Dependendo da sua idade, você pode conhecer Quincy Jones por diferentes razões. Talvez você conheça ele como o produtor-executivo e compositor musical de Um Maluco no Pedaço, ou como o fundador da revista VIBE. Talvez conheça ele pelo seu trabalho lendário produzindo os discos solo mais vendidos do Michael Jackson, incluindo Thriller. Se você é bem mais velho, talvez o conheça como um músico de jazz que virou compositor, que treinou e tocou com os grandes nomes da música nos anos 1940, 50 e 60.
Publicidade
Se nada disso fez sua ficha cair, você provavelmente viu a entrevista viral que ele deu este ano para o Vulture, onde ele fofocou sobre vários amigos famosos, dizendo que Marlon Brando transou com Marvin Gaye e que uma vez ele ficou com a Ivanka Trump.O novo documentário da Netflix, Quincy, dirigido por sua filha Rashida Jones, desnorteia o espectador simplesmente recontando uma carreira muito, muito prolífica, e é até difícil para os fãs mais casuais lembrarem de tudo. Mas comprimida em duas horas, essa se torna uma história essencial que já devia ter sido contada há muito tempo, iluminando o progresso da música americana e o impacto indelével que artistas negros tiveram em moldá-la.A personalidade elétrica de Jones tempera o filme com momentos emocionantes e palavras de sabedoria. Para apreciar completamente o impacto dele, vale tirar algumas horas para assistir o documentário inteiro. Mas para abrir seu apetite, aqui vão alguns trechos memoráveis do filme que encapsulam temas significativos de Quincy e, por extensão, o mito do homem por trás do filme.Instigado pelo pioneiro do jazz Duke Ellington, Jones tornou sua missão ajudar a descategorizar a música americana, encorajando artistas a abordar projetos fora dos gêneros a que são associados. Rotular estilos musicais pode acabar encaixotando músicos em esteriótipos, como associar o jazz com pessoas não-brancas, ou pop com músicos brancos; gospel com estilo de vida tradicionalista, ou blues com rebeldia.Jones foi claramente atraído por gêneros particulares em vários pontos de sua carreira, como quando ele seguiu músicos de bebop de Nova York até eles o deixarem entrar para a turma na década de 1940. Mas sua busca por experimentar entre categorias também viria a definir seu legado. Talvez por acaso, ele conseguiu grandes oportunidades de músicos como Frank Sinatra, que reconhecia que Jones podia aplicar suas habilidades numa grande variedade de estilos. Sua importância na indústria o posicionou perfeitamente para realizar sua visão de colaboração entre gêneros, como a famosa faixa de caridade de 1985 “We Are the World”, ou o álbum fundindo hip hop e bebop Back on the Block de 1989.
“Para a música crescer, os críticos precisam parar de categorizar tudo e deixar os músicos se envolverem em todas as facetas da música. Vamos morrer se ficarmos presos em uma área da música.”
Publicidade
Essa citação em particular de Quincy, sugerindo que músicos “vão morrer” se forem encaixotados, dá uma guinada sombria abrupta. Mas essa é uma corrente misantrópica que flui pelo filme. Sentado com Kendrick Lamar para uma sessão de fotos, Jones diz que a música o salvou de acabar morto ou na cadeia — um tema também muito presente na discografia de Lamar.Rashida Jones também disse ao Entertainment Weekly que aprendeu sobre a “necessidade de sobreviver pela música” do pai enquanto filmava o documentário. Claro, dar tanto de si para sua carreira e estilo de vida pródigo quase matou Jones várias vezes, como quando ele desmaiou de tanto trabalhar com 30 e poucos anos, ou quando ele caiu num coma por causa da diabetes em 2015. Mas aos 85 anos, o jeito como Jones continua se jogando em projetos ambiciosos destaca quão vital a música é para sua própria existência.
“Aprendi muito tempo atrás, sua música nunca pode ser mais ou menos do que você é como ser humano.”
