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O panda anarquista é a grande atracção das manifestações no Canadá

E, apesar de tudo, continua a acreditar na democracia.

O panda é o segundo a contar da esquerda. Há duas semanas, e pela quarta vez este mês, centenas de pessoas que estavam a participar num protesto pacífico em Montreal foram reprimidas pela polícia. Sob uma lei municipal chamada P-6, a polícia pode declarar ilegal qualquer protesto, assembleia ou ajuntamento, prender pessoas e distribuir multas. Isto só pelo simples facto de uma pessoa estar presente. Entre os que foram apanhados, detidos durante horas e multados, estava esta misteriosa personagem, conhecida apenas como Anarcopanda. Trata-se de um professor universitário de Montreal que vai aos protestos vestido de panda e que se tornou, sem grande surpresa, numa figura destacada durante a greve estudantil do ano passado. Num protesto recente recebeu, pela segunda vez, uma multa por esconder o rosto e a cabeça da máscara foi-lhe confiscada como prova. Conversei com ele horas antes desse mesmo protesto e quis saber quais as motivações do panda das manifs. VICE: Vamos começar com uma pergunta fácil. O que é, ou quem é, o Anarcopanda?
Anarcopanda: [Risos] O Anarcopanda foi uma resposta à violência que os estudantes estavam a sofrer. Tive a ideia muito antes da greve — criar uma barreira de mascotes, com diferentes fantasias, entre a polícia e os manifestantes. Como não tinha uma equipa para fazer mesmo isso, resolvi colocar essa ideia em prática sozinho. Porquê um panda? Por que não um Anarcoporco ou uma Anarcovaca?
O panda resulta. As cores expressam a minha própria filosofia, o anarcopacifismo. E foi o disfarce mais fixe e mais resistente que consegui com o meu orçamento. Mesmo no eBay, as fantasias de dois mil e tal parecem más! Estava a pesquisar e, assim que vi a roupa de panda, algo nasceu em mim. Foi amor à primeira vista?
Foi, claro [risos]! Era fofa e estava em condições. Já estou no meu segundo fato e acho que este não aguenta muitas mais manifestações. No ano passado, tornaste-te num símbolo (ou numa mascote) para o movimento. Em que altura percebeste que tinhas esse papel, que é muito maior do que ser, simplesmente, um participante desses protestos?
Se as pessoas me entendem como uma mascote, isso é com elas. Não é assim que vejo o meu desempenho. No início, entendia que deveria proteger os manifestantes da violência policial. Agora pode dizer-se que luto contra a lei P-6. Muitas pessoas dizem que o que faço é aliviar as tensões, mas não tento pacificar os manifestantes, apesar de ser conhecido por falar com eles quando vejo alguém a fazer alguma coisa que considero completamente estúpida. Nessas alturas, também costumo perguntar qual a razão para a pessoa fazer o que faz. O meu objectivo é a polícia, isso começou quando tentei abraçar uns agentes e, em determinados momentos, os manifestantes também precisam de abraços. Comecei a fazer isso e, quando um polícia recusava o meu abraço, punha um ar triste. Os estudantes vinham abraçar-me e consolavam-me. Acredita, enquanto professor de filosofia a minha intenção nunca foi a de abraçar estudantes nas ruas. Simplesmente aconteceu e pensei: "Por que não?" Nem imaginas a quantidade de mensagens que tenho recebido, só para expressar o quanto um abraço ou algumas palavras significam. Policias armados observam um protesto em Montreal. Mas já conseguiste abraçar algum polícia?
Ah sim, claro. Já abracei uns dez, ao todo. Infelizmente, nunca consegui abraçar nenhum polícia de choque. Eles são diferentes, comportam-se de forma distinta quando estão com aquela roupa. Mas sim, abracei alguns polícias. Geralmente, em situações muito difíceis e tensas. Tenho muito orgulho em ter conseguido. Falemos sobre a lei P-6. Três dos quatro maiores protestos em Montreal foram suspensos e todos os participantes foram presos e multados em 637 dólares, isto sem terem feito nada. O que achas da P-6 e da legitimidade destas prisões preventivas?
Estou a lutar contra esta lei municipal no tribunal. Acredito que isto é inconstitucional porque restringe indevidamente o direito do povo de se reunir pacificamente e de se expressar. É o direito de protestar em si que está a ser reprimido, é deprimente. E, claro, as multas são ridiculamente altas. Mesmo para mim, que não tenho 637 dólares para torrar, mas para os estudantes que trabalham em part-time e que não tiram muito, é uma medida realmente repressiva. Acho isso extremamente preocupante. No ano passado houve uma grande discussão dentro do movimento estudantil sobre a não participação nas eleições regionais. Agora, com uma eleição municipal marcada para Novembro, algumas dessas questões serão levantadas de novo. Acreditas no voto e na participação cívica?
Ia votar no Quebeque Solidaire na última eleição, até que essa propaganda totalmente agressiva começou a aparecer. Havia quem dissesse que se não fosses votar, devias estar calado. Então não votei. O discurso público é problemático, claro que até podes acreditar no voto, acho isso importante, mas dizer que esse é um acto democrático definitivo, tal como foi dito muitas vezes pela comunicação social, só demostra que não compreendemos a ideia de democracia. Há muitos debates sobre a pureza do protesto dentro do movimento e tenho a certeza de que muitas pessoas não me consideram um anarquista, mas não me preocupo muito com isso. E nas eleições municipais? Vais tentar tornar a P-6 num dos pontos cruciais das eleições?
Sem dúvida. Mas não vou fazer campanha, nem apoiar nenhum partido político. Vou ler a plataforma de cada um deles, mas suspeito que nenhum desses programas vai estar à altura das minhas expectativas. Digamos que estou pessimista acerca deste processo, mas também estou sempre pronto para ser surpreendido pela positiva. As pessoas têm-me pedido para concorrer, mas… Então?
Não para já. Acho que realmente precisamos de uma democracia mais directa, mais transparente e mais responsável. Devemos ter o direito de relembrar aos nossos representantes que, se agirem de uma determinada forma, talvez eu não queira votar neles. Mas continuarei a ser um militante de base e não estou interessado em decidir se as pessoas devem votar ou não. As pessoas devem desenvolver a sua própria opinião, fazer a sua própria pesquisa, falar com os candidatos, verificar os seus programas. Ninguém precisa da minha ajuda para fazer isso.