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Música

Michael Mayer fala-nos sobre o presente do techno, livros e... um disco novo

Fundador da editora Kompakt, um dos DJs mais respeitados do mundo, produtor, músico e trabalhador incansável. Cabeça de cartaz do Festival Forte, que decorre em Agosto, falou connosco horas antes de actuar no Lux, em Lisboa.
Michael Mayer. Cortesia Festival Forte.

Era quase meia-noite quando me encontrei com o Michael Mayer no Panorama. Não, não estou a falar do bar do Berghain - quem me dera - mas sim do restaurante panorâmico que fica no topo do Sheraton, em Lisboa.

Cheguei e fui de imediato encaminhado pelo lobby boy. Esticou-me a mão, quereria uma chicla? "Desculpa, meu, não tenho". Subi e quando cheguei ao topo senti-me teletransportado para um espaço "chique", com uma banda de covers lounge, assim na onda Smooth FM. Na ponta da sala estava um piano de acrílico.

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Depois de uma pequena busca lá encontrei o Michael e o Ilídio, da equipa do Festival Forte, em Montemor-o-Velho, onde, em Agosto, Mayer será um dos cabeças de cartaz. Conversei com o DJ, produtor e músico, enquanto eles jantavam e poucas horas antes de uma actuação no Lux/Frágil. Falámos sobre juventude, a Kompakt e, SIM, o seu disco novo.

O piano de acrílico e Michael Mayer. Foto por Pedro Paulos.

VICE: É engraçado que nos encontremos aqui. Eu costumava conduzir DJs para uma discoteca e era hábito apanhá-los no hotel onde estavam instalados. Quando tinha esse biscate reparei que todos têm regras e rotinas diferentes. Tens alguma? Do género: tenho que beber, ou não beber, fazer uma sesta antes de tocar, ou algo parecido?

Michael Mayer: Regras? Não. Uma punheta? (risos) Um bom jantar ajuda a começar a noite mas, para além disso, não tenho nenhuma regra. Depende da situação e de onde tocas.

Quando as pessoas pensam em DJs, imaginam-nos a tocar em raves gigantescas e a passar músicas épicas com as mãos no ar. A realidade é que os DJs passam a maioria do tempo em modo "sala de espera", seja em aeroportos ou hotéis. Como é que tu, depois de tantos anos, te manténs interessado e excitado?

Na verdade, gosto do tempo de espera porque é aí que consigo ler. Na minha rotina diária não tenho tempo para o fazer, por isso fico bastante satisfeito de ter estes pequenos momentos em que posso ficar por minha conta.

Mesmo nestes dias de telemóveis e portáteis? Não trabalhas em músicas enquanto estás no aeroporto?

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Nunca faria isso. Nunca trabalharia numa música enquanto estou na estrada. Não, porque, para mim, estar na estrada significa estar focado em mim e no meu livro. Livros verdadeiros. Nem tenho um leitor de e-books, nem os ponho no iPhone. São alguns dos momentos mais calmos da minha vida, mesmo em aeroportos barulhentos e cheios de gente. Os meus pequenos momentos de paz.

E o que estás a ler agora?

(risos) É um livro engraçado. Chama-se Der Total Raush e é um livro alemão. A tradução literal seria algo como, A Moca Total, ou a A Pedra Total. A capa do livro - a razão pela qual o comprei - captou mesmo a minha atenção. É um comprimido com uma suástica. É sobre o papel que as drogas tiveram na história nazi. É de loucos. Os nazis conseguiram conquistar a Polónia e a França - as cenas do Blitzkrieg - só porque tinham metanfetaminas do melhor. Ficavam acordados três semanas e atropelaram a Europa. Estavam todos em drogas e Hitler era o pior janado de todos. Por dia levava aí umas 20 injecções de todo o tipo de coisas: comprimidos para as dores, anfetaminas e ainda alguns psicotrópicos.

Parece-me que ainda hoje é algo que se faz bastante.

Na Alemanha apanharam um político - Volker Beck, MP do Green Party - a fumar crystal meth. (risos) Por isso, ya, ainda existe. Mas, ainda assim, os nazis foram os primeiros a usar as drogas para isto. Fabricaram milhões de comprimidos e distribuíram-nos pelas suas forças armadas. Toda a infantaria em drogas, propositadamente. Era bastante experimental na altura, nunca tinha sido feito e estas substâncias tinham acabado de ser descobertas.

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Para tornar mais fácil que pessoas matassem outras pessoas.

Sim, nós sabemos o que os americanos fizeram na Guerra do Vietname, mas acho que os Nazis foram os primeiros. O livro é fantástico, lê-se como um romance.

Antes, estávamos a falar de como o telemóvel e o portátil mudaram o Mundo. Tudo mudou desde o princípio da tua editora, a Kompakt. E como é que a Kompakt mudou?

