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Matthew Power, 1974 – 2014

Um tributo ao jornalista Matthew Power que, viajando o mundo em missões para a Harper's, National Geographic e GQ, venceu sem ter que trocar sua integridade por um cheque no final do mês.

Matthew Power num túnel abaixo das catacumbas de Paris.

Anos atrás, um conhecido meu chamado Brad Will foi assassinado no México, e o tributo mais humano e divertido que fizeram para ele foi escrito por um jornalista chamado Matt Power. Matt e Brad pegavam carona em trens de carga juntos, moraram em ocupações juntos e até tinham sido presos juntos. Matt detalhou a amizade deles numa elegia publicada no Virginia Quarterly Review. Numa tentativa atrapalhada de amor livre, segundo ele, eles até se beijaram uma vez.

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“Mesmo escrever sobre isso no passado me parece estranho”, escreveu Matt, “quase risível e ninguém ia rir mais disso do que o Brad, com sua risada conspiratória de sobrancelha levantada, que fazia você entrar numa piada secreta. Escrever isso no passado nega a imortalidade que frequentemente sentíamos perto um do outro.”

Na segunda-feira, aos 39 anos — quase cinco anos desde que ele se despediu de seu amigo Brad —, Matt Power morreu em Uganda. Ele estava trabalhando para o Men's Journal, percorrendo o Nilo com um explorador britânico chamado Levison Wood. Uma nota breve foi publicada no site do Men's Journal, explicando a forma como o Matt teve uma insolação no meio do deserto. Não havia como conseguir ajuda médica. Ele perdeu a consciência e morreu algumas horas depois. “Matt tinha chegado e se juntado ao Wood há somente uma semana”, escreveu o editor do Men's Journal, “mas você tinha a sensação de que o Matt marcharia com ele o tempo que fosse necessário para conseguir a história e entender o homem com quem ele estava viajando”.

Apesar de ter encontrado Matt algumas vezes em Nova York, eu o conhecia menos como amigo e mais como leitor de seu trabalho. Suas matérias o fizeram andar pela Floresta Amazônica, cavar em lixões nas Filipinas e cruzar os Andes de moto. Em uma de suas melhores passagens, de um ensaio na Harper's sobre descer o Rio Mississippi de rafting, ele descreve uma fantasia de infância de se tornar mendigo.

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Por muitos anos, começando com seis ou sete anos, eu me vestia de mendigo no Dia das Bruxas. Era fácil montar a fantasia. Umas botas maiores que o meu tamanho, um paletó xadrez comido por traças e o chapéu de caça de feltro do meu pai, que tinha cheiro de isca de veado; terminando com uma barba desenhada com carvão, uma trouxa de lenço amarrada num taco de hóquei e uma garrafa vazia na mão. Eu imaginava que a vida de mendigo devia ser legal. Eu dormiria em palheiros e faria exatamente o que eu quisesse o tempo todo.

Desde então, eu ocasionalmente fantasio sobre largar tudo e até tentei, furtivamente, levar isso adiante: um período ocupando um prédio decadente de South Bronx e uma carona clandestina pelo Canadá num trem de carga. Fui preso um punhado de vezes, com acusações que variavam de invasão de propriedade a conduta desordeira e posse de pequena quantidade de drogas. Mas eu não era um criminoso muito bom, nem um nômade, e, invariavelmente, retornava ao conforto das banalidades da vida comum. Nunca detestei a civilização o suficiente para aguentar as agruras de abandoná-la totalmente, mas de tempos em tempos ficava cansado da rotina, de me sentir "espremido e sivilizado" como disse o Huck Finn, e saía em busca de outra diversão no Território.

Entre meus amigos mais queridos — garotos incansáveis que se tornaram jornalistas, editores e pais quando adultos — os malabarismos de Matt com a aventura e a responsabilidade, sua habilidade de transformar suas diversões no Território em uma carreira, fizeram dele um modelo de vida. Diferente de muitas pessoas bem-sucedidas, ele era generoso com seu tempo e seus conselhos, rápido para responder e-mails ou sair para beber com um estagiário ou jovem escritor, a quem podia oferecer nada mais que uma conversa. Ele era um cara comum, em outras palavras, viajando o mundo em missões para a Harper's, National Geographic e GQ, vencendo sem ter que trocar sua integridade por um cheque no final do mês. Ele viveu uma vida que muitos de nós ainda aspiramos viver.

Seus amigos e família, sem dúvida, devem estar devastados pela notícia de sua morte. Meu feed no Facebook — que inclui vários colegas que conheciam o Matt bem melhor do que eu — está cheio de elogios comedidos. Um amigo meu lembrou com tristeza de uma dívida que não tinha sido paga: “Ainda devo um drinque a ele”.

Mesmo assim, como em muitas mortes, as homenagens mais profundas vão acontecer em privacidade. Só posso imaginar que, logo após a tragédia inesperada, sua família deve ter sentido o mesmo que Matt sentiu quando nosso amigo Brad morreu. “Eu meio que fico esperando”, escreveu Matt em seu artigo na VQR, “ele virar a esquina em sua bicicleta, ainda sujo da viagem… contando suas últimas aventuras no Brasil ou no South Bronx”.