Fotógrafo capta a masculinidade fluída do homem negro
Todas as fotos cortesia de Cam Robert.

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Fotógrafo capta a masculinidade fluída do homem negro

"A negritude é ilimitada. Não devemos nos conformar em ser rotulados", explica Cam Robert, autor da série 'Pastel'.

As representações mainstream de homens negros – e portanto, de sua masculinidade – tendem a oscilar entre um extremo e outro: criminalizados, hipersexualizados, difamados ou idolatrados. Raramente elas se desviam dessas perspectivas. Foi isso que motivou Cam Robert, um artista premiado de Nova York, a lançar Pastel, uma série fotográfica visando capturar a masculinidade fluída do homem negro. Vários projetos fotográficos recentes buscaram abordar a masculinidade negra, mas aqui vemos um lado mais “suave”, “feminino” ou “duro” deles.

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A série Hooded do fotógrafo Myles Loftin evoca um senso de diversão, justapondo adolescentes negros sorridentes usando um item de vestuário há tempos associado a violência e mortes de negros contra fundos em tom pastel. Enquanto isso, Testament Project de Kris Graves pode retratar 25 homens negros em seus próprios termos, mas o efeito final é um olhar hipermasculino. Por outro lado, os temas de Pastel mostram o espectro que existe dentro da comunidade negra.

“No final, meu objetivo era tentar ajudar a mudar a narrativa do que é a masculinidade negra; que não há uma narrativa definitiva”, me disse Cam. “A sociedade nos coloca rótulos, mas o que eu queria deixar claro é que não é razoável ou natural esperar que todos nós nos enquadremos nisso.”

Numa época em que se sentar num Starbucks sem comprar nada já pode fazer um homem negro ser preso, quando atirar num cachorro pode fazer um policial ser preso mas atirar num homem negro desarmado não, um projeto como Pastel nunca foi mais pertinente.

Falei com Cam sobre o poder da fotografia para desafiar preconceitos, os limites que a sociedade continua a colocar para homens negros, e por que eles merecem uma nova narrativa.

VICE: Oi, Cam. Como Pastel surgiu?
Cam: Tenho sorte de ver homens negros representados numa luz completamente nova, onde o lado mais suave de suas identidades é mostrado completamente. Dito isso, muitos dos projetos que vi sobre masculinidade vão fundo demais nisso e não consideram que essa masculinidade e feminilidade são partes de um espectro. Com Pastel, eu queria refinar o fato de que esse rótulo colocado em homens negros não é algo natural. Decidi criar esses mundos sutilmente surreais para mostrar quão pouco natural é o rótulo que o mundo tenta colocar em nós.

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Por que você decidiu chamar o projeto de Pastel?
Eu queria jogar com essa ideia de expectativas sociais. Quando ouve a palavra “pastel”, você automaticamente pensa em algo suave e delicado. Eu queria que o público viesse pensando que esse é outro projeto mostrando a “suavidade” do homem negro, só para descobrir que há muito mais que isso. Quando penso em cores pastel, penso em cores que não têm sua vibração total, quase como se estivessem em transição. É uma metáfora perfeita para o estado atual da masculinidade negra. Isso não é algo completamente definido ainda para muitos de nós, porque estamos limitados pelo que a sociedade espera.

Para você, o que torna Pastel significativa?
Pastel é para aquelas pessoas que sentem que não se encaixam necessariamente em um certo critério, para aqueles que reprimem algumas de suas qualidades femininas porque acham que sua masculinidade está em risco. Por mais trivial que pareça, isso é para os homens negros que querem cantar Beyoncé a plenos pulmões mas não cantam porque acham que sua masculinidade será desafiada ou invalidada. Tudo bem! "Single Ladies" é um puta som. Manda ver. Você continua o mesmo homem depois que canta essa música. Você não precisa viver nesse mundo de fantasia que forçaram sobre nós. Você pode ser você mesmo.

A mídia mainstream raramente destaca quão diversa e fluída a masculinidade negra pode ser. Como isso influencia seu trabalho?
Considerando que isso é o que sempre vejo quando leio as notícias ou assisto filmes, essa questão definitivamente alimentou a criação de “Pastel”. Me dói ver tantas pessoas constantemente sujeitas a esse tipo de coisa. Isso nos afeta depois de um tempo. Não somos animais – não merecemos ser mortos nas ruas ou presos por anos por crimes menores. Nessa era de redes sociais, isso está sendo apresentado numa taxa exponencial. Sei quem sou como um homem negro, sei quem são meus amigos como homens negros, mas vejo uma narrativa completamente diferente dentro da minha comunidade. Como pessoas, merecemos uma nova narrativa porque essa apresentada atualmente é velha e cansada. Com esse projeto, meu objetivo é redirecionar isso.

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Agora é a hora de começar a discussão sobre homens negros e masculinidade?
Se não agora, quando? Isso vai para qualquer pessoa não branca ou marginalizada que sente que um pedaço de sua história não está sendo ouvido. Nesse caso em particular, escolhi homens negros como meus temas porque, como homem negro, essa são pessoas de quem posso falar de maneira apropriada por experiência. Eu sentia que essa era uma parte da conversa que estava se perdendo.

Você fotografa especificamente para homens negros jovens?
Não acho que esse é o meu principal foco no geral. Dito isso, sou muito consciente do tipo de imagem que capturo e publico, e me certifico que isso esteja sempre alinhado com minha bússola moral, e que eleve minha comunidade em vez de abusá-la.

Suas fotos evocam um senso de intimidade, particularmente a imagem de um dos modelos dormindo numa banheira. Isso é intencional?
Com certeza. A mídia sempre nos faz parecer intimidadores e difíceis de se aproximar. Capturar esse nível de intimidade é combater essa noção.

Como e por que você escolheu os temas do projeto?
Todos os meus temas são pessoas com quem eu já tinha um relacionamento antes. Era importante para mim não escolher simplesmente modelos profissionais, porque para um projeto com esse nível de intimidade ter um impacto, era preciso haver confiança entre eu e a pessoa que estou fotografando.

Tem alguma imagem da série com que você se identifica particularmente?
A foto do meu amigo Deniro carregando o filho. Adoro a justaposição de um homem totalmente tatuado carregando seu filho recém-nascido. Quando fiz essa foto, eu queria criar uma imagem que mostrasse como é a paternidade, e que somos folhas em branco antes de todos esses rótulos e expectativas serem projetados sobre nós.

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O que você espera que as pessoas tirem dessas imagens?
Que as pessoas saiam mais abertas. A negritude é ilimitada. Não devemos nos conformar em ser rotulados. Se posso ajudar o cânone tornando os preconceitos sobre homens negros em concepções positivas, então estou fazendo meu trabalho direito.

O que vem agora para Pastel?
A série continua crescendo. O que começou como um projeto de curto prazo se tornou uma série em andamento depois de todo apoio que recebi. Enquanto a inspiração bate, vou explorar mais o espectro da masculinidade negra.

@its_me_salma

Todas as fotos cortesia de Cam Robert. Veja mais do trabalho dele aqui.

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