Isso é uma pergunta complexa. (risos) Bem, por sorte a Kompakt conseguiu adaptar-se às mudanças na indústria musical. Quando começámos, a ideia era, basicamente, vender vinil - o que ainda fazemos, nós estimamos a nossa loja de discos - mas tivemos que fazer muitas coisas que ultrapassam apenas a comercialização de vinil e receber um euro por cada cópia vendida. Agora já são milhões de números pequenos [vendas de mp3]. Tudo um bocado complicado mas, felizmente, há tecnologia que nos ajuda.

Li noutra entrevista que quando vocês começaram a Kompakt a ideia era compactar todos os vossos projectos dentro de um só caixote, mas parece que têm imensas sub-labels. Vocês descompactaram?

Não temos assim tantas sub-labels, por vezes as pessoas confundem as editoras que distribuímos com as nossas sub-labels. Temos a Kompakt, a principal, e a Kompakt Extra. Só isso. Não existem outras… Bem, de facto, estamos a mentir a nós mesmos. Há, por exemplo, a Pop Ambient, que acabou por se transformar numa espécie de editora, porque tínhamos vontade de lançar mais música ambiental outra vez. É algo que ficou um pouco esquecido, se não contarmos com as compilações anuais.

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[Em minha defesa, a Kompakt Pop e a K2 também estão definidas como sub-labels da Kompakt no seu site oficial]

Na música de dança é dificíl durar muito tempo e ter uma carreira longa. Há tantas pessoas a tentar e a falhar e tu fizeste-o de forma tão majestosa. Não só tu, mas todos os fundadores da Kompakt.

Casmurros do caralho!

Nunca ficas um bocado desiludido com este trabalho?

Há muitos momentos em que te perguntas: "Isto ainda faz sentido?". Hmmm… Eu penso que o nosso orgulho e o nosso amor pelo que fazemos tem sido sempre mais forte. Não somos pessoas racionais. Não somos empresários. Fazemos isto porque precisamos de o fazer. Depois lidamos com as consequências.

Agora que és mais velho, deves ter uma perspectiva diferente.

Tenho, mas o que é mais bonito nisto é a intimidade. Somos quatros parceiros na Kompakt (Michael Mayer, Wolfgang Voigt, Jürgen Paape and Reinhard Voigt) e grande parte da nossa equipa está connosco há oito anos, ou mais, e conseguimos manter a nossa amizade. Conseguimos evitar guerras dentro da Kompakt e outras tretas que matam empresas. Não é nada de que me possa orgulhar, apenas tivemos sorte com as pessoas do grupo que formámos. Tivemos sorte que elas fossem assim. Em relação a isso sou muito humilde.

Acabaste de lançar o remix de Train, uma música de Thylacine, com aquela épica quebra no meio - que é o som de um comboio a passar. Vais lançar um disco com Kölsch a 20 de Maio. As músicas chamam-se Dogma 1 e 2 e ouvi dizer que só tinham uma regra: usar apenas um instrumento. Foi inspirado pelo Dogma 95 [o movimento de cinema criado pelo Lars von Tier e o Thomas Vinterberg]?

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Bem, o Rune Kølsch (Kölsch) é dinamarquês. Foi ideia dele. O disco vai sair na sua editora nova, IPSO. Perguntou-me se queria fazer o primeiro lançamento com ele. Gostei muito da ideia de focar as coisas num só instrumento. No meu caso, quando cheguei ao estúdio em Colónia, não foi uma decisão difícil de tomar. Tenho um órgão lindo, o tipo de coisa que um músico de casamento costuma tocar. Um órgão manual com pedais e uma pequena caixa de ritmos. É um instrumento magnífico. Eu penso que a caixa de ritmos é igual à CR-78 (a caixa usada em "Heart of Glass" dos Blondie e "In the Air Tonight" do Phill Collins).

É aquele que já tem loops pré-feitos, não é?

Sim! Tens o samba, bossa nova e muitos mais. Todos soam maravilhosamente, uma caixa de ritmos muito seca e punchy.

Foto cortesia Festival Forte.

Mas, voltando às tuas coisas novas. Quando é que vais lançar um disco? Já passou um tempinho desde o último.

(risos) Não faço intenção de falar sobre isso ainda, senão teria que te matar. (…alguns segundos de silêncio…) Sim, estou a preparar um novo disco. Sai em Outubro e vai ser muito diferente daqueles que fiz anteriormente. Não vai ser pop, não vai sair na Kompakt e não vou estar sozinho.

Não vai sair na Kompakt?

Não. Estou a trair a minha própria editora.

Estás mesmo a fazer algo diferente. Não queres dar-me mais detalhes?

Hmm.. não posso! (risos)

Na boa, pelo menos já é mais do que sabíamos!

Faltam duas semanas [a entrevista foi feita a 23 de Abril] para o deadline. Tenho trabalhado dia e noite.

