lista.

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O footwork enquanto gênero começou a deixar suas raízes alternativas e majoritariamente centradas em Chicago no final dos anos 2000, quando selos como o Planet Mu começaram a ficar atentos e lançar discos do DJ Nate e Rashad, bem como as louvadas compilações Bangs & Works Vol. 1 and 2. Tais compilações juntamente com as constantes turnês das estrelas do gênero e a contínua redefinição dos seus sons ajudaram a levar o footwork de um estilo de nicho que era relativamente desconhecido a um som definitivamente identificável no DNA da música eletrônica, com o Rashad na vanguarda de todo o processo.

Como um nativo de Chicago, ver o footwork crescer até chegar ao lugar onde ele se encontra agora, sinto um orgulho imenso da minha cidade, principalmente à medida em que o gênero continua a ser bastante discreto em sua própria casa. Vê-lo ser absorvido pela internet e transformado num fenômeno mundial -- que influencia artistas como Addison Groove, Mouse on Mars, Nguzunguzu e Sully, bem como as culturas do Reino Unido, Polônia e Japão -- é incrível.

E até mesmo mais pessoas de outras partes de Chicago passaram a prestar atenção e incorporar o que Rashad fazia. A influência de Rashad na cena da dança em Chicago, particularmente, já não tem limites, e só agora está de fato chegando à superfície. É impossível que Chicago não se orgulhe por completo pelo trabalho que DJ Rashad e seus contemporâneos fizeram por anos apenas por amor, e isso faz com que a sua perda, que acontece logo agora que sua fama internacional mal atingia seu ponto máximo, seja muito mais devastadora. Mas, enquanto estou aqui mergulhado na tristeza da sua súbita morte, sou capaz de ver os frutos de seu trabalho todos os dias e ver a maneira como ele mudou as coisas não só internacionalmente, mas na sua cidade natal, e me sinto esperançoso. Isso me dá a certeza de que a sua música vai permanecer, e isso me parece ser o melhor tributo.

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A última vez que vi Rashad ao vivo foi no final de 2013 com o Spinn no The Mid em Chicago. Foi minha primeira experiência num show de footwork em que vi praticamente todas as pessoas soltarem a franga. Fora os footworkers que estão na frente, o que é padrão, o público estava mandando ver com sabedoria. Até onde puder ver, não tinha ninguém parado. É impossível: se você estiver, você está negando o que seu corpo sente que deveria estar fazendo. Essa era a mágica do Rashad: ele fazia música que não podia ser ignorada, que ultrapassava o selo de dance music pra se tornar música pras pessoas realmente dançarem.

Também entramos em contato com alguns amigos e parceiros do DJ Rashad e pedimos a eles pra dividirem algumas de suas memórias favoritas do DJ. Eis o que disseram:

DJ Gant-Man

Tenho muitas memórias de Rashad e eu juntos. Algumas posso dividir, outras não (risos.) Eu diria que minhas melhores memórias são de nós no estúdio fazendo música.

Era tão fácil fazer música com Rashad porque ele vinha preparado e fazia música com muita rapidez. Nos divertíamos muito compondo. Fazer música com ele como voltar a ser criança e brincar com brinquedos, videogames, comer muito doce (risos). Quando ele fez a faixa “Heaven Sent”, eu estava brincando no teclado e ele veio com um bom acorde e umas linhas de synth. Não sabia se queria transformar aquilo numa faixa de R&B ou de house. Parecia que podiam ser ambas as coisas. Mais ou menos uma hora depois o Rashad volta e ouve o que eu tava fazendo e diz “porra, essa merda tá lenta”. “Aumenta a velocidade pra 160”. Ele fez a batida e a faixa tava pronta em cerca de 30 minutos. Tocamos a faixa por horas, só curtindo a onda. Ele adormeceu com a faixa no repeat e acordou com aquela cara de “Maaaaaano isso é hit”. Tocamos a música mais umas dez vezes ainda e depois ainda fizemos vários sons naquele dia! Ele era a besta-fera das faixas! (Risos)

