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Brigada de Alter. Foto: Reprodução/Facebook.
Meio Ambiente

O que está acontecendo em Alter do Chão?

Quatro voluntários da Brigada de Incêndio foram presos pela polícia civil acusados de provocarem incêndios na região.

A Polícia Civil de Santarém, Pará, prendeu preventivamente quatro pessoas da Brigada de Incêndio de Alter Chão na manhã de terça-feira (26) acusadas de provocarem incêndios em parte da vegetação da Área de Proteção Ambiental (APA) na região para ganho financeiro. A Brigada de Incêndio é uma ONG ligada ao Instituto Aquífero Alter do Chão e é uma das principais organizações que atuam na proteção da natureza na região.

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Alter do Chão é um distrito de Santarém, terceiro município mais populoso do estado de Pará, no Norte do Brasil. Localizada à margem do Rio Tapajós, a região abriga praias de água doce brasileira e é um grande ponto turístico, conhecida como "Caribe Brasileiro". Em agosto e setembro de 2019, assim como diversas áreas da Amazônia, Alter do Chão foi afetada pelas queimadas que ao todo consumiram 125.000 hectares e levaram quatro dias para ser contidas. A Brigada de Incêndio de Alter do Chão era a linha de frente no combate às queimadas e fazia vídeos nas redes sociais mostrando a situação.

Após dois meses de investigação, feita através de interceptação telefônica e monitoramento nas redes sociais, foram expedidos sete mandados de busca e apreensão e a prisão preventiva de quatro brigadistas: Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerver. A operação, apelidada de "Fogo de Sairé", foi conduzida pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém (DECA) e o Núcleo de Apoio à Investigação (NAI) e acredita que os acusados provocaram incêndios em vegetação protegida entre 14 e 17 de setembro com o objetivo de obterem ganhos financeiros e também de desviar dinheiro de doações à Brigada.

Segundo o delegado José Humberto Melo Júnior, responsável pela investigação da Polícia Civil, os brigadistas teriam vendido fotos do incêndio para a ONG WWF por 47 mil reais e também se apossaram de dinheiro da organização que vinha de um fundo do ator Leonardo DiCaprio. Ainda segundo o delegado, os brigadistas tinham informações privilegiadas dos focos do incêndio. No inquérito, há também a menção do ator Leonardo DiCaprio, que supostamente teria doado U$ 500 mil para a WWF por causa das fotos vendidas pelos brigadistas para atrair doações.

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A ONG negou as acusações de ter comprado as fotos dos brigadistas. No site da organização, a WWF-Brasil afirma que "não adquiriu nenhuma foto ou imagem da Brigada, nem recebeu doação do ator Leonardo DiCaprio" e que "possui contrato de Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a viabilização da compra de equipamentos para as atividades de combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão, em Santarém/PA, no valor de R$ 70.654,36".

Após a operação ser deflagrada, os quatro brigadistas acusados passaram por uma audiência de custódia na quarta-feira (27) presidida pelo mesmo juiz que expediu os mandados de prisão temporária, o juiz da 1ª Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, que negou também o pedido de habeas corpus da defesa. Por isso, seguirão presos por mais dez dias. Segundo o advogado de dois dos brigadistas, Wlandre Leal, entrevistado pela Agência Pública, é "plenamente justificável" os brigadistas saberem dos focos de incêndio visto que “eles são a linha de frente de brigadistas de combate à incêndio lá na área de Alter do Chão”.

A defesa também apontou diversas inconsistências e ausência completa de provas que sustentem as acusações feitas pela polícia. "Tem conversa entre eles falando de trabalho, falando de fogo, falando de combate à incêndio, falando que vão ocorrer mais queimadas naquela região, que isso é normal para a época do ano. A polícia se baseou em vídeos postados em redes sociais — Instagram, Facebook e diálogos para fundamentar o pedido para o juiz, que concedeu a busca e apreensão e a prisão preventiva. É baseado nessa análise e interpretação individual da própria polícia civil e do próprio delegado," disse Leal.

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Na tarde desta quinta-feira (28), governador do Pará Helder Barbalho, anunciou em sua página do Twitter que determinou a substituição da presidência do inquérito para o diretor da Delegacia Especializada em Meio Ambiente, Waldir Freire. "Ninguém está acima da lei, mas também ninguém pode ser condenado antes de esclarecer os fatos," escreveu o governador.

A prisão dos brigadistas e as acusações contra ONGs foi repercutida pelo presidente Jair Bolsonaro que lembrou que havia dito em agosto, sem qualquer prova, que supostamente ONGs estariam por trás dos incêndios na Amazônia para "chamar atenção" contra o Governo. “Agora a polícia paraense prende alguns suspeitos pelo crime”, disse Bolsonaro.

Diversas ONGs, instituições e ativistas saíram em defesa da Brigada de Incêndio Alter do Chão após a prisão dos voluntários. Mais de 50 institutos e associações civis, inclusive associações de povos indígenas assinaram cartas de apoio aos brigadistas detidos e ao Projeto Saúde e Alegria, organização que também foi alvo de um dos mandados expedidos pela polícia.

O Ministério Público Federal pediu para analisar o inquérito e verificar se a competência é da justiça federal ou estadual no caso específico. Em nota, o órgão afirmou que "desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema. Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil. Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter".

Com a repercussão do caso, o juiz de Direito Alexandre Rizzi da 1a Vara Criminal de Santarém, determinou a soltura dos brigadistas após analisar informações colhidas pelos delegados da operação "Fogo de Sairé". No fim da tarde desta quinta-feira (28), os voluntários saíram da casa penale responderam o processo em liberdade.

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