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Então esta actuação em Portugal é a tua pausa no trabalho: fazer um trabalho diferente. (risos) Pelo menos podes ler o teu livro.

Sim, uma pequena pausa para leitura.

Musicalmente falando, o que consideras ser a coisa mais excitante a acontecer no momento?

O meu álbum, claramente! (risos) Acho que o tempo que vivemos agora é, outra vez, muito excitante. Apesar de teres sons bastante populares, como agora o techno romântico – tipos como os Tale of Us, música onde o transe é conduzido pelo sintetizador - ou, por outro lado, o techno super sério na onda do Berghain, há espaço para coisas novas. Quando sons se tornam tão populares, como estes dois se tornaram, é aí que há espaço para algo mais. Eu rejeito automaticamente as coisas que se tornam grandes. Não consigo continuar a tocar essas músicas, é impossível para mim.

Penso nessas tendências, no princípio do trance e no ambiente house, e relaciono-o contigo. Parece-me que é a tua cena.

Tens razão, poderia ter sido a minha cena. Mas, também, é uma abordagem diferente, a da Innervisions [editora alemã]. Esses géneros significam muito para mim e já fiz muito nessa onda, durante muito tempo, na Kompakt. Mas, agora, como está em todo o lado, é aborrecido para mim tocar coisas nesta onda. Fico com alergias só de ouvi-las.

Ya, todos estes géneros andam a ser tocados repetidamente e tu queres sempre fazer algo diferente.

Sim, é a carta que tenho sempre na manga. (risos) Espero que não se torne uma moda!

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Por falar em tendências, todas as músicas pop hoje em dia parecem ser electrónicas. Ganhámos?

Oh, definitivamente! Conquistámos o Mundo. Até as músicas que os meus pais ouvem. Até o folclore!

Isso deixa-te algum sabor amargo na boca?

Amargo? Não sei. Claro que muitas destas coisas são horrendas, mas tu podes escolher sempre o que queres ouvir. Acho que tudo ter-se tornado mais electrónico é apenas um desenvolvimento lógico. Quem é que ainda tem dinheiro para um estúdio grande, ou uma grande banda? É uma consequência triste das coisas que acontecem na indústria musical.

Parece que as editoras mainstream estão a replicar o que as editoras electrónicas fazem e o que elas próprias costumavam fazer na altura do "Wall of Sound", lançando muitos singles.

É verdade. Eu, no entanto, ainda acredito no formato álbum. Ouço muitos LPs, é o formato principal que consumo e o único que ouço em casa. Há uma beleza num disco de longa duração que nenhum single jamais vai dar-te. E é muito triste o que a indústria fez ao formato, empurrando os artistas para situações que têm de "forçar" um disco com um ou dois singles. Foi muito errado e danoso para a cultura musical no geral. Mas, se as pessoas pegassem em músicas do meu disco e as pusessem no shuffle no seu telemóvel, por mim tudo bem. É na boa. Seja lá o que tu achares melhor para ti. Para mim, todavia, é mais importante pensar em grandes formatos e poderes expressar mais que somente aqueles cinco minutos de adrenalina. E agora que todos os tipos em crise de meia-idade estão a comprar gira-discos, parece que vai haver um grande regresso do formato.

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Foto cortesia Festival Forte.

E o que é que tu ouves que as pessoas nunca suspeitariam?

Recentemente, antes de Prince morrer, andei colado no Neil Young, outra vez. É algo que me bate de vez em quando. Ainda esta semana estive agarrado ao "Prairie Wind", que é um dos seus álbuns mais tardios. É muito suave e a dar para o country, de levar um gajo às lágrimas.

Há muitos artistas a morrer. Se tu morresses hoje como gostavas de ser lembrado, como o "Principe do techno triste e suave"? Há um artigo que te chama isso.

(risos) Esse é o Superpitcher, não sou eu. Na minha campa quero que diga: "Eu tentei o meu melhor".

Oh, mas a verdade é que ainda pareces muito novo.

Foi o que a hospedeira no avião me disse: "Deves ter um pacto com o diabo".

Com tantos anos de festança em cima, qual é o segredo?

Tenho um pacto com o diabo. (risos) Simples!

E agora, o futuro: O que vais fazer depois do disco estar pronto?

Dentro de quatro semanas, quando tudo estiver pronto, incluindo a mistura e a masterização, acho que não vou fazer nada. Vou tentar não fazer nada. O que não será possível, claro. Há sempre coisas para fazer na empresa, família, ou datas para tocar. Mas não quero trabalhar todo o dia e toda noite. Quero olhar para árvores.

Então, basicamente, a única coisa que não vais estar a fazer é a trabalhar no teu disco novo.

(risos) A questão não é o que eu vou conseguir fazer, é mais, o que eu gostava de fazer. Eu gostava de não fazer nada, mas isso não vai acontecer. (risos). Vou tentar o meu melhor.