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DJ Clent

RASHAD COLAVA NA MINHA CASA E NÓS PASSÁVAMOS O DIA TODO FAZENDO SONS

RP Boo

Me sinto tão honrado por ter sido um grande incentivo ao meu grande amigo Rashad. Posso dizer que sempre que o via rolava uma faísca. Conversávamos sobre música e sobre como manter nossos fãs sempre curtindo. A primeira vez que o vi não fomos propriamente apresentados no lugar em que eu estava tocando, mas da segunda vez já nos conectamos só com nossas incríveis habilidades nos toca-discos. E eu nem estava fazendo sons naquela altura. Um dos meus momentos favoritos: DJ Majik Mike tava tocando e eu tinha acabado de pegar meu Tascam 4-track novo e a faixa "Chip is a Chicken Head" estava tocando enquanto o Rashad estava parado ao lado dele esperando a sua vez de tocar. O DJ Chip apertou o stop enquanto o set ainda estava rolando e o Rashad só se virou e olhou pra ele – até o Bat Man teria feito “POW” naquela hora – dando risadas.

Um outro bom momento foi quando o Rashad e o Spinn saíram em turnê pela Europa em 2012 e eu secretamente mandei um email com “AREA 72” pra ele. Ele tocou o som enquanto estava fora e algumas semanas depois ele me deu um update e me contou que a faixa estava com uma repercussão boa. E eu fiquei tipo “OK”. Então pouco mais de um mês depois, finalizando com "Tim and Barry Don't Watch That TV", Rashad tocou “AREA 72” só que eu não sabia. As pessoas começaram a me ligar e perguntar pela “AREA 72” e eu fiquei tipo “nunca toquei ela antes, como você pode saber sobre a faixa ou até mesmo o nome dela…” E tinha uma voz gritando “Uuuuuuuuuuh, O Rashad acabou de soltar como lançamento mundial!” e eu comecei a rir e balançar a cabeça… Rashad…

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Pessoas, este momento é quando o LEGADO vira o Futuro das Vidas. Ele ainda é uma grande inspiração pro meu trabalho e vida… Eu era muito novo e estava empolgado só em ver o Rashad parado na minha frente. Ele fará muita falta e sua música será sempre insubstituível… Me lembro da primeira frase que ele me disse. Olhei [pra ele] com uma careta. E eu tenho, também, a última conversa em mensagens de texto que tivemos, e você a verá quando a hora chegar, ela fará sorrir todos os [seus] fãs.

J-Cush, amigo próximo

O legado de Rashad viverá para sempre nos corações da sua família, amigos e fãs. Seu período na terra foi muito breve, mas sou eternamente grato por cada experiência que compartilhamos -- tudo de bom e até mesmo de ruim. Aprendi tanto com ele. Ele moveu o mundo tanto quando estava conosco quanto quando morreu. Perdi meu melhor amigo e meu mentor, e o mundo perdeu um grande talento. Há um vazio no meu coração que nunca vai passar.

Uma alma bondosa, tudo que era dele era também seu. Rashad não era uma pessoa mesquinha. Ele estava lá pra todo mundo que precisasse dele, qualquer que fosse a situação. Sua lealdade era inquestionável e sua paixão inesquecível. Sua música era tão bonita que tocou pessoas ao redor do mundo todo. Tenho infinitas boas memórias de Rashad assim como todo mundo que conviveu com ele.

A memória mais pertinente pra ser mencionada é o amor que ele tinha pelo seu filho, Chad. Frequentemente, ele exclamava sobre quão à frente da sua idade era o Chad e como Rashad iria tirar seu filho da violência que toma as ruas de Chicago como praga. Chad era a força motriz de Rashad para desbravar e perseverar. Não consigo contar quantas vezes Rashad fez nove ou dez sons num só dia. Sempre que ele podia entrar num estúdio e fazer sons, ele fazia. Tudo para o qual ele trabalhava, tudo que ele realizava, era em nome do Chad.

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Wes Harden, empresário

DJ Rashad, DJ Spinn e eu estávamos num jantar celebratório em Nova York no começo desse ano pouco depois de começarmos a trabalhar juntos.

De repente um menininho que não tinha mais que dois anos de idade veio até nós e puxou a camisa do Rashad.

Apesar de estarmos numa noite importante, o carinho tomou conta de Rashad, e foi então que eu percebi que estava sentado de frente de um dos maiores corações do South Side de Chicago.

Jermaine Collins é um escritor vivendo em Chicago. Ele está no Twitter - @composuresquad

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Valeu, DJ Rashad