Publicidade
Mas ele ainda é uma figura cheia de magnetismo carismático. Mesmo as esposas que ele deve ter magoado por ser um parceiro ausente não têm ressentimentos para compartilhar no filme — pelo menos não na versão final. E várias ex-namoradas ainda passam as festas de final de ano com ele. Jones parece um homem com amizades profundas e duradouras, e com um interesse sincero em ser um mentor para jovens artistas, tudo isso enquanto usa sua influência para promover justiça social e causas políticas. Nesse contexto, suas produções parecem como uma extensão de um homem que se esforça para atingir todo seu potencial em todo aspecto da vida.A filosofia de Jones, de que a música nunca deve ser considerada mais valiosa que a pessoa que a criou, é particularmente comovente, considerando o notório tratamento recebido por músicos negros de jazz fora dos palcos durante a segregação, enquanto o público branco enlouquecia com sua música. O documentário toca nisso algumas vezes, mais memoravelmente quando se trata de como Frank Sinatra se recusava a colocar os músicos negros de sua banda em hotéis diferentes de seus músicos brancos, do outro lado da cidade em Las Vegas. Jones se recusou a deixar essa dicotomia afetá-lo, a seu próprio modo. Uma vez, numa entrevista, Jones disse que ele e Ray Charles compartilhavam um refrão empoderador: "Nem uma gota do meu valor próprio depende da sua aceitação."Nos anos 1950 e 60, ser um músico de jazz era como ser um astro do rock. Mas a atriz de The Mod Squad Peggy Lipton, namorada de Jones na época (e mãe de Rashida), disse que ele não queria se ver apenas como um músico de jazz ou compositor de trilhas sonoras. Considerando todo o sucesso em sua carreira, Jones parece insaciável no filme.Jones quase morreu durante as filmagens de Quincy, depois de entrar em coma diabético, então ele parou de beber, parcialmente porque sente que ainda tem mais sonhos para realizar. O documentário se centra na conquista de um desses objetivos: acompanhando Jones enquanto ele faz curadoria de história musical para a inauguração do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana em Washington, DC.
“Ego geralmente é uma insegurança vestida exageradamente. Acho que você tem que sonhar tão alto que não tem ego, porque sabe que não pode realizar esses sonhos.”
Publicidade
Em sua entrevista com a Vulture, vários momentos o fizeram parecer mais arrogante do que ele parece no documentário. Em um ponto o entrevistador pergunta: “Qual uma coisa em que você trabalhou que não deveria ter sido tão grande?” E ele responde: “Do que diabos você está falando? Nunca tive esse problema. Tudo é grande”. Ele claramente tem orgulho de suas conquistas e uma língua de fogo, mas o documentário ameniza esse retrato dele. Quincy aponta que Jones também é humilde por seu desejo incansável de sempre fazer o melhor e conquistar mais.Seja estimulando a química entre músicos de bebop e artistas de hip hop, ou convencendo um tímido Michael Jackson a sair de sua concha, Jones aperfeiçoou sua arte de preparar músicos para o sucesso, depois deixar a natureza seguir seu curso. De maneira interessante, Jones não parece tão impressionado com os primeiros sucessos de Jackson como astro infantil. No documentário, ele chama essas músicas de “chiclete”. Mas quando Jones conheceu Jackson enquanto produzia O Mágico Inesquecível, onde Jackson interpretava o corvo, Jones ficou impressionado com seu talento e disciplina, e acabou decidindo produzir os discos solo de Jackson. Jones tinha acesso ao melhor da indústria, e muito do seu gênio gira em torno de juntar as pessoas certas para um projeto — uma habilidade que se manifestava notavelmente nas faixas que Jones produziu para Jackson.
“Sinto que [quando gravando música], deixe pelo menos 20 ou 30% de espaço para Deus andar pela sala. Porque aí você deixa espaço para a mágica, e álbuns são sobre capturar momentos de magia real.”
Publicidade